Recentemente, fiz a fatídica viagem para Orlando. Não sou fã, por moto próprio talvez nunca fosse lá (*). Mas a família queria ir, a viagem estava planejada desde 2019, e finalmente saiu em 2024 depois de sucessivos adiamentos. Acho que foi minha primeira viagem internacional exclusivamente a passeio.
Fiz a via crúcis típica do turista brasileiro: Disney, Universal, NASA, outlets, loja da Apple, Walmart. Mas obtive minha libra de carne visitando uma estação ferroviária convertida em museu na cidade de Winter Garden. (Foi literalmente o único lugar que não estava coalhado de brasileiros.)
Os lugares turísticos que mais gostei, que iria de novo: Universal Boulevard e Disney Springs. São basicamente simulacros de "cidades andáveis", com um ar entre europeu e anos 50. Nem se paga para entrar! Ou seja, os estadunidenses sabem que a organização urbana deles não é boa. Só falta transbordar a ideia da atração turística para o mundo real.
Contrariamente ao folclore, não tivemos problemas nem com a imigração, nem com a TSA, nem com os aeroportos brasileiros. Todo mundo foi muito simpático conosco e não pegamos filas longas. O pagamento do imposto sobre excesso de bagagem (é, eu sou um trouxa e paguei) via celular funcionou a contento e o desembaraço na chegada demorou 30 segundos.
Mas o que gostaria de contar aqui é sobre como o conceito de shut up and take my money funciona bem por lá; como os comércios fazem a lição de casa para proporcionar uma boa experiência de compra, que encoraja a sair às compras. São coisas simples, fáceis de reproduzir por aqui; os comerciantes locais estão dormindo de touca e deixando dinheiro em cima da mesa.
Os estadunidenses ainda usam bastante dinheiro vivo, inclusive há pedágios sem atendente que só aceitam moedas. E os comércios têm troco! E não se recusam a trocar dinheiro caso você precise para outros fins. O troco é sempre exato: se você pagou 1 dólar por um produto que custa 0.74, você vai ganhar uma moeda de 1 cent de volta. E sim, lá tem preço quebrado igual aqui.
Alguém vai dizer "ah mas nós temos Pix". Quem é brasileiro sabe que troco sempre foi um problema por aqui. Mesmo nos anos 1980 quando se usava dinheiro para tudo, e cartão de crédito ainda era uma excentricidade, os comerciantes sempre relutaram em dar troco. Sempre torceram a cara quando você apresentava uma nota de 100, sempre tentaram empurrar balas para não dar troco em moedas. Parecia que o dinheiro miúdo valia até mais que o dinheiro graúdo.
Taxistas, nem se fala; alegar falta de troco para obter aquela gorjeta involuntária era uma instituição nacional (e que eu saiba a maioria ainda não aceita cartão).
"Ah mas tem de ir no banco pedir dinheiro miúdo." Isso, a meu ver, são ossos do ofício. Se um comerciante não quer fazer nem isso, melhor então o cliente comprar tudo online mesmo. Ademais, só precisa fazer de vez em quando; uma vez que o caixa tenha troco suficiente uma vez, imagino que o nível se mantenha conforme as moedas vêm e vão. "Ah mas os demais comerciantes não têm troco aí todo mundo vem fazer troco aqui." Se isso não é um atrativo de clientes, então não sei o que seria.
Aliás, o serviço de caixa/PoS é no todo mais eficiente por lá. Uma coisa que nem tento fazer por aqui é pagar um produto com dois ou mais meios diferentes de pagamento (e.g. parte em dinheiro, parte em cartão), porque quase sempre dá problema. Pode ser que isso já mudou, mas todas as vezes que tentei, deu algum problema, algo na linha de "o sistema não permite".
Nos EUA, pelo menos onde eu paguei parte em dinheiro e parte em cartão, não houve problema nenhum, não precisei fracionar compras. É claro, pode muito bem ser que lugares com trânsito turístico estejam mais bem preparados para receber as doletas que os brazucas acumulam por anos a fio para ir torrar lá. Talvez em Union Grove, Alabama eles não aceitem cartão na hora de comprar um capuz da Klan. Mas de novo, é algo simples de fazer, não custa nada todo e qualquer comerciante aceitar.
Caixa é um mal necessário. Por mais que a pessoa goste de fazer compras (***) passar no caixa ou esperar pela conta nunca é prazeroso. Tudo que o cliente quer é pagar e ir embora, e o comerciante deveria facilitar essa operação ao máximo, com agilidade e aceitando quaisquer formas de pagamento de que o cliente dispõe, "expulsando-o" da loja o mais rápido possível — porque ele está ocupando espaço de outros clientes, e uma vez posto fora da loja, se ele tem tempo livre, pode comprar mais logo adiante.
No Brasil, outlet é sinônimo de loja de marca. Mas a palavra outlet significa "saída" ou "porta de saída". A ideia do outlet é ser um bota-fora de ponta de estoque. Quem frequenta os outlets locais talvez nem tenha se atentado ao que diz o dicionário, porque tudo é tão ou mais caro no outlet que numa loja normal.
Pois bem, nos EUA, outlets são outlets mesmo. Os preços são consideravelmente mais baixos que numa loja "oficial" da marca que se encontra e.g. na Disney Springs ou num shopping mais luxuoso. Estamos falando de preços 50% a 80% menores. Se você comprar na loja oficial, vai pagar mais ou menos o que pagaria no Brasil. (Ou o que deveria pagar no Brasil; volto ao assunto logo mais.)
Então, a galera que vai pra Orlando comprar tênis, agasalho, essas coisas que o folclore diz que é barato por lá, eles compram em outlets. E de fato esses lugares estavam cheios de brasileiros. A experiência é a de um saldão mesmo: muvuca, quase nenhum atendente para te auxiliar, você tem de sair caçando os produtos que quer.
Porém, diferente do típico saldão brasileiro, os produtos existem: em geral, você encontra o produto na cor e tamanho que deseja. Provavelmente são modelos que estão saindo de linha e fora de moda, mas em se tratando de tênis e agasalho, quem se importa?
Tampouco são produtos "baratinhos", nem no preço, nem na qualidade. Não tem tenis Nike por 2 dólares nem no outlet. Tem tênis simplão por 30 dólares, talvez. Por outro lado, não são produtos com defeitos, nem tênis com pé faltando que te obrigue a comprar um pé verde e outro vermelho, nada disso.
Mencionei antes que os outlets possuem uma boa variedade de produtos. Isso me surpreendeu, porque um problema frequente que temos em lojas físicas brasileiras, mesmo em lojas "de marca" e grandes franquias, é a falta de variedade e de estoque.
Não é algo recente, não é culpa da pandemia. São incontáveis as vezes em que eu e/ou a esposa fomos ao shopping ou a uma loja e tivemos dificuldade de encontrar o que procurávamos, não raro saímos de bolso cheio e mãos vazias. E não estou falando de produtos difíceis de encontrar! Não estávamos à procura de ovos de codornas douradas chocados pelas prostitutas virgens da Pérsia. Estou falando de coisas tipo sapato masculino preto, que não mudou nos últimos 150 anos. Ou tênis, ou agasalho, ou roupa comum.
Novamente, não estou falando de lojinha de bairro de porta-e-janela, que muita gente abre por hobby ou por ignorância completa do que é ser um comerciante. O que relatei, acontece em grandes franquias, e reiteradamente nas mesmas lojas. É inacreditável. Noves fora que não moro em uma grande capital, não vislumbro uma explicação razoável, exceto uma: que o comerciante não faz sua lição de casa, não mantém um estoque de acordo com as vendas esperadas.
Um exemplo alimentício: chá de pêssego, que íamos buscar no melhor supermercado da cidade (com preços também "melhorados") e 1 semana tem, 2 semanas não tem. A quebra de cadeia na indústria alimentícia foi um problema real na pandemia, realmente passamos meses sem a garantia encontrar certos produtos na prateleira. Mas isso já faz 4 anos!!!
Agora que mudei para uma cidade ainda menor, vejo outro problema: muitos comércios, às vezes 2 ou 3 do mesmo tipo no mesmo quarteirão, mas cada um faltando boa parte do cardápio de produtos que deveria estocar. Supermercados, mini-mercados, lojas de material elétrico, materiais de construção... se preciso algo fora do absolutamente trivial, já sei que não vou encontrar em nenhum. Compro direto no Mercado Livre, ou dirijo até a cidade grande.
Estou ciente da realidade das cidades pequenas e não sou contra o pequeno comércio local, mas me parece óbvio que dever-se-ia seguir a "filosofia UNIX": faça apenas uma coisa pequena, mas faça bem. Há exemplos positivos bem-sucedidos que provam que isto é possível.
Costuma-se dizer que os shoppings nos EUA são todos no estilo shopping mall a céu aberto. De fato há muitos malls modorrentos, com aquelas lojinhas que não dá a menor vontade de ir, salvo se deseja adquirir um produto que só tem lá. E os outlets também são no estilo mall. No Brasil, até onde sei, os malls não colaram, a maioria fechou ou vai mal. Idem nos EUA.
Mas também existem shoppings mais luxuozinhos por lá, inclusive com manobrista. Internamente, são muito mais parecidos com o que a gente conhece por "shopping" aqui no Brasil.
Fui parar num desses meio que por acidente; a temperatura estava 7 graus, muito mais baixa do que esperávamos, e também chovia. A mulher usou meu único agasalho leve como guarda-chuva, e precisava comprar outro a qualquer custo. Aí paramos no primeiro comércio que encontramos, e tivemos de pagar o valet porque o estacionamento convencional estava lotado. (Nisto os EUA são iguais ou piores que o Brasil; estacionamentos gratuitos quase sempre lotados, em todo canto.)
Lá dentro, parei na primeira loja que vendia agasalhos (Adidas) e o preço foi parecido com o que eu pagaria por um agasalho Adidas no Brasil. Não foi baratinho. Mas neste shopping também havia uma loja da Apple, e aproveitamos o ensejo para fazer a alegria do filho.
Aliás, a experiência de compra na Apple confirmou as expectativas: a atendente guatemalteca (**) foi muito simpática e competente em migrar os dados do celular velho para o novo. O acerto foi direto com ela, nada de pegar outra fila no caixa. Além do aparelho custar a metade que aqui, ainda recebemos um trade-in surpreendente no aparelho velho.
Em contraste, comprar um simples Apple Watch aqui no Brasil me tomou o dobro do tempo só de espera porque tinham de fazer algo como "dar baixa do estoque no sistema". Devia ter comprado um de contrabando no Mercado Livre. Os 45 minutos que eu perdi nessa loja, podia ter circulado a mais no shopping e comprado mais coisas, e todo mundo sairia ganhando.
Mas voltando aos EUA. Naquele shopping havia diversas lojas de marca, com preços full de produtos de marca. Idem na Disney Springs. Nesta última, a esposa encontrou bastante roupa que lhe caiu muito bem (como heterossexual e filho de costureira, não pude deixar de notar). Não foi barato, mas tampouco foi algo impagável.
Se você for na loja oficial da marca no Brasil, que para começar talvez só exista na Oscar Freire, pode ter certeza que a) vai custar três vezes mais caro, mesmo considerando o imposto de importação, b) provavelmente não vai ter o cardápio de peças de lá, e/ou c) se tiver a peça, não vai ter no tamanho. A priori, poderia fazer um agrado à patroa, levá-la numa loja dessas, mas não faço, para evitar ambos passemos raiva, quiçá sendo olhados com desdém, como também é comum acontecer em lojas "de grife" locais.
(*) Também tenho um lado "intelectualóide de esquerda", pelo visto.
(**) Aparentemente todo latino-americano sente-se à vontade de perguntar a origem de outro. Fiel à fama, os latino-americanos estão em todo canto em Orlando, e se você tropeça no inglês eles logo engatam um portunhol e todo mundo se entende.
(***) O estereótipo é que mulheres adoram fazer compras enquanto homens só vão para comprar o único produto que têm em mente naquele dia. Isso varia conforme o tipo de loja; aqui em casa, só eu gosto de supermercados. Adoro visitar supermercados diferentes, dos mais simples aos mais sofisticados; comparar layouts e o cardápio de produtos. Talvez por já ter trabalhado num supermercado, então aprendi um pouco a respeito dos "ins and outs" do negócio.