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Coisas que pingam

Em um ou dois textos anteriores mencionei que ia escrever sobre construção, uma vez que a experiência de construir casa tem comido com farofa minha reserva cognitiva nos últimos três anos.

Ainda não decidi por onde começar, mas tem um tópico com que estou brigando nos últimos dias: hidráulica, em particular conexões rosqueáveis. Até meu encanador tomou um ou dois olés — você nunca espera que um registro instalado por encanador vá vazar, mas acontece. Detesto mexer com hidráulica, mas até por detestar, a gente procura opções melhores do que o pão-com-manteiga, para fazer direito uma vez e poder esquecer que o troço existe.

Assim, acho que tenho algumas informações que pode interessar aos pobres maridos mundo afora, a quem sempre cabe consertar as coisas que pingam e as coisas que soltam faíscas.

Fita veda-rosca é coisa do capeta

Em tese, basta ler a embalagem: 5 a 8 voltas de fita teflon, enrolada no sentido horário com a rosca voltada para você, e pronto. Com pouca fita teflon, a peça rosqueia super fácil. Uma vez que canos de água têm rosca cônica, em tese eles vedam por si mesmos; a utilidade do teflon seria basicamente lubrificar a rosca.

Essas instruções NUNCA funcionaram para mim. Nunca!!!

Mas, como eu sou um trouxa, a cada tantos anos tento novamente obedecer as instruções, por medo de colocar fita em excesso e estourar alguma conexão. O resultado é sempre um vazamento, em geral daquele que demora 1h para formar uma gota, o que o torna ainda mais inconveniente.

Figura 1: O pesadelo do sistema: uma gota que mina por baixo da fita teflon. A rosca desse registro é muito afiada e corta o teflon. Não ajuda o fato da rosca macho não ter penetrado um número suficiente de voltas, provavelmente por culpa do excesso de teflon.

TL;DR achei algo infinitamente melhor: fio veda-rosca Loctite 55. Lembra muito um fio dental. É até difícil de acreditar que funciona, mas funciona. É insuperável quando há rosca de metal envolvida, como em torneira de metal, registro de metal, etc.

Outra vantagem do Loctite 55 é permitir ajustes de até 1/4 ou 1/3 de volta, o que é muito conveniente ao instalar torneiras e chuveiros. A fita teflon pode deixar de vedar ao menor movimento anti-horário. O rosquear é mais pesado com fio do que com fita, mas nada que faça medo.

Outra coisa curiosa é que não é necessário colocar o fio exatamente dentro da rosca, embora certamente fique mais bonito. O importante é a) respeitar o número recomendado de voltas para cada bitola, para não "embuchar" demais a rosca; e b) concentrar as voltas na parte da rosca que vai trabalhar, principalmente se macho ou fêmea for meio curto(a), com apenas 5 ou 6 voltas úteis.

Faça um favor a si mesmo e compre um carretel de Loctite 55, que vai durar a vida inteira. E, para aquelas situações em que a fita de teflon ainda é necessária, adquira uma fita teflon amarela "para gás".

Figura 2: Mesmo registro de gaveta da foto anterior, agora vedado com sucesso pelo Loctite 55, mais uma penetração suficiente da rosca.

Em conexões onde as duas partes são de plástico, ainda é melhor usar fita teflon. O Loctite 55 até funciona, mas exige muito aperto para vedar, e depois a peça pode ficar difícil de soltar pois o fio veda-rosca não lubrifica a rosca como o teflon. Consta inclusive no manual de alguns produtos de plástico, como chuveiros elétricos, que não se deve usar nada diferente de teflon.

Outra situação em que o fio veda-rosca não funciona sozinho é quando há uma grande folga entre conexões. O teflon é útil neste caso pois basta aplicar o suficiente para "embuchar" a rosca. Pode-se usar inclusive uma combinação de Loctite 55 e teflon por cima. Alguns encanadores sempre usam os dois quando se trata de gás (GLP, ar comprimido) para garantir máxima vedação.

Quando somos obrigados a usar apenas teflon, saiba que a quantidade necessária de fita é sempre maior do que aquelas 5 a 8 voltas do manual. Meu pai tinha uma regra: colocar teflon até a rosca praticamente sumir, o que dava 20 ou 25 voltas. Isto é um pouco demais; em geral umas 15-16 resolvem.

O Loctite 55 não pode ser usado quando o passo de rosca é mais fino que o NPT de 1/2". É comum encontrar conexões de 1/8" a 3/8", com passo de rosca bem fininho, em reguladores de gás. O teflon conforma-se a qualquer rosca, ainda que no caso específico de conexões em metal para gás, um vedante líquido anaeróbico seria o produto ideal.

A conexão mais chata

Por algumas experiências pessoais, acredito que a conexão de parede mais chata de fazer vedar é a de PVC azul para água fria, com bucha de latão.

Figura 3: Conexão de água fria mais comum nas paredes das nossas casas: rosca parte em latão, parte em plástico. Ela tem grande tendência de vazar.

A peça equivalente em CPVC para água quente tem rosca 100% metálica, talvez pelo fato do CPVC ser mais quebradiço. Contra-intuitivamente, ela tem menos tendência de vazar que a conexão azul, e aceita bem o Loctite 55.

Quando se monta uma peça metálica (como uma torneira) na conexão azul, o fio Loctite costuma funcionar de primeira. Se a peça tiver muita folga, pode ser necessário "embuchar" com fita teflon adicional para garantir uma vedação 100%.

Agora, ao montar peça de plástico, a vedação com fio Loctite é problemática, pois exige muito aperto para funcionar. É preferível usar apenas fita teflon para facilitar a retirada posterior.

Figura 4: Bujão vedado com sucesso após 3 tentativas, mediante emprego de Loctite 55 e rosqueada com profundidade suficiente. Infelizmente o torque necessário para fazer vedar dificultou a remoção da peça em momento posterior.

Se a peça macho é de plástico, considere usar peças novas e de fabricantes conhecidos (fuja do mico!). Depois de uns 2 ou 3 apertos, a rosca-macho tende a ficar estragada, ficando ainda mais suscetível a vazar. O sintoma é uma certa dificuldade de rosquear, com uma tendência de entrar cruzado.

Um último problema é de construção: não raro pedreiros e encanadores tendem a deixar essa conexão muito enterrada na parede, principalmente quando há revestimento cerâmico. Isso dificulta o aperto de niples e bujões. Considere instalar um prolongador, ou um flexível curto.

Tipos de fita teflon

As fitas teflon variam em espessura e densidade. Só entre as fitas brancas à venda, a espessura varia entre 0.07mm a 0.1mm (40% de variação), e a densidade varia entre 0.3g/mL e 0.5g/mL (60% de variação). Então, qualquer regra do tipo "x voltas" é automaticamente furada.

Porém, a minha impressão é que as fitas atuais são mais finas e elásticas do que antigamente. Lembram quase uma teia de aranha, de tão diáfanas. Roscas metálicas cortam-na facilmente. Ao desmontar a conexão, não fica nada sobrando na rosca, então obviamente não estava vedando.

As fitas de teflon antigas lembravam vagamente um esparadrapo, sendo mais consistentes e pouco elásticas. Junto com uma bomba de água fabricada na China, veio um pequeno carretel de fita com essas características. Coincidência ou não, as conexões feitas com ela vedaram de primeira.

Uma fita garantidamente boa é a de cor amarela "para gás", com densidade entre 0.5g/mL e 0.8g/mL. Essa tem chance real de vedar com menos de 10 voltas. Se não quiser ficar lendo ficha técnica de fabricante (e nem todos publicam), e quiser ter uma boa fita teflon na caixa de ferramentas, compre a fita amarela.

Ela não é imune a roscas metálicas particularmente afiadas, o Loctite 55 ainda é a "primeira resposta". Mas para aquelas situações onde só a fita teflon resolve, a amarela resolve melhor. Uma última vantagem é que o corante concentra-se nos pontos da rosca onde o teflon "grudou", o que ajuda a diagnosticar uma rosca problemática.

A verdade sobre roscas NPT

A rosca NPT, utilizada em hidráulica, é cônica, tem torque progressivo por interferência, e em tese veda por si mesma. A fita teflon existe apenas para lubrificar a entrada da rosca e entupir o fino canal em espiral que pode restar entre o pico de uma rosca e o vale da outra.

Também existe a rosca BSP, como a que se encontra em conexões flexíveis, torneiras de bancada, aquecedores, duchas, etc. Na conexão BSP, a vedação é feita por uma superfície lisa pressionando contra uma borrachinha, ou então por O-ring. A rosca não veda por si mesma e existe apenas para criar a pressão de fixação e vedação.

Apesar da rosca NPT ainda ser largamente utilizada em construção civil — e isto não vai mudar no nosso tempo de vida — ela é bastante obsoleta. Ela era interessante há 100 anos atrás, quando não havia polímeros ou borracha sintética. E o nível de aperto solicitado por uma rosca NPT combina mais com peças metálicas que com peças plásticas.

O ideal seria que toda conexão roscável fosse BSP. Como isso não é possível, tente mitigar as desvantagens da rosca NPT onde ela é inevitável:

Vedação no passado

Água e gás aparentemente não gostam de viver confinados, é difícil mantê-los dentro de canos, mas aparentemente isto já foi tarefa muito mais difícil e perigosa.

Antes do PVC soldável, só havia PVC branco roscável. E antes dele, tubos de ferro. Imagino o trabalho que dava para fazer, abrindo rosca em cada pedaço de cano, com uma chance de vazamento a cada curva ou emenda. Não admira que as pessoas economizassem nos encanamentos, tentando posicionar todos os "cômodos molhados" adjacentes, fazendo apenas um banheiro, usando instalações aparentes, etc.

A fita teflon é uma invenção relativamente recente. Antes disso, vedava-se roscas com fibra vegetal de cânhamo ou sisal, na forma de barbantes ou fibras soltas, "dopadas" com algum material oleoso ou resinoso. (O Loctite 55 é uma reedição dessa ideia antiga, porém com fibra de nylon e um dope que acredita-se ser à base de Teflon.)

Na presença de água, a fibra natural incha e veda, mas também apodrece, então o "dope" é necessário. Até os anos 1970, era comum usar tinta zarcão, que é um óxido de chumbo (não admira que fosse um bom preservativo). Hoje em dia há dopes atóxicos. A fibra natural ainda é utilizada em tubulações de metal de grande diâmetro.

Uma vantagem da tubulação de cobre é ser toda unida por soldagem (na verdade, brasagem). Um serviço minimamente bem-feito não tem como vazar e suporta pressões enormes, não admira tantas pessoas ainda façam questão de cobre no mundo desenvolvido. Antigamente a solda costumava levar chumbo, hoje não mais, assim como aconteceu com a solda para eletrônica.

Tubos de ferro sem rosca eram (e às vezes ainda são) unidos com estopa de calafetar e chumbo. Sim, de novo, o onipresente chumbo. É um processo punk e perigoso, conforme se pode ver neste vídeo, fora os riscos de contaminação do próprio encanador e da água que passa pelo cano.

Bônus: esgoto e respiros

Talvez seja diferente na sua região, mas por aqui os encanadores que trabalham em instalações residenciais têm dois cacoetes relacionados a esgoto, um bom e um ruim.

O cacoete bom é separar "águas negras" (vasos sanitários) de "águas cinzas" (chuveiros, pias e lavanderias) pela máxima extensão possível, embora isso não seja exigido pela norma ABNT. Acredito que o motivo seja a cobertura insuficiente de tratamento de esgoto, então usa-se muito o sistema de fossa séptica: uma primeira fossa aeróbica e uma segunda fossa anaeróbica. Jogar água de cozinha e principalmente de lavanderia na fossa aeróbica prejudica seu funcionamento.

Pessoalmente acho que essa separação deveria ser obrigatória. Uns conhecidos moravam numa casa onde a cidade finalmente implementou tratamento de esgoto, e então exigiu separação de águas cinzas e negras, inclusive entrando nas casas e jogando corante em cada ralo para verificar. Quem não fazia a separação de águas, teve de quebrar muito mais piso e calçada para se adequar.

O cacoete ruim é desprezar a questão do respiro de esgoto, também chamado de tubo de ventilação. Hidráulica de esgoto tem uma regra básica: a pressão deve ser sempre zero. Os tubos, conexões e técnicas de emenda não são feitos para suportar pressões apreciáveis. Para garantir isso:

Quando uma onda de água desce por um tubo de esgoto, ela cria pressão de ar à frente e um vácuo na esteira. Se não houver um respiro à frente, a sobrepressão poderia romper um tubo ou causar um vazamento. Mas o problema mais provável é simplesmente um escoamento deficiente. E se não houver respiro atrás, o vácuo tende a esvaziar sifões de ralos, pias e vasos sanitários, permitindo o retorno de mau cheiro. Se o volume de água for grande e o tubo chegar a ficar 100% preenchido, e/ou o trajeto incluir uma queda vertical, esses efeitos são amplificados.

Um local onde o efeito de esvaziamento por sifonagem é propositado, é no vaso sanitário. Durante a descarga, quando a água enche completamente o sifão, ele dá aquela "engolida" que esvazia rapidamente o vaso arrastando quaisquer sólidos junto. Para isso funcionar direito, a canalização pós-vaso deve estar em ordem e bem ventilada. Todo mundo já usou um vaso com escoamento lento, você dá dez descargas e o "marinheiro" fica boiando e se recusa a ir embora...

Em casas americanas, você vê inúmeras "chaminés" finas nos telhados, que na verdade são respiros de esgoto. Cada tubo de descida é prolongado para cima até sair pelo telhado, e cada ramal de esgoto é meticulosamente ventilado. Os "Y" que vertem do ramal para o cano de descida são curtos, para que a água derrame sem ter chance de tomar 100% do espaço.

No Brasil, o respiro é exigido pela norma ABNT e costuma ser feito em prédios, pois a falta dele causaria problemas mais severos (imagine a pressão e o vácuo criados por uma descarga ao longo de um tubo de descida de 20 andares). Já em residências, onde a hidráulica tende a ficar a cargo de um encanador autônomo, é quase impossível entrever respiros nos telhados.

Em casas antigas, tem aquele tradicional "cheiro de fossa" que aparece em véspera de chuva, quando baixa a pressão atmosférica e a sobrepressão do esgoto tem de escapar por algum lugar, geralmente por onde não devia. Na minha casa, o encanador até tentou fazer um respiro junto das fossas, com uma chaminé bem alta encostada numa árvore, mas havia um trecho em declive no cano, e a umidade terminava por selar esta saída de gás. Consertamos isso colocando um respiro na bitola da norma (50mm) e com a queda para o lado certo.

Infelizmente, não há nenhum respiro nos tubos de descida da nossa casa, ainda que isso não cause maiores problemas. A separação de águas cinzas e negras é um antídoto parcial e.g. ajuda a evitar que o vácuo produzido por uma descarga esvazie o sifão da pia adjacente.

Outra KHD, essa de ordem mais prática, é esquecer de colocar ou conferir os sifões nos ralos. Em pelo menos um caso pessoal, o ralo é tão fundo que não tinha como enfiar a mão dentro e encaixar o sifão. (Não sei se foi KHD do encanador ou do pedreiro que fez o piso.) A conseqüência era um retorno de mau cheiro, impossível de resolver "por cima"; ajudou bastante usar um ralo antiespuma, mas estava longe de ser uma solução 100%. Por sorte, a casa tem um crawl space e adaptamos um sifão U nessa linha.

O sifão U adiciona um risco de entupimento — por isso ele sempre deve ter um ponto de inspeção — mas funciona melhor que os ralos sifonados em outros quesitos. Na gringa, cada saída de pia, chuveiro ou máquina de lavar possui um "sifão P", ou seja, um sifão U seguido por um trecho reto. O sifão P costuma ser externo no caso de pias e embutido nos demais casos. (O antigo sifão S é obsoleto pois é mais fácil o fluxo preencher 100% do cano na queda do "S" e sugar fora a água do fecho hídrico. O sifão P seguido do tubo de descida encoraja a água a derramar, mantendo livre a circulação de ar.)

Nossos encanadores locais adoram usar ralo sifonado porque é fácil ligar diversos sub-ramais de águas cinzas no ralo do respectivo cômodo. Ademais, o ralo acaba fazendo as vezes de respiro e de ponto de inspeção. Porém o sifão U leva duas grandes vantagens: não permite retorno de espuma (problema muito comum quando a saída da máquina de lavar vai para um ralo sifonado) e não seca facilmente (um ralo sifonado tende a perder o fecho hídrico em 2 semanas por evaporação ou mesmo por um vácuo de pequena monta). Em pias, o sifão P tem vazão muito melhor que aqueles sifões em forma de copo, e menos tendência de entupir com qualquer meia dúzia de fios de cabelo.

As desvantagens do sifão U em cada ponto de esgoto são: o custo, a maior dificuldade de resolver um entupimento (principalmente se for embutido e não tiver ponto de inspeção) e a obrigatoriedade de haver um respiro correto pós-sifão. E como dissemos antes, muitas residências não têm um esgoto correto na questão do respiro.