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O número de Avogadro e o Durepox

Na química de 2º grau, aprendemos sobre o mol, ou "número de Avogadro", aproximadamente 6,02×1023. Por exemplo, 18 gramas de água têm um mol de moléculas, pois 18 é o peso atômico do H2O, 16 do oxigênio e 2 de cada hidrogênio.

Nesse ponto o aluno pergunta "tá, mas o que isso impacta a minha vida?"

Noves fora que um pouco de curiosidade e conhecimento geral não fazem mal, o número de Avogadro tem influência direta na vida cotidiana. Por exemplo, você já misturou Durepox, aquela massinha de epóxi para vedar, fechar buracos, colar trincas, etc.? A embalagem manda "misturar bem". Mas quanto é "misturar bem"? É só até ficar de uma cor homogênea, ou é preciso ficar misturando por meia hora?

Decidi fazer um teste: pegar uma barra de Durepox, e ir misturando as duas partes, tirando amostras periodicamente, para ver até onde vale a pena misturar.

Figura 1: Amostras de Durepox em diferentes níveis de mistura

O método de mistura é o mais básico possível: simplesmente dobrar a massa no meio e apertar, alternando a direção a cada uma ou duas dobraduras. Não é o método mais eficiente, normalmente eu torço e depois dobro, mas simplesmente dobrar tem uma objetividade que vai ser útil nesta experiência. Como você pode adivinhar pela foto acima, tirei uma amostra a cada 5 dobraduras, até 80, quando acabou a massa. Deixei curar por 24h, conforme a recomendação da caixinha.

Para o epóxi curar, os componentes precisam estar misturados em nível molecular. Parece uma missão impossível chegar numa mistura tão homogênea, mas ir dobrando a massa é um processo exponencial. Depois de 30 dobraduras, já dividimos a massa em aproximadamente 1 bilhão de partes. Com 60 dobraduras, chegamos a 1018 partes. Com 80, ultrapassamos o número de Avogadro e provavelmente não faz sentido continuar.

A propósito, aqui entra a importância do número de Avogadro. Se, por exemplo, o mol fosse algo próximo de 10100, seria preciso misturar cinco vezes mais para chegar numa mistura homogênea. Ainda conseguiríamos chegar lá, graças ao caráter exponencial dos processos de mistura, mas tudo daria muito mais trabalho, seja misturar Durepox ou bater uma massa de bolo.

Antes de ver os resultados empíricos, tentei estimar o que aconteceria, com base no mol. Misturei 50g de Durepox. O peso molecular da resina epóxi (monômero) é aproximadamente 393g por mol, então eu preparei aproximadamente 1/8 de mol, ou 7.5×1022 moléculas. Este número é aproximado por 276, então na teoria eu tenho uma mistura perfeita com 75 dobraduras.

Um fator importante, que só fui lembrar depois de terminar de colar as bolinhas no plástico, é que eu fui tirando um pouco de massa a cada cinco dobraduras. Por ser menor, a quantidade restante de massa mistura cada vez mais rápido. Por exemplo, a amostra com 50 dobraduras equivale a 55, pois está tão bem misturada como se tivéssemos dobrado 55 vezes todo o volume original de Durepox.

Bem, vamos ver se isso tudo bate com os resultados práticos. A avaliação das bolinhas de Durepox foi meio subjetiva, pois não eram do mesmo formato ou tamanho. Usei as mãos e uma alicate de corte para verificar a dureza das mesmas. Foi possível dividir as amostras em três grandes grupos.

As amostras misturadas com no mínimo 60 dobraduras (68 dobraduras efetivas) estavam realmente boas, bem duras, como se espera do Durepox. Seria preciso algo mais sofisticado que uma alicate de corte para determinar se as amostras tinham diferenças entre si.

As amostras misturadas entre 30 e 55 dobraduras estavam duras, mas tinham resistência menor. A amostra de 55 dobraduras soltou um fragmento apenas com a força da mão. A amostra de 40 dobraduras tinha uma parte bem mole, certamente era um pedacinho da massa que deu azar de não misturar bem, mas até 30 dobraduras a massa ainda cumpriria seu papel de fechar um buraco, etc. se não fosse muito exigida.

De 25 dobraduras para baixo, a massa estava pegajosa ao toque, e farelenta na hora de quebrar, e abaixo de 15 ela nem endureceu. 25 também foi o limite para enxergar pedacinhos mal misturados a olho nu, então realmente há uma relação entre mistura visualmente homogênea e dureza.

Até que a previsão teórica chegou razoavelmente perto, considerando a precariedade da experiência. Há muitas incógnitas; Durepox não é epóxi puro, as moléculas do endurecedor têm peso atômico ignorado, e por aí vai. O erro foi de 7 dobraduras (68 deixaram a massa boa, embora a previsão fosse de 75). Se tivéssemos usado esta experiência para estimar o número de Avogadro, teríamos errado por um fator de 100, para baixo.

Notas

O mol vem da teoria dos gases. Em sua época, Amedeo Avogadro hipotetizou que, se duas amostras de gás têm o mesmo volume, mesma pressão e mesma temperatura, elas têm o mesmo número de moléculas, não importa se as substâncias são diferentes. Porém, Avogadro nunca tentou estimar que número era esse. O nome da constante é uma homenagem póstuma.

Por outro lado, a massa da amostra de gás depende apenas do peso atômico. Por exemplo, em um litro de gás a 0ºC e 1 atm, o número de moléculas é fixo, mas uma amostra de hexafluoreto de enxofre (SF6) pesa 70 vezes mais que uma amostra de hidrogênio.

Um mol de moléculas (ou átomos) é a quantidade de moléculas que completa uma massa em gramas numericamente igual ao peso atômico. 18 gramas de água possuem um mol de moléculas. Hoje o valor do mol é conhecido com precisão, porém ele vem sendo estimado por métodos indiretos desde o século XIX.