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Imóvel rural: Árvores

Área rural sem nascente é problemática. Porém, muitas (e põe muitas nisso!) nascentes que já existiram foram destruídas. Foram aterradas, pisoteadas pelo gado, às vezes inadvertidamente, às vezes de propósito para não perder aqueles 50m de terra em volta. E talvez por conta disso você vai rejeitar comprar aquele sítio, ou vai ter problemas em fazê-lo funcionar.

A proteção da mata ciliar dos rios (30m para cada lado, no mínimo) não é só pra proteger bichinhos e plantinhas. A cada temporada de chuvas torrenciais de verão, um rio desguarnecido vai "comer" parte da sua terra. Então, a tendência é que o rio fique cada vez mais largo e mais raso, e então qualquer garoazinha já dá causa a outra enchente.

Quem construiu casa ou galpão na faixa de APP, sofrerá inundação com certeza, e terá seu patrimônio danificado ou mesmo destruído completamente. Aí não adianta ficar chorando na TV dizendo que não tinha nada e agora perdeu tudo.

A proteção do meio ambiente inclui a proteção da SUA integridade e dos SEUS bens. Existem excessos, existe burocracia, existem normas conflitantes... mas pelo menos o espírito da lei deve ser encarado com um pouco de boa vontade.

Mas esta introdução quer chamar a atenção para um ponto: repare se existem árvores, se existe floresta, nas propriedades que você visitar para comprar. Se você for agricultor profissional, talvez prefira uma terra limpa, lisinha, mas como este artigo destina-se mais a amadores, é certo que desejamos que haja árvores.

É muito desolador ficar num campo aberto. O sol é inclemente, a paisagem é opressiva. É deprimente. Uma casa feita em campo aberto, ou num lugar sem árvore, tudo barro em volta, é a antítese da vida bucólica que tantos buscam.

Você pode pensar, ao ver uma terra nua: "ah, eu planto algumas árvores e em três anos o problema está resolvido". É o seu cérebro urbano te iludindo. Tudo no mundo rural anda muito mais devagar do que a gente pensa, e todo investimento é de longo prazo.

Árvores demoram décadas para crescer. Até mesmo as de crescimento ultra-rápido como pinus e eucaliptos. Você não sentará à sombra de uma árvore de plantou senão em 10, 20, 30 anos. Isso se as árvores crescerem; a maioria morre, e não apenas de "mortalidade infantil". A cada ano, uma porcentagem dos espécimes vai morrer.

Não estou tentando desencorajar você de plantar árvores. Pelo contrário: já que morrem tanto e demoram a crescer, plante dez vezes mais do que acha que precisa para formar um bosque a seu gosto. E, quando você for velho, se achar que 1 ou 2 árvores plantadas a mais estão estorvando, é fácil cortar.

Uma propriedade rural "ideal", com a reserva legal de 20%, vai ter mata. Então você já vai ter pelo menos aquele cantinho arborizado, pelo menos para fazer seu churrasco à sombra. Infelizmente, muitas propriedades, talvez a maioria, estão degradadas inclusive na fatia da "reserva legal".

Diz-se que os 20% de reserva legal são "intocáveis", mas não é bem assim. Você vai tirar proveito desse espaço, porém de formas diferentes. Assim como a existência de uma APP não te impede de pescar na beira do rio, fazer cercas ou mesmo ter um pequeno trapiche. Uma árvore caída serve de lenha, pode-se plantar algum vegetal que só cresça à sombra. Sitiantes mais tarimbados conhecem as árvores de mata com propriedades terapêuticas, inseticidas, atraentes de animais polinizadores, etc.

Em espaços degradados, as árvores não vão aparecer do nada. É bem verdade que, numa área devastada e deixada quieta, renasce aquela vegetação pioneira. Porém, ela é diferente da floresta original, primária. Uma vez que as árvores pioneiras, geralmente imprestáveis e de tronco fininho e torto, fecham a copa, não cresce mais nada embaixo, nem mato. O sol fica completamente tapado e o chão está sempre úmido e coberto de folhas.

A recuperação de verdade de uma área, se se deseja levá-la para mais perto do que era a mata nativa, dá um pouco mais de trabalho. As espécies pioneiras são importantes, mas é preciso plantar ativamente as espécies nativas de ciclo longo. Numa mata "recuperada" que ficou cheia daquelas árvores retorcidas, parecendo um manguezal, vai ser preciso abrir pequenas clareiras aqui e ali, para que a luz chegue nas espécies de ciclo mais longo.

Falando de um exemplo local, a araucária, tão ameaçada, simplesmente não nasce sozinha nessas áreas de floresta secundária. A planta precisa de sol, embora não deva ficar na soalheira: ela morre se plantada no meio do nada. Paradoxalmente, não nascem araucárias novas numa mata de araucárias madura.

Os estudiosos até hoje se perguntam como é que a mata de araucárias conseguiu chegar ao tamanho que tinha, antes da devastação do século XX. Concluiu-se que isto aconteceu há apenas 1000 anos, em parte por fatores climáticos, em parte pelo impacto dos indígenas no ecossistema.

Não se sabe se os índios plantavam araucárias ativamente. É certo que praticavam coivara, provocando assim pequenos incêndios florestais que comprovadamente favorecem a araucária. Pinhão era o alimento que segurava as pontas dos índios e caboclos no inverno, então certamente os índios prezavam a araucária.

Histórias como essa poderiam ser contadas para toda espécie vegetal e animal. A moral é que o meio ambiente é dinâmico, sujeito a mudanças bruscas, e até o que julgamos ser "natureza intocada" já incorpora um certo nível de intervenção humana (benigna).

Nesse esforço de interferir para restaurar, vale até usar pinus e eucaliptos, tão amaldiçoados pelos ecologistas, mas quando aplicados de forma esparsa e pensada, fazem as vezes de espécies de ciclo médio, proporcionando aquele meio-sol de que tantas outras espécies gostam. Também protegem do vento e ajudam a drenar o solo. Quase nenhum vegetal gosta de charcos, então não precisa ficar com medo; 1 ou 2 eucaliptos não vão secar o lençol freático. E, no final do processo, daqui a 30 anos, você ainda pode colher a madeira.

A fauna é grande aliada na recuperação de matas. As árvores são a guarida de grande parte da fauna, e apenas o chão não frequentado pelo homem pode servir de toca para a fauna terrestre.

É por isso que a recuperação de uma área adjacente a uma floresta em bom estado é tão mais rápida e fácil, com mais chances de acontecer sozinha: os animais vizinhos encarregam-se de espalhar sementes e adubar a terra.

Uma área nua, desolada, a quilômetros da floresta mais próxima, não vai se adubar sozinha, não vai espalhar sementes sozinha. A recuperação espontânea, que demoraria séculos ou milênios, começaria sempre pelas "bordas", pelas áreas avizinhadas de florestas em bom estado.