A priori, hoje em dia, as legislações e normas do sistema elétrico brasileiro obrigam as concessionárias a fornecer energia para qualquer interessado, esteja ele onde estiver.
Os motivos válidos para negar a ligação são todos não-técnicos. Ou a unidade consumidora está em área de proteção ambiental, ou é um loteamento novo/clandestino sem o arruamento oficializado.
O problema é mais concentrado na hora de pedir a primeira ligação. Uma vez que haja um número de unidade consumidora, é fácil desligar, religar, transferir, etc. O problema é criar a unidade nova.
Modernamente, muitas legislações estaduais exigem que o solicitante prove que é dono ou justo posseiro do imóvel, a fim de evitar a criação-relâmpago de favelas e invasões. Sem energia e sem água, é mais difícil esses tumores urbanos se fixarem.
É uma exigência razoável, mas como existem inúmeros imóveis enrolados, na prática muita gente honesta se bate para arrumar energia por conta desse fator.
Muitos municípios também passaram leis exigindo alvará de construção, habite-se ou autorização especial da prefeitura, para ligar energia. Isso também visa combater invasões, ocupações, favelas e construções irregulares.
Mas tal exigência cria um problema ovo-ou-galinha quando você apenas quer energia no seu terreno rural para limpá-lo, bombear água, ou fazer qualquer coisa que não envolva construir. Na fôrma da burocracia, esses casos especiais não cabem.
Se está tudo certo com o imóvel mas a localização é tão erma que a energia não chega lá, será preciso pedir extensão de rede. Aqui entra a zona cinza, onde a concessionária pode fazer corpo mole, estipular um prazo muito longo, fazer exigências burocráticas descabidas, ou apresentar uma conta salgada para fazer o serviço.
É objeto de longas discussões legais e morais se é correto cobrar do cliente por equipamentos que pertencem à companhia elétrica e aproveitarão a outros clientes no futuro. Normalmente, quando a racionalidade prevalece de parte a parte, o cliente paga apenas uma fração do custo total.
O fato é que as elétricas não gostam muito de atender clientes rurais, principalmente quando pequenos e distantes.
É fácil entender por quê: enquanto na cidade tem um edifício com 50 apartamentos a cada 50 metros, cada apartamento gastando 500 kilowatts por mês, no sítio precisa puxar uma extensão de rede quilométrica para atender um jeca-tatu que paga taxa mínima, quando paga.
Por mais que falem em poupar eletricidade, as elétricas querem mesmo é que você gaste bastante energia. Como toda empresa que se preze, deseja clientes que gastem muito e custem pouco para manter.
Na zona rural, um problema comum é a passagem da energia por uma propriedade de terceiro, pois há a tolerância com imóveis encravados. Cada concessionária tem suas regras a este respeito, mas sempre é um complicador e também implica em uma extensão de rede. O melhor caso é quando o imóvel rural não é encravado, e a energia já passa na rua, na frente do imóvel.
Pode acontecer de passar a linha de alta tensão, mas não o fio de baixa tensão (110 ou 220V). Neste caso, será necessário pedir extensão da rede de baixa tensão, e novamente entra naquele problema de prazo (3 ou 4 meses, tipicamente) e custo (a elétrica pode querer cobrar pelos serviços ou mesmo pelo transformador, se não houver outro consumidor de baixa tensão por perto).
Tem dúvida sobre que tipo de energia passa na frente do seu terreno? Consulte um eletricista que esteja acostumado a instalar padrões de entrada, que eles estão por dentro de todos os "causos" acima, e podem lhe poupar muito incômodo e atraso.
Muitos agricultores torcem o nariz para a "invasão" de sítios de recreio, muitas vezes frações ideais pequenas de imóveis rurais. Um motivo alegado é justamente a questão da energia: a densidade de consumo aumenta na região, e aí aquela pobre ponta-de-linha monofásica que atendia um sítio a cada 2km, agora atende dezenas.
A meu ver isto é latir para a árvore errada, é aquela coisa idiota do brasileiro de brigar entre si, em vez de exigir seus direitos, de fazer valer sua condição de cidadão.
Reiterando: a companhia elétrica tem obrigação de entregar energia aonde estiver o consumidor, na potência que o consumidor pedir/precisar, e com qualidade. As ferramentas que a elétrica tem para se planejar são: a declaração de carga que o consumidor faz ao pedir ligação, e o prazo que a ANEEL concede para obras de extensão de rede.
Embora seja uma prática usual, a rigor a elétrica nem poderia cobrar pela extensão de rede de consumidores de baixa tensão. Há diversas decisões judiciais Brasil afora confirmando isso, é só pesquisar. Só se poderia cobrar de consumidores de alta tensão.
Eu entendo que os agricultores lidam há décadas com problemas de energia; se a luz acaba num momento crítico do processo de produção, ele pode perder tudo. Produtores de fumo e criadores de aves são os mais vulneráveis. O primeiro instinto é ficar com raiva dos sítios de recreio, que resolveram todos ligar as luzes ao mesmo tempo... Porém, a solução para isto é melhorar a rede, para todos. Excesso de carga é o menor dos problemas. O motivo número 1 de falta de energia na zona rural é queda de árvores sobre a linha.
Ademais, mais sítios de recreio representam mais contas de luz pagantes, geralmente pagando mais do que consomem, mercê da taxa mínima. Mais consumidores no local melhora a densidade e a viabilidade econômica do ponto de vista da companhia elétrica. Só é problema se tentarem atender todo mundo com uma rede subdimensionada.
Na zona rural é muito comum o esquema Monofilar com Retorno por Terra, ou seja, apenas um fio de alta tensão, usando a terra como condutor de retorno. Em alguns rincões usa-se um esquema intermediário com 2 fios de alta tensão, que também é um sistema monofásico, porém com mais capacidade.
O MRT é consideravelmente mais barato de instalar, muitas redes MRT podem irradiar a partir de um tronco trifásico, e é muito mais fácil puxar uma extensão de rede MRT. O transformador é mais barato, o que alivia o bolso do cliente quando recai sobre ele o custo do transformador. Por conta dessas vantagens, o MRT é esporadicamente empregado em áreas urbanas de baixa densidade.
Uma vez que tanto o neutro de alta tensão como o de baixa tensão têm de se aterrados (por motivos diferentes), eles costumam ser conectados já dentro do transformador. Isto é meio assustador, mas na prática não causa problemas — desde que o aterramento funcione! Algumas regiões usam o esquema de "neutro parcial" onde o fio neutro é esticado por uma distância mais longa, interligando diversos transformadores, consumidores e pontos de aterramento, o que aumenta muito a segurança.
O sistema MRT funciona, ele só é limitado em carga total. É feito para atender clientes esparsos e com pouca necessidade de energia. Como os transformadores MRT são bem fracos, um cliente com alta demanda terá de adquirir o seu próprio.
Para compensar parcialmente as limitações do sistema, os transformadores MRT geram 2 fases opostas de baixa tensão, esquema conhecido como monofásico a 3 fios, fase dividida ou "bifásico rural". Isto dobra a potência disponível.
Na teoria, o monofásico a 3 fios é muito bom, é o que se usa nos EUA para entregar energia residencial urbana a 120/240V. Só que, no Brasil, as tensões padronizadas para ele são esquisitas: 127/254V ou 220/440V, bem diferentes da zona urbana (127/220V e 220/380V respectivamente).
O maior problema está no atendimento a 127/254V: muitos aparelhos de alta potência só existem em 220V, e não podem ser ligados em 254V, o que obriga ao uso de transformador. Quem é atendido em 220/440V sofre menos; só é pena que não existam boilers e carregadores veiculares que aproveitem a tensão de 440V.
O ideal teria sido que a ANEEL padronizasse o monofásico rural em 115/230V. Por razões históricas, algumas concessionárias fornecem tensões fora da norma (120/240V ou 115/230V) que na prática são melhores para o cliente. Existem discussões na ANEEL para normatizar essas tensões, e mesmo abolir o padrão 127/254V em favor de 115/230V.
Tanto por ser MRT, quanto por geralmente ser uma "ponta de linha", quanto por passar por regiões sujeitas a quedas de árvores e toques de galhos, a eletricidade rural tende a ter muito mais interrupções e surtos. E quando eles ocorrem, há menos equipamentos no caminho para absorver, queimando mais aparelhos dentro da sua casa. Previna-se colocando DPS no padrão de entrada, no quadro de distribuição e aqueles "DPS Clamper" também na tomada dos aparelhos mais sensíveis ou caros. E, se possível, desligando disjuntores quando vem trovoada, como nossos pais e avós faziam e nos desacostumamos a fazer na cidade.
Os DPS são "consumíveis", ou seja, eles vão absorvendo surtos e desgastando-se no processo, então confira periodicamente se o LED verde (ou qualquer outro canário de boa saúde implementado pelo fabricante) está ativo, indicando que o DPS ainda está bom.