Quase toda câmera fotográfica, amadora ou profissional, tem o recurso de gravação de vídeo. Mas fazer vídeos (decentes) é arte completamente distinta da fotografia. Sou o primeiro a admitir que vídeo não é a minha praia. Além do mais, os custos com equipamento de vídeo são astronômicos. Se você acha a fotografia cara, tente se meter com filmagem.
Mesmo assim, vou colocar aqui uma série de dicas que coletei aqui e ali, e podem ser um ponto de partida para que sua produção fique um degrau acima do vídeo de cassetada do YouTube.
Abertura, obturador, ISO, foco, tudo isso é controlado manualmente num bom vídeo. Por isso mesmo, o mercado de lentes antigas, totalmente manuais, está inesperadamente aquecido. Depois de desprezadas na fotografia, essas lentes estão encontrando uma segunda vida em vídeo.
Se você pretende se meter com vídeo, comece a treinar com fotografia manual. Descubra onde está o fotômetro da câmera, adquira um fotômetro separado, ou brinque com este fotômetro/calculadora de exposição que roda no celular.
Começam a pipocar câmeras mais modernas como Canon 70D, Nikon 1, Sony A7R-II, etc. com tecnologia "Dual Pixel AF sensor" ou similar. São câmeras capazes de auto-foco eficaz em espelho, em Live View e durante a filmagem. Mas ainda há um longo caminho para considerar o foco manual uma coisa do passado em vídeo.
Você já reparou que, ao assistir TV, você consegue distinguir um filme de uma programação "normal"? A tela parece "diferente", mas você não sabe por quê. E se aparecer uma simulação de filmagem com câmera eletrônica dentro do filme, você também consegue ver a diferença.
O segredo é simples: o filme utiliza 24 quadros por segundo. Como o obturador de cinema é rotativo, isto significa uma exposição fixa, em torno de 1/48s por quadro.
O resultado desta exposição relativamente longa é que objetos em movimento "borram" em cada quadro. E isto é o que o olho humano encara como o mais natural, porque o olho também capta em torno de 30 imagens por segundo e enxerga movimentos rápidos como borrões.
Já uma câmera de TV, ou câmera amadora, tende a usar obturadores eletrônicos muito rápidos para regular a quantidade de luz, algo entre 1/200s e 1/4000s. Cada quadro fica perfeitamente nítido, com todos os objetos "congelados". Mas o olho humano não vê isto como natural. O subconsciente nota que os objetos estão movendo-se em passos discretos, e não suavemente.
Jogos de computador resolvem este problema de outra forma: com mais quadros por segundo (60 fps ou mais). Isto compensa o fato do jogo não borrar o movimento em cada fotograma. Algumas TVs suavizam a imagem de forma análoga, gerando 120 ou 240 fps.
Como a maioria das pessoas está acostumada ao visual cinematográfico, e gosta dele, ainda que a câmera ofereça filmagem a mais de 60 fps, o ideal é ficar com a fórmula vencedora: 25 ou 30 fps e um obturador lento (1/50s ou 1/60s).
Dependendo da câmera, determinadas velocidades de obturador causam um "flicker" ou tremedeira na luz emitida por monitores de computador ou lâmpadas fluorescentes. Como isso depende também do tipo de monitor ou lâmpada que esteja no cenário, faça uns testes antes para determinar o obturador ideal. As câmeras boas permitem escolher entre 1/30s, 1/40s, 1/50s e 1/60s no mínimo, uma das velocidades certamente vai estar livre do flicker, e então adote-a para a filmagem toda.
O "visual cinematográfico" também pede ISO e abertura constantes. Em vídeo é preferível "queimar" a exposição em curtos períodos, para manter o detalhe do objeto de interesse. Não há nada mais amadoresco que aquele vídeo alternadamente claro e escuro conforme se aponta para um objeto menos ou mais brilhante.
Você deve configurar a exposição antes de filmar, e testar se a iluminação é suficiente, para então fazer um "take". Não esqueça de manter o obturador em 1/50s ou 1/60s. Na maioria das DSLRs, é prudente evitar ISO acima de 1600 para vídeo, pois remover ruído digital de vídeo não é simples como seria em fotografia.
Conforme citado antes, você deve usar o fotômetro da câmera ou um fotômetro separado que pode ser um app de celular. Idealmente ambos, para determinar a exposição ideal da cena.
Em geral o "visual de cinema" pede aberturas grandes e lentes de grande comprimento focal. Isto diminui a distorção ortográfica e desfoca tudo que não seja o objeto de interesse. Esta é na verdade uma diferença importante entre TV e cinema. As câmeras de TV eletrônicas tendem a ter sensores minúsculos, o que limita o efeito de bokeh.
O comprimento focal grande (em relação ao tamanho do sensor) vale também para a TV, porque a distorção ortográfica de uma lente grande-angular seria muito incômoda (e a olho-de-peixe é pior ainda). A linguagem de vídeo para mostrar grandes ângulos é fazer "panning".
Fora a distorção da projeção ortográfica, que é inevitável, também há a distorção adicional específica de cada modelo de lente. Em geral ela é de "barril" ou de "almofada", corrigível em muitos softwares de edição de vídeo. Porém há lentes, principalmente zooms, com distorções mais complexas e que não têm correção fácil.
É bom lembrar que muitas máquinas fotográficas corrigem automaticamente a distorção da lente para fotografias, mas (ainda) não fazem isso para vídeo. Uma mesma lente pode proporcionar resultados bem diferentes para foto e vídeo. O antídoto mais simples é usar lentes sem distorção, ou então conhecer bem a distorção da lente em uso e corrigir na edição.
Em se tratando de DSLR, as lentes fixas de 50mm ou mais longas são as melhores apostas, enquanto os zooms são as piores. Mas é preciso pesquisar as características de cada lente. Para ficar num exemplo, o zoom 18-140mm DX Nikon distorce muito em todos os comprimentos focais, enquanto o zoom 18-55mm VR tem distorção zero no lado longo. Lentes fixas antigas tendem a ser as melhores porque não havia correção de distorção na época do filme, então as lentes eram otimizadas nesse quesito (possivelmente em detrimento de outros quesitos, como nitidez).
Quase nenhuma câmera digital tem sensibilidade menor que ISO 100 ou 200 em modo vídeo. Juntando isso com uma abertura grande (f/4) e obturador lento (1/60s), que como vimos são desejáveis em vídeo, fica impossível filmar com luz do dia. Outro problema: se a iluminação pede um ajuste de exposição durante um "take", mexer na abertura ou no ISO muda a claridade da cena em passos discretos, o que é muito desagradável.
A solução é utilizar um filtro ND variável. É um acessório indispensável para filmagem. Ele permite uma regulagem suave e contínua da iluminação, e vai permitir o uso de grandes aberturas mesmo debaixo de sol.
Até pelas limitações físicas, o microfone embutido de qualquer câmera DSLR é ruim. Além disso, os ruídos de manipulação da câmera, o motor de auto-foco da lente, etc. contaminam qualquer áudio captado muito perto da câmera. O resultado é ruim até para o padrão de "YouTuber amador".
O fato é: obter qualidade profissional de áudio é muito mais difícil e mais caro do que a filmagem em si. Qualquer DSLR básica alcança resultados encorajadores com vídeo (até um celular, um drone ou uma GoPro filmam bem hoje em dia) mas áudio demanda equipamento adicional: microfones, processadores e gravadores de áudio, etc. Fora que engenharia de som é uma ciência à parte da fotografia e da videografia.
Se você simplesmente não pode gastar com equipamento de áudio, use o celular que está no seu bolso! O som será bem melhor que o gravado pela DSLR, principalmente se for um iPhone. Muitos celulares têm até microfones adicionais para cancelamento de ruído e de eco. Pessoalmente usei o aplicativo Voice Recorder com bons resultados.
O próximo nível é adquirir um microfone para ligar na entrada stereo da DSLR. Tem de ser um microfone com bateria própria. É melhor ligar direto na câmera que no celular pois a entrada do celular é monofônica. E quanto isso custa? Tem microfone de lapela por 20 dólares, mas daí pra frente o céu é o limite.
O fato de ligar o microfone direto na DSLR não causa, por si só, perda de qualidade, mas certamente é melhor gravar áudio num aparelho separado. O Zoom H4N é uma opção bastante popular do segmento. Custa 200 Trumps... lá na Trumplândia, claro.
Sincronizar áudio e vídeo na edição não é difícil; o som gravado pela DSLR será descartado mas serve como referência para sincronização (um ruído seco no início da gravação facilita a tarefa — é para isso que serve a claquete do cinema). E sim, você terá de comprar e aprender a usar um software qualquer de edição de vídeo (eu uso o Screenflow, não é o ideal, mas é o que eu sei usar).
Por último, a qualidade do áudio depende de muitos fatores não relacionados ao equipamento. Nem o microfone mais caro do mundo consertará uma voz feia, ou uma sala com eco. Muita gente apela para gravar "voiceovers" debaixo de uma coberta e/ou dentro de um guarda-roupas para obter a qualidade desejada!
Já mencionamos algumas exigências para o visual cinematográfico que recaem sobre a lente: comprimento de foco, abertura e baixa distorção.
Por outro lado, nitidez extrema não é um requisito tão crítico, como seria para fotografia digital, simplesmente porque a resolução do vídeo não é tão alta. Uma produção Full HD, suficiente para o estado atual da tecnologia, usa quadros de 2 megapixels. A resolução 4K tem quadros de 8 megapixels.
A maioria das camcorders e mesmo câmeras eletrônicas profissionais usam sensores pequenos, que seriam inaceitáveis em fotografia profissional. Por isso mesmo, muitos cineastas têm optado por DSLRs comuns, porque elas têm sensores equivalentes ao filme de 35mm, e aproximam-se da qualidade das câmeras de cinema, e são centenas de vezes mais baratas.
Outra qualidade que pode ser importante numa lente para vídeo é a pouca "respiração de foco". Dependendo da lente, o tamanho da imagem muda conforme o foco é regulado, o que é muito desagradável em vídeo, se o foco é ajustado durante o "take". Para agradar os fotógrafos macro, muitas lentes tele modernas "respiram" excessivamente, chegando a mudar em um terço o comprimento focal de um extremo a outro.
A linguagem do vídeo é fazer "takes" curtos, no máximo 10 segundos cada. A continuidade deve ser ancorada no áudio. Isso torna incrivelmente trabalhosa a elaboração de um vídeo longo, mas por outro lado facilita a regulagem manual, que fica intocada durante o take.
Sim, Alfred Hitchcock fez um filme de suspense inteirinho (Festim Diabólico) em "takes" de 10 minutos cada. Como um rolo de filme não tem mais que 10 minutos, ele filmava objetos escuros para disfarçar a troca do rolo, e o filme todo parece feito num take só, como se fosse teatro. Mas enquanto seu talento e experiência não chegarem ao nível de Hitchcock, contente-se com takes curtos.
Nem mesmo efeitos de transição são necessários ou bem-vindos. Filmes tendem a cortar bruscamente de uma cena para a próxima. Uma e outra transição com fade-out ou panning-out pode ser interessante, mas usar isso para cada transição é muito brega.
Em vídeo, tudo é deliberadamente ensaiado. Não existe improvisação. Ensaie o foco, a transição do foco de um objeto a outro, o posicionamento, a iluminação e exposição. As falas devem ser redigidas, impressas e então decoradas ou colocadas num ponto que se possa lê-las sem que isso seja notado. Refazer um take várias vezes é perfeitamente normal.