Este artigo fala sobre minha antiga maquete de ferreomodelismo, que infelizmente tive de desmantelar. O texto foi "repescado" do serviço Web Archive; achei interessante republicá-lo porque tem muitas informações sobre ferreomodelismo que ainda são válidas.
Conservei o material rodante (locomotivas, vagões) até hoje, no momento estão sobre um mobile (maquete estática), que me dá razoável satisfação em olhar, mas demanda menos espaço e menos manutenção. Quem sabe um dia retomo a maquete real...
Vamos ao texto.
A estória fictícia da cidade e da ferrovia
A história real da maquete
Características do hobby
Fotos do desenvolvimento da maquete
Linha do tempo
FAQ: "Como o trem consegue fazer curvas?"
Nossa Senhora da Lama é uma cidade extremamente pobre e isolada. O nome foi herdado do elemento mais abundante no lugar, o barro vermelho, mantido sempre mole pela pluviometria da região, e pela planitude que nunca deixa a água ir completamente embora.
Na falta do que fazer, e pela falta (até hoje!) de um templo católico, os habitantes criaram o mito de que, um dia, encontrariam uma estátua da Nossa Senhora no meio da lama, e o lugar seria objeto de romaria, analogamente a Aparecida/SP. Inclusive batizaram a cidade de acordo, precavendo-se para o piedoso acontecimento... que nunca aconteceu.
Os mais velhos colocaram a culpa na ferrovia pelo não-achamento, os jovens migraram para uma barulhenta igreja pentecostal - a única existente na cidade.
Aliás, a única atividade econômica da cidade, que a salva do isolamento completo, é uma razoável infra-estrutura ferroviária que foi construída ali por um monumental engano. Um dígito errado na longitude de um mapa - e uma grande estação ferroviária, terminais de cargas, uma estação de passageiros e facilidades de reabastecimento caíram do céu sobre N.S. da Lama.
Como quase todas as ferrovias brasileiras, a Estrada de Ferro N. S. da Lama nasceu como ferrovia isolada, depois foi integrada à RFFSA, que a ligou fisicamente a outras ferrovias próximas. Mais recentemente a privatização entregou a concessão da ferrovia à ALL.
Muito material rodante ainda guarda os emblemas antigos da RFFSA, e um e outro vagão perdido da FEPASA e da Companhia Paulista circula por lá. Infelizmente, não restou nenhum material rodante com o saudoso emblema da E.F.N.S.L. - tudo foi roído pelo tempo molhado, ou vendido como sucata, fora as miudezas roubadas.
Para não dizer que não restou absolutamente nada, há dois ou três rodeiros espalhados em fins-de-linha ou áreas desocupadas. No rol das sucatas, há um corpo de G-12 da RFFSA, jogado ao tempo mas teimosamente resistente aos elementos, entre a oficina de locomotivas e a estação de passageiros. Outra G-12 da RFFSA teve mais sorte e está ainda inteira e dentro da oficina, sofrendo reformas.
Quanto ao resto da cidade, é lama e mato para todo lado, casas muito simples, uma igreja, uma zona e algumas favelas (que ameaçam engolir a ferrovia, como é comum em outros lugares do Brasil) completam o cenário. Por ser uma estação intermediária nas rotas dos trens-tipo, as tripulações (exceto por uma e outra noitada na zona) dificilmente pernoitam na cidade.
Os divertimentos da população são variados: colocar pedras no trilho, passar sabão no trilho para ver as locomotivas patinarem, passear no trem quando há um transporte gratuito de passageiros, pichar algum prédio da ferrovia, ou namorar no "lago do amor", uma poça gigante que, por estar mais alta que o resto da cidade, fica convenientemente fora das vistas de todos.
Como a quase totalidade dos ferreomodelistas, meu interesse por trens foi conseqüência da estrada de ferro passar perto de casa. No meu caso, passa a 50m ou menos, e perto de um cruzamento perigoso, de modo que o trem buzina muito, acordando todo mundo quase toda madrugada. Não há como ficar indiferente: ou você o ama, ou o odeia. A maioria odeia :)
Quando era criança, pedi Ferrorama em 2 Natais seguidos (teriam sido 3, se meus pais não tivessem vetado). Em 1989, tive contato com os modelos de trens brasileiros (graças a um colega de trabalho aeromodelista, o Franz), e saí quase louco da loja: nunca imaginava que havia miniaturas tão realistas.
Logo comprei uma locomotiva; os vagões e trilhos eu novamente pedi como presente de Natal. Mas o pouco dinheiro e principalmente a falta de habilidades impediu de começar uma maquete (eu tinha 14 anos na época). Também não havia Internet, e a comunidade ferreomodelista era (e ainda é) muito rarefeita no Brasil para ter contato pessoal. O material acabou todo numa gaveta.
Uns dois Natais depois, um ex-patrão meu, o Aldemir, ofereceu-me uma locomotiva e vagões Atma que tinham sido do seu falecido pai, tudo a preço módico. Novamente, fiz disso meu pedido de presente de Natal. Eu ainda recebia presentes de Natal com 16 anos (agora, sou eu quem tem de dar presentes a eles!).
Em 1992 ou 1993 cheguei a comprar uma tábua de compensado para iniciar uma maquete, mas o projeto "andou" apenas uma reta e uma curva. Novamente a falta de habilidades desanimou-me. Não é um hobby para crianças. Também não havia espaço para deixar a maquete sempre na horizontal, e uma tábua de compensado é flexível demais para uma maquete deslocável. Tudo foi para a gaveta novamente. O sonho teria de esperar um pouco mais.
Interessante notar que nesse meio-tempo, a Frateschi quase sumiu do mapa. Teria sido um duro golpe para o ferreomodelismo brasileiro. Imagino a briga de foice que seria hoje, se um mero vagão fosse considerado hoje item de colecionador... O que salvou a Frateschi foi a exportação de modelos com pinturas de ferrovias estrangeiras, motivada pela qualidade boa e sempre crescente dos seus produtos.
Nos anos seguintes, tentei outras modalidades de modelismo, como o nautimodelismo (tenho 3 barcos radiocontrolados, hoje imobilizados para servir de decoração). Logo enjoei-me de tudo; arrependo-me do muito dinheiro que gastei nessas coisas. Devia ser uma espécie de "fuga" para evitar o que era realmente minha praia, o ferreomodelismo. Podia estar agora com toneladas de material ferroviário, que duram praticamente para sempre.
Cabe aqui um parênteses. Muitos acham que ferreomodelismo é um hobby para quem tem muito dinheiro sobrando. Isso até é verdade para o aeromodelismo, ou nautimodelismo/automodelismo de competição; mas o ferreomodelismo é surpreentemente barato, por diversos motivos que enumero mais ao final do texto.
Assim, fiquei quase sem pensar em ferreomodelismo, até o final de 2003, quando uma visita ao sítio da Frateschi reacendeu meu apetite pela coisa. A variedade de modelos ferroviários tinha aumentado muito desde 1990. Procurando mais, logo encontrei listas de discussão sobre o tema, bem como o excelente sítio Centro-Oeste (VFCO), um portal digno desse nome, cheio de dicas, "causos", técnicas e fotos.
Sinto-me obrigado a expressar a minha admiração e gratidão ao Flávio R. Cavalcanti, certamente um dos melhores ferreomodelistas do planeta, pelo conteúdo disponibilizado no sítio VFCO. Não conheço nenhum outro sítio aberto, em nenhum idioma, que tenha tanta informação (os bons sítios em inglês costumam ser serviços pagos). As dicas do VFCO são muitas vezes desconcertantes, pela genialidade e simplicidade. O conjunto desse material merecia um Prêmio Nobel.
Além do material on-line, há diversos livros e periódicos brasileiros sobre o assunto. E é claro, os ferreomodelistas "roxos" assinam a mãe-de-todas-as-revistas, a Model Railroader americana.
Continuando. Entrei em uma lista de discussão, comprei vários vagões e locomotivas da ALL (pois nesse meio-tempo a ferrovia que passa na frente de casa tinha sido privatizada). Logo comprei o material básico para fazer a maquete (trilhos, desvios), uma porta de 1m de largura como mesa, e iniciei o trabalho de montagem da maquete.
Desta vez, a idade mais madura foi aliada, pois trouxe algumas "ferramentas" úteis, como a paciência, a melhor coordenação motora, criatividade... Quem disse que um cão velho não aprende truque novo? ;)
Tive inclusive "peito" de usar trilhos flexíveis, comprados a metro e cortados na medida da necessidade, em geral desaconselhados para principiantes. Confiei na dica do sítio VFCO, que afirma que trilho flexivel não é bicho de sete cabeças. Me bati um pouco para assentar os trilhos, não ficou 110% perfeito, mas nada descarrila. E o aspecto final é certamente melhor que o obtido com pedaços de trilhos rígidos.
Depois de uma "pegada" forte no início de 2004, que deixou a ferrovia funcionando, deixei a maquete de lado por uns meses, pois eu estava na reta final do mestrado. Além de que o excesso de ansiedade em fazer a maquete me desgastou um pouco, e enjoei daquilo por uns tempos.
No início de 2005, voltei a pegar na maquete, mas prometi a mim mesmo pegar leve, sem afobar, fazendo cada dia apenas uma coisinha, para saborear cada momento do hobby.
Começo a concluir que uma maquete ideal nunca fica pronta, pois a cada dia aprende-se uma nova técnica que suplanta outra, ou surge um novo material que obsoleta os tradicionais.
A minha maquete atual não é perfeita, e na verdade eu tinha a intenção de usá-la como cobaia, para fazer a verdadeira maquete dos sonhos na minha nova casa. Mas, pelo trabalho que esta já me deu, estimo que ainda vou trabalhar nela por longos anos, e a próxima também será a última.
Um "defeito" importante na maquete atual é a falta de terminais, para indústrias ou coisas assim. Planejei uma maquete do zero por puro preciosismo, e fiquei demasiadamente preocupado em ter "espaço para estacionar muitos vagões". Eu ainda não tinha absorvido a filosofia da ferrovia com propósito "real". Agora é tarde, mas certamente vai ser possível extrair muita diversão do circuito como ele está.
Normalmente, ferreomodelismo é considerado um "hobby de velho"; ou ainda mais apropriadamente, "hobby é coisa de velho". Naturalmente eu vou discordar disso, admitindo que algumas virtudes como a paciência só vêm mesmo com a idade, conforme aconteceu mesmo comigo.
Um traço interessante que quase todo ferreomodelista tem é o saudosismo, revelado em diversas facetas: ou em esforços de preservação ferroviária, ou por preferir locomotivas a vapor e cenários antigos... Não é o meu caso. Talvez por ter nascido já na época da locomotiva diesel, gosto de modelos que reflitam exatamente o que passa nesse momento na frente da minha casa. Se a RFFSA foi privatizada, compre-se modelos da ALL.
Correndo ainda o risco de ofender outros ferreomodelistas, também não sou muito ligado em esforços de preservação. Alguns esforços específicos são válidos (como o da ABPF-SC em manter uma composição a vapor para fins turísticos). O Museu da Companhia Paulista também é com certeza apropriado, pela importância daquela ferrovia na história de São Paulo.
Mas não entendo porquê absolutamente todos vagões e locomotivas construídos nos últimos 150 anos, de todas as inúmeras ferrovias um dia existentes no Brasil, tenham de ser mantidos preservados e em ordem de marcha. Coisas velhas têm mais é de ir para a sucata, para reencarnarem como objetos novos e úteis. Para conservar a memória dos trens queridos de outrora, existem fotografias e modelos.
Também parece haver, no meio ferreomodelista, uma certa má disposição contra as concessionárias privadas das ferrovias. Com certeza o modelo atual de privatização ferroviária tem defeitos graves, mas eu acredito no que vejo: na época da RFFSA, passava um trem por semana com meia dúzia de vagões; agora, os trens ALL têm comprimento interminável e passam três vezes por dia. Nem preciso dizer qual das situações me agrada mais...
O único (ou primeiro) traço de saudosismo que tenho, é que ainda considero a locomotiva G-12 a mais "querida", ou a mais "com cara de trem" da minha coleção. Atualmente, só passam G-22U aqui na ferrovia, pois as G-12 quase todas estão no fim da vida útil. (Para ver os diversos modelos de locomotiva, acesse o sítio da Frateschi).
O maior passo que pretendo dar no hobby, será fora da maquete: o controle por computador. Isto será algo mais ou menos inédito no Brasil; vi alguns exemplos apenas em sítios estrangeiros. Os circuitos estão mais ou menos bolados, e qualquer dia começo a montar as plaquinhas. O software controlador também será uma peça muito importante, e muito divertida de fazer, que unirá as minhas duas grandes paixões: computação e ferrovias.
Voltando ao assunto de ferreomodelismo ser um hobby acessível. Os componentes têm vida útil muito longa, e podem ser reaproveitados em funções diferentes da original quando esgotam. Quase todo o material que eu comprei em 1989, ainda possuo em perfeitas condições (até "melhoraram" um pouco na aparência, pelo envelhecimento).
As duas primeiras locomotivas realmente estragaram por manutenção incorreta, mas ainda podem rodar como "dummies" ou adornar a oficina. Os truques (quadro que segura as rodas) dos vagões Atma foram trocados por Frateschi, mas as rodas velhas agora servem como adorno. *Nada* se perde no ferreomodelismo!
Pode-se gastar muito dinheiro comprando elementos de cenário, mas igualmente muito dinheiro pode ser economizado usando-se a criatividade e construindo elementos como casas, árvores, mato, etc. usando materiais prontamente disponíveis e baratos, como retalhos de espuma ou isopor, ou até mesmo uma caixa de fósforos ou palitos de picolé. Você pode produzir muito no hobby gastando 10 reais por mês se for o caso.
O hobby respeita seu tempo e o tempo do seu bolso. Pode-se montar uma maquete em 60 dias ou 15 anos, conforme você tiver disponibilidade financeira para isso. E o processo é divertido em todos os passos intermediários. O único requisito crítico é o espaço.
A Frateschi, fornecedora do grosso do material rodante e trilhos para os ferreomodelistas brasileiros, pratica preços muito camaradas. Um vagão custa apenas 15 a 20 reais. Mesmo uma pessoa realmente pobre pode comprar uns vagões e alguns trilhos, tendo assim o privilégio de um brinquedo com aparência incrivelmente real, e muito educativo.
Uma locomotiva custa 90 reais ou menos, o que também não é uma despesa ruinosa. O preço é mais salgado para os elementos de cenário e opcionais, mas estes você compra se quiser.
Não há limite no que você pode fazer com as próprias mãos, ao menos na escala HO (1:87) que é a mais popular. O normal é adquirir os veículos, trilhos e desvios prontos, mas nada impede que você também os construa. Ferreomodelistas muito avançados como há nos EUA e Europa fabricam seus próprios trilhos e desvios, comprando apenas o trilho metálico "a metro", efetivamente construindo a ferrovia de forma semelhante a como a coisa é feita no mundo real.
Muitos ferreomodelistas aqui mesmo no Brasil constroem vagões e locomotivas, para uso próprio ou para venda a terceiros, comprando apenas peças miúdas como rodas, motores e redutores, que seria realmente preciosismo tentar fazer em casa (e exigiria um maquinário respeitável). Não raro trechos de trilhos "especiais" como pontes também são feitos artesanalmente.
Enfim, o único limite desse hobby é a imaginação...
O espaço ocupado pela maquete vai ser proporcional à escala. As escalas mais populares são: em primeiríssimo lugar HO (1:87), num distante segundo lugar a escala N (1:160), e ainda mais longe as escalas Z (1:220) e O (1:43.5 aprox.).
A escala N tem arregimentado muitos adeptos no Brasil nos últimos anos, pois apesar de ser um país continental, as habitações aqui costumam ser sempre insuficientes, mesmo para pessoas da classe média. Nos EUA, as casas costumam ser mais espaçosas. A escala Z foi criada no Japão, devido aos espaços exíguos em que as pessoas vivem lá.
Na direção oposta, a escala O ocupa muito espaço e os elementos são realmente grandes, sendo muito usada para "ferreomodelismo de jardim" onde os trens andam em cenários a céu aberto.
A escala HO acabou tornando-se a mais popular do mundo, inicialmente por uma série de ocorrências pitorescas, e modernamente por ser uma escala onde os elementos podem ser construídos pelo próprio modelista, com detalhamento suficiente para a escala, e sem grandes dificuldades. A escala O exige detalhamento impecável, as escalas N e Z são em geral muito miúdas para confecção amadora de qualquer coisa.
A proporção 1:87, realmente esquisita, é derivada do fato de que os trilhos HO têm 16.5mm de bitola (espaço interno entre os trilhos). Como o padrão internacional de bitola real é 1.435m, eis a relação. Note que no Brasil os trilhos usam bitola métrica (1m) ou larga (1.6m), de modo que, para quem está acostumado à bitola métrica como eu, os trilhos HO parecem mais largos que o "normal".
A escala 1:87 nem sequer é absoluta. Quase todo fabricante adota licenças poéticas, ou seja, distorções, em seu material rodante. Um exemplo famoso (ou infame) são algumas locomotivas Frateschi de corpo estreito, cuja proporção real é 1:79 para que coubesse o motor.
Outro motivo da escala 1:79 é que tais locomotivas são estreitas também na realidade, pois são concebidas para bitola estreita. Uma locomotiva dessas em bitola 1.435m ficaria com as rodas quase saltadas para fora. O mesmo aconteceria num modelo 1:87 exato com triho HO; pode até ser "real", mas não seria "agradável" aos olhos.
Para emular melhor a bitola métrica, que existe em diversos lugares do mundo existe o padrão HOn3, versão de HO com espaçamento dos trilhos de 12mm. O uso de HOn3 resolveria o problema da "esquisitice" das locomotivas Frateschi. Mas quando a Frateschi produziu seu primeiro trem, ela ainda não produzia trilhos, e o HO já estava difundido no Brasil...
Como os trens fazem curvas sempre muito abertas (de grande raio), o espaço quadrado ocupado por qualquer ferrovia, real ou modelo, é sempre grande. Para manter a maquete num tamanho civilizado, temos de abrir mão de várias "realidades".
Por exemplo, numa ferrovia métrica velha como é a Curitiba-Paranaguá, o raio mínimo de curva é 60 metros. Isso é considerado apertadíssimo para os padrões ferroviários. Uma ferrovia moderna como a Ferrovia do Aço tem raio mínimo de 900m.
Mas um raio de 60 metros equivale a 70cm em HO. Um círculo com esse raio tem 140cm de diâmetro e ocupa 2 metros quadrados! A maioria das maquetes usa curvas muito mais apertadas para caber em menos espaço.
O raio mais apertado em HO é fixado em 36cm ou 15 polegadas. Dizem que isso foi definido para que uma curva de 180 graus coubesse em 72cm, pouco menor que a largura de uma mesa de jantar padrão, que é de 80cm. Isso visava fomentar as vendas de trens de brinquedo no Natal.
Outra licença que temos de tomar é quanto ao comprimento dos trens. Um trem de 500m, perfeitamente comum, ocuparia quase 6m de comprimento HO. Muitas maquetes ovais não têm esse comprimento na volta inteira, impossibilitando trens muito compridos. A maioria dos ferreomodelistas tem de se contentar com trens de 4 ou 5 vagões.
Como a escala HO é mundial, ela traz a possibilidade de alguém comprar um trenzinho para você quando viajar ao exterior. Mas o padrão HO americano é um pouco diferente do europeu; o americano é mais fiel ao trem real, enquanto o europeu tem funcionamento mais robusto. Para ficar num exemplo, as rodas dos HO europeus têm flanges maiores, para não descarrilar facilmente mesmo que haja imperfeições em emendas de trilhos, e funcionar bem mesmo em raios apertados.
Os engates entre vagões também são diferentes nos EUA e Europa. Um trem real tem engates presos no chassi. O padrão europeu usa engates presos nos rodados; bem menos real, mas faz curvas apertadas sem chiar. O padrão americano é fiel ao protótipo, o que exige curvas suaves; e *ainda mais* suaves para vagões compridos.
O padrão adotado pelo fabricante brasileiro (Frateschi) é o europeu, por motivos históricos, e porque facilita a vida do iniciante e de quem precisa usar curvas apertadas devido ao pouco espaço para a maquete.
Se alguém for aos EUA e quiser lhe trazer um trem HO, ao menos esclareça-o a escolher um vagão curto, ou uma locomotiva diesel com 2 eixos por truque (B-B). Vagões longos, locomotivas com 3 eixos ou locomotivas longas a vapor certamente vão incomodar numa maquete típica.
A alimentação dos trens é feita pelos próprios trilhos, em corrente contínua de 12 a 16V. Sistemas antigos usavam corrente alternada, e escalas grandes usavam inclusive tensões perigosas, mas tais sistemas estão praticamente extintos.
Como não há nada mais simples que alimentar motorzinhos e lâmpadas com 12V, o ferreomodelismo também é uma grande oportunidade de aprender eletrônica básica. Em modelismo de controle remoto, não há aprendizado: você compra o rádio e usa.
Para controlar mais trens de forma independente na maquete, é necessário alimentar apenas trechos de trilhos, ou então usar várias fontes separadas de energia. Um sistema "novo" (na verdade já tem 30 anos) é o DCC (Digital Command Control), implementa uma espécie de rede local no trilho, transmitindo ordens às locomotivas. A alimentação é feita pelos trilhos com corrente alternada, e os dados trafegam de forma codificada pelo mesmo canal.
O DCC é insuperável em flexibilidade, pois a locomotiva "faz o que quer", como numa ferrovia real. O principal problema do DCC é o custo: 200 dólares por um sistema básico, mais 20 dólares por decodificador (cada locomotiva tem de ter um).
O DCC também obriga a adaptar os decodificadores nas locomotivas, o que talvez impeça o uso delas em outras maquetes não-DCC. Ainda, os componentes do DCC têm de ser diminutos, para caber na locomotiva, reduzindo as opções do ferreomodelista que quer criar circuitos.
Por tudo isso, o esquema convencional de alimentação por corrente contínua ainda é o mais usado, pois é uma fonte de satisfação adicional para o hobbyista, ao menos para o que entende de eletrônica.
A maquete é baseada numa porta de 1m X 2m, sustentada por cavaletes. Os trilhos são pregados sobre uma base de cortiça, evidenciada nesta foto.
Início do assentamento dos trilhos. Os desvios são feitos de plástico rígido, então parte-se deles como ponto inicial. Já os trihos são barras flexíveis de 88cm, é necessário cortar tudo na medida, e testar se as emendas não provocam descarrilamentos.
Final do assentamento, tudo aparentemente nos conformes.
Uma vantagem da maquete pequena sobre a porta, é que foi possível virá-la inteira e trabalhar na parte elétrica comodamente. Uma maquete maior, baseada em armação de madeira não poderia ser virada, e todo o trabalho de ligação elétrica teria de ser feito por baixo.
Todos os cabos devidamente imobilizados por fitinhas. Usei cabos elétricos excessivamente grossos por engano, tem uma pequena fortuna em cobre e estanho na maquete...
Início do processo de empredramento. Na época eu ainda não sabia que empedramento é a última coisa que se faz na maquete, pois ele impede, ou ao menos dificulta, algumas mudanças a posteriori na maquete. Agora é tarde, e de qualquer forma não tive nenhum prejuízo sério por conta do empredramento prematuro...
Vista da "reta oposta", com cruzamento. A plataforma à esquerda foi removida numa mudança de planos, haverá uma passagem de nível e a plataforma será mais curta. Esta foi uma mudança dificultada pelo empedramento feito cedo demais, mas afinal acabou sendo feita.
Visão do lado da estação, com a cabana de sinalização que já saiu dali e foi para o outro lado da maquete. Nesta fase o empedramento da linha já estava pronto.
Detalhe do início do empedramento da linha. Antes de empedrar, passei massa plástica na beira dos trilhos, posteriormente pintado de tons de laranja e terra, para simular barro terraplanado.
Vista do painel provisório de controle (no futuro, o controle será por computador) e o feixe de cabos entre a maquete e o painel. Está feio como a necessidade, mas não adianta investir mais tempo nele.
Teste real com uma locomotiva e alguns vagões. Bem mais tarde, a cola diluída usada para colar o empedramento parece que "inchou" (provavelmente isso faz parte da reação de secagem) e uma série de pedrinhas começaram a incomodar as locomotivas, embora isso não tivesse acontecido no teste com o empedramento ainda não colado. O jeito foi passar vagões em todos os trilhos e usar o ouvido para achar as pedras recalcitrantes.
Tentativas de fazer uma foto "parecida com a realidade". Iria ficar melhor se o horizonte fosse trabalhado com um fundo azul-claro, e minha máquina fotográfica fosse melhor. Contudo, ainda ficou legalzinho :P
04/1981 | Esperava o trem passar, depois da aula |
12/1983 | Ferrorama XP100 |
12/1984 | Ferrorama XP400 |
10/1989 | Primeiro contato com ferreomodelismo "sério", numa loja chamada Toy Center que já não existe há muito tempo |
11/1989 | Aquisição primeira locomotiva (G12 RFFSA) |
12/1989 | Aquisição primeiros vagões (tanque FEPASA e fechado RFFSA) |
01/1990 | Aquisição controlador e documentação Frateschi |
12/1992 | Aquisição de vagões e locomotiva Atma |
10/2003 | Estudos para início de maquete |
11/2003 | Compra de material rodante |
12/2003 | Compra de material para maquete e documentação Frateschi |
01/2004 | Início da confecção da maquete |
02/2004 | Término da linha e parte elétrica |
03/2004 | Término do empedramento |
03/2004 | Estudos do controle de motores DC e servos via porta paralela do PC |
05/2004 | Pintura e instalação de algumas construções |
01/2005 | Retomada da construção da maquete |
01/2005 | Término da remoção de pedras que batiam nos rodeiros |
02/2005 | Circuito transistorizado para descarga capacitiva nos desvios (em matriz de contato) |
02/2005 | Criação desta página |
O transporte ferroviário tem algumas características-chave que diferenciam-no do rodoviário:
Devido à geometria do trilho e das rodas, o ponto de contato entre eles é bem menor do que se imagina, mesmo que o trilho ceda sob o peso. Veja o primeiro desenho da Railway Technical, que mostra a roda cônica e o trilho (exageradamente) redondo.
Quando o trem enfrenta uma curva, ele tende a sair pela tangente. No lado de fora da curva, uma parte mais larga da roda entra em contato com o trilho. No lado de dentro, uma parte mais estreita faz o mesmo. Assim, mesmo estando as duas rodas presas no mesmo eixo, a roda de fora percorre uma distância maior, fazendo o trem andar em curva. Vide o segundo desenho da Railway Technical.
Num trem real, não é fácil ver a conicidade das rodas a olho nu, pois é muito suave, na proporção de 1:20 a 1:40. As curvas ferroviárias são sempre muito abertas, de modo que essa pequena conicidade é suficiente.
As flanges (bordas) das rodas não deveriam nunca tocar os trilhos, mesmo em curvas. Isso só acontece em casos "extremos", como um vagão que balança muito ou trilhos em mau estado de conservação. O barulho de "esmeril" que se ouve intermitentemente quando o trem passa, são as flanges tendo de trabalhar, não são os freios como muita gente acredita.
Parece perfeito na teoria, mas na prática sempre há um pouco de "escorregamento", ou seja, a roda esfrega um pouco o trilho para conseguir fazer a curva. O fato é que trens odeiam curvas :) Existirá sempre um desgaste natural nas curvas, e as peças envolvidas não durarão para sempre. Uma roda dura algo em torno de 1 milhão de km, após o que ela tende a ficar "reta" (sem conicidade), e tem de ser retificada para voltar a ficar cônica.
Antes de ficar "retas", as rodas provavelmente ficarão "quadradas", ou seja, deixam de ser perfeitamente circulares, o que causa vibrações. Uma frenagem de emergência mal-feita, que arraste as rodas bloqueadas, deixará uma composição inteira com rodas "quadradas".
Trilhos "chatos" pelo desgaste, por sua vez desgastarão rapidamente as rodas boas que passarem por eles. Em ferrovias com tráfego muito pesado como a Curitiba-Paranaguá, os trilhos têm de ser trocados a cada poucos meses (aço comum) ou a cada par de anos (liga especial).
Por que os dormentes são de madeira?
Por que se coloca aquele monte de pedras no lado do trilho?
O trilho é uma estrutura "dançante", ele não é de forma alguma chumbado no chão. O que mantém sua rigidez é a união de inúmeros dormentes ao trilho. E os dormentes são mantidos no lugar pela "cama" de pedras, denominado lastro. O lastro "segura" os dormentes tanto no eixo do trilho quanto lateralmente, por isso ele se estende além das pontas dos dormentes.
A estrutura do trilho não poderia mesmo ser completamente estática, pois todos os componentes dilatam com o calor, então alguma flexibilidade é bem-vinda, desde que o trilho agüente o peso do trem.
O lastro ideal usa pedras razoavelmente grandes, de tamanho bem regular, pesadas, e com lados bem retos para que se encaixem e não saiam facilmente do lugar. O *pior* lastro seria o saibro de construção: pedras redondas de todos os tamanhos misturadas com areia. A vibração faz as pedras menores e a areia subirem, o lastro sob o trilho fica fofo e cede.
O dormente não precisa ser de madeira. Ferrovias modernas usam dormentes de concreto, com ou sem alma de vergalhões de aço. Em algumas situações pontuais é empregado o dormente de puro aço. A grande vantagem da madeira é a boa absorção de vibrações e ruído, mas cedo ou tarde ela apodrece (no Brasil, mais cedo que tarde, devido ao clima).
A fixação do trilho no dormente era feita antigamente por pregos grandes. Tende a afrouxar com o tempo, dá manutenção chata e pode fazer o dormente rachar. Modernamente usam-se parafusos, ou a famosa união Pandrol, composta de base parafusada ao dormente e uma espécie de mola grossa que segura o trilho no lugar.
E quais as diferenças entre o trem de passageiros e o metrô?
Não é muito fácil dizer quem é quem. Já houve até quem quisesse vender a idéia de ônibus expresso rotulando-a de "solução curitibana de metrô" (dica: foi um candidato a prefeito).
Embora existam serviços de transporte urbano guiados com pneus, como alguns monotrilhos, o metrô "legítimo" é um um serviço ferroviário convencional, com algumas peculiaridades:
O fato do metrô ser normalmente subterrâneo é simplesmente uma estratégia para evitar passagens de nível, e não caracteriza automaticamente como metrô. Existem túneis ferroviários de 15km bem como metrôs de superfície...
Para ilustrar a sutileza da classificação. Em São Paulo, há dois serviços: trem metropolitano e metrô. A única coisa que diferencia tecnicamente um do outro é que a linha do trem metropolitano tem conexão com o resto da malha ferroviária brasileira.