Sou grande admirador do ator Paul Newman. Minha esposa também, com tanto entusiasmo que às vezes fico enciumado. Em quase todos os seus filmes famosos, ele faz o "mesmo" papel: um sujeiro brilhante que se atrapalha na vida, e se reergue no curso do filme.
Três filmes particularmente recomendados: "A Cor do Dinheiro", "O Veredito", e "Golpe de Mestre". Este último, que faturou um milhão de Oscars, é baseado num livro: "The Big Con: the story of confidence men".
O livro não é um romance. É um estudo sobre os crimes de estelionato, tipo "golpe do bilhete premiado". Na lingua inglesa eles têm um nome específico: confidence game, ou simplesmente con game ou con. O nome vem do mecanismo básico do golpe, que é conquistar a confiança da vítima e em seguida atiçar sua ganância.
A rigor o livro nem é um tratado de criminologia. Foi escrito por um professor de linguística, David Maurer, que interessou-se pelo vasto jargão dos golpistas. O material reunido permitiu escrever en passant um livro esclarecedor sobre esta modalidade de crime, descrevendo as técnicas, os golpes, a personalidade dos criminosos, das vítimas, etc.
Até pela natureza inicial da pesquisa, o professor evita ao máximo preconceitos e mesmo julgamentos morais ao longo do texto, lidando com os aspectos do estelionato como se fosse uma profissão regulamentada.
O típico "grande golpe" tem sempre os mesmos ingredientes: o otário é escolhido como um parceiro honesto para um negócio desonesto, como apostar em lutas arranjadas ou ações da Bolsa com insider information. O golpe perfeito tem a fase de "esfriamento" do otário, de modo que ele vá para casa convencido que perdeu o dinheiro por azar ou acidente, sem cogitar que foi logrado.
Apesar do chavão "You can't con an honest man", o leitor é admoestado a não considerar-se imune aos golpes. Nem mesmo ler o livro oferece muita defesa, porque os golpistas estão sempre inventando novos golpes, e pouquíssimas pessoas têm autoconhecimento suficiente para enxergar a verdade: que somos menos honestos do que pensamos que somos.
Golpistas existem em toda parte, mas o con man é um personagem estadunidense por excelência, e sua arte teve o ápice no início do século XX, declinando depois da 1ª Guerra e praticamente extinto no início da 2ª Guerra. Este tipo de golpista encontrava respaldo na filosofia de darwinismo social reinante na época, sendo assim tratado com leniência e até com deferência. Ele está entremeado na história empresarial americana.
Por exemplo: as lojas de departamentos e as dollar stores (equivalentes às nossas lojas de R$ 1,99) são descendentes diretas dos esforços de golpistas. Tais lojas eram uma fachada para atrair os otários para o jogo das três cartas que rolava no fundo do estabelecimento. Até que um golpista percebeu que a frente da loja, além de legítima, estava dando mais lucro que o crime. Este con man morreu milionário, feito que poucos deles conseguem realizar. Como disse o sambista, às vezes ser honesto é a maior malandragem.
A atitude e os modos dos golpistas lembraram muito outro livro da mesma época, "A Lei do Triunfo" de Napoleon Hill. Este livro é o tataravô dos livros de auto-ajuda financeira, e nele o leitor é encorajado a ter uma atitude muitíssimo semelhante ao do con man: vestir-se bem, exalar autoconfiança e manipular as pessoas para se obter o que quer.
Num episódio do livro, Hill alega ter viabilizado a construção de uma ponte ferroviária, para que o trem chegasse ao centro de uma certa cidadezinha. Seu truque: disse a cada uma das partes interessadas (prefeitura, ferrovia e um grande cliente da ferrovia) que ele já tinha dois terços do dinheiro necessário, e pedia apenas o "terço que faltava".
Foi um golpe, mas um "golpe do bem", no estilo da história da sopa de pedra; todas as partes "enganadas" saíram ganhando. O interesse de Napoleon Hill na ponte era egoísta, embora não necessariamente cobiçoso: o translado da estação para a cidade era de carroça, por uma estrada poeirenta e lamacenta. Sempre muito bem vestido, Hill tinha de trocar de roupa assim que chegava ao hotel.