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Resenha de algumas tintas para caneta-tinteiro

NOVO: desenvolvi um catálogo de tintas para caneta-tinteiro, apenas com tintas que já testei, com amostras que eu mesmo fiz.

Tinta para caneta-tinteiro é sempre uma solução à base de água. É uma limitação importante. Já as tintas de caligrafia podem conter sólidos em suspensão e por isso podem apresentar cores muito mais vibrantes e variadas.

Caso você esteja esquecido das aulas do segundo grau, solução é uma mistura onde os ingredientes estão totalmente dissolvidos e não podem ser facilmente separados. Um exemplo de solução é água e sal. Um exemplo de não-solução é o leite, pois a nata pode ser separada por centrifugação. Outro exemplo de não-solução é a tinta nanquim, cujo pigmento é o negro-de-fumo — um pó preto resultante de combustão incompleta, que se pode coletar encostando um copo na chama de uma vela. Esse tipo de resíduo sólido entupiria uma caneta-tinteiro, cujos canais são literalmente microscópicos (0,06mm ou menos).

Usar apenas soluções aquosas também garante que uma caneta-tinteiro pode ser desentupida ou desengripada apenas com água. Na pior das hipóteses, depois de vários dias de molho, a água acaba dissolvendo qualquer resíduo. Se quiser caprichar, pode usar um limpador ultrassônico para acelerar o processo.

Apesar de tudo, os fabricantes de tintas fazem "milagre" tanto nas cores como em outras características desejáveis que são conflitantes entre si: a tinta deve fluir bem na caneta, nem secar dentro da caneta, e deve lubrificar o atrito da pena. Porém, uma vez sobre o papel, deve secar rápido sem penetrá-lo e sem espalhar-se, e deve ainda ser resistente à água e a outros solventes.

As tintas variam muito em cada uma destas características. Feliz ou infelizmente, cada cor de um mesmo fabricante comporta-se de maneira um pouco diferente. Mas é possível apontar algumas características comuns às tintas de cada manufatura.

Pelikan 4001

Foi a primeira tinta "de verdade" que comprei, e é vendida em lojas "sérias" para canetistas. A 4001 é considerada uma tinta "seca", ou seja, ela não flui tão abundantemente. Isto pode ser bom se a própria caneta for "molhada" demais. Mas geralmente as tintas "molhadas" são mais desejadas por serem mais confortáveis de escrever.

A 4001 tem uma paleta de umas 12 cores. São cores comuns, bem-comportadas demais para meu gosto. Muitas delas são pudicas o suficiente para usar no trabalho, assinar documentos, etc. o que é pré-requisito para muita gente. O comportamento da tinta sobre papel comum é muito bom, o que também é importante em usos "caretas".

A lubricidade da 4001 varia muito conforme a cor. Gosto em particular das cores preta e violeta, mas desgostei do marrom a ponto de jogar fora. As demais cores ficam no meio. Como a cor violeta é a mais lubrificada e também a mais "ousada" das 4001, é a minha predileta e permanece na minha seleção pessoal.

Como a Pelikan tem presença institucional no Brasil, é uma tinta fácil de encontrar no Brasil, com preço bastante baixo.

Pelikan Edelstein

Edelstein ("pedra preciosa") é a linha "luxo" de tintas da Pelikan. Também é encontrável no Brasil, mas custa de 3 a 5 vezes mais que a 4001. Mesmo no exterior é uma das tintas mais caras. O vidro reflete esse preço: é considerado um dos mais bonitos que há, e faz um bom presente.

Esta tinta compartilha o caráter "seco" da Pelikan 4001, mas apresenta desempenho claramente melhor em outros aspectos. A lubricidade é muito maior, e o comportamento sobre papel sulfite comum é o melhor dentre todos os fabricantes que testei.

A paleta de cores Edelstein é relativamente bem-comportada, mas as cores têm um pouco mais de graça, não são tão óbvias quanto as da paleta 4001. Pessoalmente, gostei de Ruby Red e Jade. Fora essas duas cujo tom é perfeito e insubstituível (para o meu gosto), não pretendo comprar outras Edelstein porque há tintas bem mais baratas com cores mais interessantes.

Pilot Iroshizuku

A linha "luxo" da japonesa Pilot é a Iroshizuku ("gota de tinta"), que compete com a Pelikan Edelstein em preço, performance e beleza da embalagem. A Pilot também fornece a linha de tintas Namiki, que deve ser análoga à 4001, mas ainda não testei.

A Iroshizuku é uma tinta "molhada", bem ao gosto dos entusiastas de caneta-tinteiro. O fato de ser uma tinta japonesa também ajuda com o entusiasmo. (Muitos entusiastas da caneta-tinteiro são nerds, e os nerds costumam ser fãs da cultura japonesa... e de hentai.)

A variedade de cores é maior que a linha Edelstein, e a ousadia delas é muito maior. Lubricidade e desempenho sobre papel comum também são bons, como é de se esperar de um produto de primeira linha.

Um problema da Iroshizuku é não ser encontrável no Brasil. Por ser cara, a chance de ser taxada na alfândega aumenta. Outro problema era o excesso de cores na "linha dos magentas", enquanto outras cores ficavam sub-representadas. O problema foi sendo mitigado pelo lançamento de mais cores, e hoje a Iroshizuku apresenta uma paleta bem completa.

Diamine

Diamine é um fabricante inglês de inúmeros tipos de tinta, inclusive para caneta-tinteiro. E dentro deste tipo, oferece vários subtipos: tintas comuns, tintas permanentes ferrogálicas ("Registrar"), tintas com glitter ("Shimmertastic"), e até uma série especial de sesquicentenário (150 anos da empresa) com vidrinhos colecionáveis.

É a melhor tinta em termos de custo-benefício: bom desempenho, enorme varidade de cores e preço baixo, principalmente a versão de 30ml envasada em plástico. A tinta custa US$ 7,50 na Goulet Pens, e menos de 3 libras na loja da própria empresa que cobra frete internacional de apenas 10 libras. No momento em que escrevo (nov/2017) a libra está desvalorizada, então vale muito a pena comprar direto com eles.

A paleta tem cores para absolutamente todos os gostos. Uma dica é comprar amostras de tinta antes de comprar as garrafinhas, porque as cores da Web desviam bastante da realidade. Em particular o e-commerce da Diamine é atroz neste aspecto. A Goulet Pen Company procura fazer fotos de alta fidelidade, mas ainda assim há diferenças surpreendentes. A outra dica é começar a busca pelas cores da série especial, realmente boas.

O desempenho geral (lubricidade, comportamento sobre papel comum, etc.) da tinta é menor que as tintas Iroshizuku e Edelstein, mas a diferença não é muito grande.

As tintas Shimmertastic têm uma espécie de glitter suspenso, que não entope a caneta mas exige mais cuidado com a limpeza, além de uma agitada a cada poucos segundos de escrita para o pozinho misturar. As tintas Registrar comportam-se muito bem sobre papel comum, porém são quimicamente agressivas e você deve verificar se sua caneta-tinteiro é compatível.

Ao menos para mim, alguns vidrinhos vieram "com sede", ou seja, com tinta excessivamente concentrada. O sintoma é a escrita muito escura, quase preta, em dissonância com a cor esperada. O antídoto é simples: basta adicionar um pouco de água. Faça um teste antes diluindo a tinta na própria caneta e conferindo o resultado, antes de despejar água no vidrinho.

Noodler's

Noodler's é uma empresa de um homem só: Nathan Tardif. Nathan é uma figura folclórica do mundo das canetas: estadunidense, patriota, excêntrico e sem papas na língua. No momento a empresa oferece algumas canetas e, principalmente, tintas. Assim como seu criador, cada produto é excêntrico. O preço é sempre baixo, pois Nathan odeia a inflação. (Este artigo não é sobre canetas, então basta dizer que a Noodler's oferece canetas com penas flex, bem como pinceis e esferográficas movidos a tinta para caneta-tinteiro!)

A paleta de cores da Noodler's rivaliza com a Diamine, e o preço por mililitro é menor, embora o envase mínimo seja de generosos 90mL, bem ao estilo ianque. Boa parte das tintas oferecidas são permanentes sem serem ferrogálicas. Também existe uma preocupação com o desempenho em papéis comuns, até mesmo em papel jornal: Nathan evoca o tempo em que as pessoas usavam caneta-tinteiro para resolver palavras cruzadas no jornal. Além de tintas permanentes, há tintas para marcação fluorescente, tintas invisíveis, tintas resistentes a congelamento...

Pessoalmente, testei a cor Lexington Grey e constatei sua perfeita resistência à água. Esta cor lembra escrita ou desenho à lápis, e dizem ser o melhor cinza que existe para caneta-tinteiro (um mérito por si só, pois cinza é uma cor difícil de fazer atraente).

Apesar da grande variedade de cores e características, quase toda a fama das tintas Noodler's advém de uma única cor: Baystate Blue ("BSB"). Dizem ser o mais intenso azul disponível comercialmente, porém tinge tudo que toca: canetas, roupas, mesas, pias... Já testei a BSB e a cor é realmente um estouro, porém é medíocre nas demais características. Ela funciona melhor diluída. Por ser tão forte, há quem use diluições de até 50%.

Assim como diversas outras tintas Noodler's, uma vez seca a BSB é resistente à água e a outros solventes, conforme mostram as imagens a seguir.

Figura 1: Pedaço de papel rabsicado com BSB, mergulhado na água em seguida.

Figura 2: O mesmo papel, dentro da mesma garrafinha de água, depois de cinco dias. O papel está quase desintegrando, mas a escrita continua legível.

Outra excentricidade da Noodler's são as tintas que homenageiam, ou sacaneiam, pessoas e corporações. A 54th Massachusetts homenageia o batalhão ianque retratado no filme "Tempo de Glória" (1989). A Bernanke Blue é uma tinta de secagem ultra-rápida que tira um sarro de Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve Bank. A BERNing Red "homenageia" Bernie Sanders.

De Atramentis

Assim como a Noodler's, a De Atramentis é uma empresa pequena. Mas é sediada na Alemanha e restringe sua excentricidade às próprias tintas. Nada de referências satíricas a políticos, muito menos mensagens escondidas no verso dos rótulos.

As tintas são (alegadamente) feitas à mão, têm bom preço e diversos tipos especiais são oferecidos: tintas permanentes, tintas com brilho metálico ("Pearlescent"), uma linha com seis diferentes tons de preto (?!), tintas perfumadas (!), tintas com cheiro de tempero (!!) e até tintas à base de vinho (!!!).

Minha experiência com essa marca não é muito boa. Começou mal porque comprei um vidro baseado na foto da Web (Turquoise Mint) mas a cor real era bem mais verde do que eu procurava. Comprei algumas amostras de outras cores, mas me pareceu que todas têm baixo desempenho em papel sulfite comum, com bastante feathering.

Mesmo assim, achei duas ou três cores sem equivalentes de outros fabricantes, e pretendo comprá-las com o tempo. Vou procurar usá-las apenas com papel específico para caneta-tinteiro.