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A cotação do dólar é uma enganação

País atrasado, tipo Argentina, e tipo o Brasil até os anos 1980, tem um hábito de tentar controlar o câmbio e o preço do dólar na base da canetada e restrição a importações. O resultado é via de regra sempre o mesmo: o dólar fica barato, mas ninguém consegue achar dólar para comprar.

Aliás, isso acontece com qualquer bem cujo preço é tabelado abaixo do custo. Sabe quem consegue o dólar na cotação oficial? Os amigos do rei, e só eles. Num primeiro momento escasseia o dólar para "supérfluos" e no final não há dólar nem pra comprar remédio pra câncer.

Isso aconteceu no Brasil sempre que mecanismos artificiais de controle de câmbio estiveram em vigor. O que destruiu de vez o segundo governo de Getúlio Vargas foi o esquema de propina do chefe da guarda presidencial, Gregório Fortunato. Sem pagar o "Anjo Negro", não era possível obter uma guia de importação. Detalhe: enquanto durou esse controle sobre guias de importação, que visava diminuir o uso de divisas, o uso de divisas dobrou.

Assim como o Sarney botava a culpa do fracasso do Cruzado em pecuaristas que escondiam o boi no pasto, os políticos em geral a–do–ram arrumar bodes expiatórios risíveis. A Dilma colocou a culpa da balança comercial deficitária nas compras de 'bagulheiras da China'. Como disse o outro, para cada pergunta difícil existe uma resposta simples, lógica e errada.

Os amigos do rei não querem dólar para comprar uma capinha de celular. Eles querem quantidades colossais de dólar barato para, em última análise, revendê-lo à taxa do mercado negro dentro do país.

Por exemplo, se eu fabrico automóveis, e consigo importar o maquinário com um dólar barato, meu lucro aumenta muito, porque eu vendo o automóvel dentro do Brasil pelo preço vil das carroças brasileiras. Não tenho motivos para vender barato, porque o grande público não consegue importar automóveis pela cotação vantajosa que eu, considerado "estratégico" pelo governo, tinha conseguido para meus bens de capital.

No século passado, a desculpa para essa safadeza era industrializar o Brasil, produzir tudo localmente. Uma vez que essa balela não convence mais ninguém, os amigos do rei agora são outros e a desculpa também é outra: proteger empregos do comércio — que assim como os empregos industriais não-qualificados, também tendem à extinção, porque o comércio on-line é uma realidade, e a pandemia acelerou sua adoção.

Pretensamente, nós brasileiros temos um sistema financeiro mais próximo do civilizado, onde o dólar flutua livremente e todo mundo paga os mesmos reais por um dólar. Isso é verdade, exceto pelos... impostos de importação, que não são nada moderados no Brasil. Para completar a lambança, os Estados resolveram cobrar ICMS de importações (com o imposto de importação federal dentro da base de cálculo).

Assim sendo, um produto importado típico custa, grosso modo, o dobro do preço original. Pior que isso: o valor é imprevisível. Qualquer produto pode custar amanhã 30% a mais ou a menos que hoje, porque o princípio da anterioridade não se aplica a impostos regulatórios.

As desculpas para essa enorme e imprevisível barreira à importação são aquelas de sempre: economizar divisas, proteger empregos locais, manter a cotação do dólar num patamar razoável para baratear importações ditas "estratégicas" (olha os amigos do rei aí de novo).

É claro, eu não vou negar que uma barreira tarifária é muito melhor que a necessidade de autorização prévia. Se você simplesmente precisa importar alguma coisa, pode fazê-lo quando quiser; basta pagar o imposto. Se for um objeto de valor irrisório, o imposto não faz diferença. Já a licença prévia não distinguiria uma agulha de uma locomotiva; o custo do processo seria igualmente alto, bem como a chance da importação ser negada.

Mas não deixa de ser uma distorção, e toda distorção é ruim. Para quem acha que esse tipo de coisa é necessária para proteger empregos, pense duas vezes.

O dólar tem a cotação de R$ 5 por esses dias (este artigo foi atualizado no final de 2023). Mas se você compra um objeto qualquer via Remessa Conforme no exterior, o imposto faz a cotação efetiva virar R$ 10. Para a população em geral, o dólar a R$ 10 é o que realmente dita o preço das coisas e a qualidade de vida. Não interessa se você compra no AliExpress, na Shein ou na Havan. Em qualquer caso, o produto é produzido na China...

Sob este prisma, o salário mínimo brasileiro não vale US$ 264; ele vale mesmo pouco mais de US$ 130.

Por outro lado, um exportador não recebe R$ 10 por dólar que ele exporta. Ele recebe só R$ 5, que é a cotação oficial. Apesar de todos os incentivos fiscais à exportação (que eu duvido compensem a burocracia envolvida) o exportador ainda estaria melhor se o dólar flutuasse de acordo com a realidade do comércio internacional.

O sistema "salva" 10 empregos de baixa produtividade com protecionismo, e impede a criação de 50 outros do lado exportador. Aliás, nada mais típico do Brasil e do brasileiro: deixar de ganhar fortunas pelo medo de perder migalhas.

A realidade do comércio internacional é inexorável. De um jeito ou de outro ela transparece, então para que se incomodar? A cotação das commodities que o Brasil exporta caiu à metade. O que aconteceu com o dólar? Dobrou.

Quem se beneficia com essa assimetria de câmbio? Os mesmos "amigos do rei" de sempre, que compram barato lá fora para vender no cativo mercado interno.

E, para apaziguar a classe média formadora de opinião, que pode viajar de vez em quando para o exterior, se lhe atira uma pequena posta: a isenção de compras ditas "pessoais" ou até o limite de US$ 1000. Isso dá uma boa ideia do país de medíocres em que vivemos: um iPhone é isento, mas um computador, não.