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Imóvel rural: fração ideal

Um imóvel pode estar registrado em nome de diversos donos, formando um condomínio. Isto é permitido para quaisquer imóveis, sejam urbanos ou rurais.

Em primeiro lugar, a palavra "condomínio" pode significar mais de uma coisa. No dicionário, ela significa simplesmente domínio compartilhado.

Um condomínio pode ter uma pessoa jurídica distinta, com CNPJ, síndico, contabilidade, etc. É assim que costuma ser em edifícios e condomínios horizontais urbanos, pois existe uma necessidade de cuidar dos bens comuns do condomínio. Nos EUA existe a figura dos "HOA", Home Owners' Association, que faz esse papel.

Já um imóvel com diversos donos na escritura, e mais nenhuma formalidade, é um condomínio de fato.

Uma situação em que o condomínio de fato com frações ideais emerge automaticamente, é na herança. Se o único bem herdado é um imóvel, e não houver renúncias, todos os herdeiros vão figurar na escritura. Cada herdeiro é dono de uma parte difusa do bem, mas a localização dessa parte não é definida, e isso é de propósito; espera-se que eles se entendam e resolvam isso no futuro.

Em algumas situações, como em prédios de apartamentos, a lei exige que um condomínio imobiliário seja constituído com CNPJ, estatuto, síndico, etc. Em outras situações, isto é opcional.

Se você mora num apartamento, dê uma olhada na escritura. Além de possuir o apartamento em si, e talvez uma vaga de garagem, o seu imóvel inclui uma fração ideal do terreno subjacente. Isto é que indica que você é dono de um pedacinho do condomínio e dos bens comuns, como a piscina e a sauna.

A fração ideal tem este nome porque não é identificada dentro do terreno. Se você possui a fração ideal de 20% de um imóvel, tem um direito difuso de usar, gozar e dispor de 20% do imóvel como um todo, mas não está especificado na escritura qual o pedaço específico dentro do todo que é seu. Assim como no exemplo dos herdeiros já mencionado.

A fração ideal pode ser especificada em porcentagem ou em metros quadrados. Ainda que o total de metros ideais deva fechar com o total da área do imóvel, isto ainda não significa que há uma demarcação.

Apesar de não estar individualizado na escritura, os condôminos podem muito bem regulamentar sua vida privada dentro do imóvel, atribuindo frações reais correspondentes às frações ideais da escritura. Isto pode ser feito informalmente, ou pode ganhar ares de associação de moradores, com produção de atas, reuniões, etc. Pode até se criar um CNPJ, uma vez havendo atas que a legitimem. O tempo também é um ingrediente: conforme passam os anos e os condôminos trataram determinados pedaços como seus, esta convenção a princípio tácita vai ganhando força.

Investimentos individuais também vão legitimando a fração real, na medida em que alguém constrói uma casa, um galpão, etc. Um primeiro conselho aqui seria documentar os dispêndios, guardando recibos, notas, contatos que podem servir de testemunhas, etc. visto que se os demais condôminos consentiram que se "enterrasse dinheiro" num ponto do imóvel, não podem pretender tomá-lo mais tarde alegando que a fração ideal é abstrata.

A materialização da fração ideal ganha muita força se o condômino mora ali. Lares têm proteção fortíssima na lei brasileira, têm prioridade sobre praticamente qualquer outra lei. Se quer uma prova, veja a dificuldade de expulsar posseiros e invasores de um terreno qualquer, uma vez que tenham erguido uma casa de lona.

Existe um procedimento jurídico chamado estremação, onde uma fração ideal que foi consolidada como fração real com o tempo, pode ser transformada numa matrícula individual. A vantagem da estremação em relação a uma extinção voluntária de condomínio, é que só precisa da anuência dos condôminos confrontantes, enquanto a extinção precisa da anuência de todos.

A estremação é uma ferramenta útil para o caso dos condôminos estarem brigados; de outra forma, a escritura de extinção de condomínio é mais simples e barata, pois não envolve processo judicial.

Mas sim, entrar num condomínio de fato com condôminos desconhecidos não é algo trivial. É preciso haver um entendimento mínimo entre as pessoas, do contrário é uma fonte infinita de problemas. Um condomínio de direito, com personalidade jurídica distinta dos condôminos, como num prédio de apartamentos, tem muito mais poder para dirimir conflitos, impondo multas e até expulsando um morador.

Em imóveis rurais, é bastante comum a figura da fração ideal, em glebas grandes e pequenas. Problemas potenciais de frações ideais em imóveis rurais:

Porém, o que mais suscita dúvidas e discussões é a...

FRAÇÃO IDEAL MENOR QUE A FMP DO INCRA

Aqui é que o bicho pega. A venda de frações ideais foi por muito tempo o "antídoto" contra a determinação do INCRA, draconiana a nosso ver, de impedir desmembramento de glebas rurais menores que a Fração Mínima de Parcelamento (FMP) da região.

Por exemplo, no Paraná a FMP é 2 hectares ou 20.000 metros quadrados. Além das "tradicionais" vendas de mini-chácaras no contrato de gaveta, era e é comum vender frações ideais, em casos extremos você tem 20 condôminos sobre um imóvel de 2ha.

Fração ideal na escritura é melhor que o contrato de gaveta, mas é vista pelo governo como uma desvirtuação de um mecanismo legítimo, concebido para resolver inventários.

Existem, é verdade, razões legítimas para coibir-se o fracionamento de terras rurais abaixo da FMP.

Por exemplo, como fica a reserva legal de 20%? Num cenário ideal, esses 20% deveriam pertencer ao condomínio, que teria então de ser constituído com CNPJ e síndico, pois esta área comum é tal qual uma piscina ou quadra num edifício – é de todos no papel, mas seu uso é regrado.

Mais moradias no campo implica em mais estrutura rodoviária, distribuição de energia elétrica, abertura de poços (porque dificilmente vai chegar água tratada), esgotos no sistema sumidouro que podem contaminar o lençol freático...

Daria uma discussão bem longa se uma plantação de soja a perder de vista causa menos impacto ambiental que um grupo de sítios de recreio. Do ponto de vista ambiental, o ideal é que tudo permanecesse mata nativa, sem uma coisa nem outra.

Mas estou desviando do assunto. De 2015 para cá, o governo tem contra-atacado as mini-chácaras menores que a FMP, com os seguintes métodos:

O escrivão do cartório provavelmente não vai visitar seu terreno para constatar se há loteamento, mas pode levantar dúvida quando há suspeita de loteamento clandestino. Alguns motivos de suspeição:

No fundo, o escrivão vai aceitar escriturar ou não a fração ideal conforme o convencimento dele. Aí a coisa entra na subjetividade, na opinião pessoal que o oficial do cartório tem sobre esse tipo de negócio, e nos costumes locais que toleram ou não a venda de sítios de recreio pequenos. Vale conversar com o próprio oficial da sua comarca e/ou com corretores experimentados da região que com certeza já lidaram com tais situações.

Finalmente, como no Brasil o noticiário é centralizado em Brasília, temos a tendência de esquecer que existem leis estaduais e municipais. E neste caso a legislação municipal é crucial, pois da prefeitura depende autorização de construção e/ou ligação de energia. O cartório observará de perto a lei estadual.

Fazendo um ultra-resumo, a "tolerância" com sítios de recreio menores que a FMP é muito diferente em cada lugar, e também vai mudando com o tempo.

A principal consequência prática é conseguir, ou não conseguir, ligar energia elétrica em seu lote. A tendência no Brasil inteiro é a companhia elétrica exigir a) o nome do dono constando na matrícula do registro de imóveis, e b) algum pedaço de papel da prefeitura autorizando fazer ligação nova. Esse papel geralmente é o alvará de construção, mas algumas prefeituras emitem outros tipos de autorização para cobrir casos especiais.

Um exemplo extremo é Piraquara/PR, onde simplesmente não é possível legalizar construção em lote menor que 20.000 metros. Vai ser possível fazer uma ligação elétrica e construir uma casa – nada mais. Os demais condôminos ficam no sal. Provavelmente isto é uma resposta à enorme proliferação de mini-chácaras na região desde os anos 2000, devido à proximidade com Curitiba.

Ouvi dizer, não tenho certeza, que em Campo Mourão a prefeitura tolera lotes de até 2.000 metros. Em outra cidade, o limite é 5.000 metros. Na outra, 10.000. Nem sempre estas regras são leis escritas; elas entram na seara do costume e do poder discricionário do setor de planejamento da prefeitura. Cidades médias e grandes são obrigadas a ter plano diretor, onde a regra do jogo estará descrita. Cidades pequenas nem sempre têm plano diretor.

Alguém poderia alegar que esses municípios que toleram lotes menores que a FMP estão indo contra a lei, e afrontando o INCRA. Outros diriam que eles estão tentando colocar ordem numa situação de fato.

Em lugares mais valorizados, a terra pode estar custando 50, 100 reais o metro quadrado, o que joga o valor de uma propriedade de 30.000 metros para a casa dos 2, 3 milhões de reais. Dificilmente alguém gastaria isso só com o terreno de um sítio de recreio, mesmo que pudesse.

A proliferação de pequenas propriedades é indesejável, mas também é indesejável que a terra fique 100% abandonada. A prefeitura precisa arrecadar, os munícipes precisam de emprego, a companhia elétrica gosta de vender energia...

Onde as regras são draconianas demais, a galera simplesmente constrói ilegalmente e puxa "rabicho" de energia. Ou usa gerador. Ou vive sem energia mesmo. É proibido, mas muito difícil desfazer a posteriori. A chance da justiça exigir a demolição de uma casa cujo morador possui o terreno e alega ter domicílio no local, é zero.

A prefeitura pode colocar outros condicionantes. Vou citar alguns pontos que você deve consultar, para ter uma ideia do que você deve perguntar sobre as regras locais:

Note que todos os pontos acima afetam apenas as frações ideais. Se alguém consegue escriturar, de forma individualizada, um terreno rural menor que a FMP, a priori ele vai conseguir ligar energia e construir sem problemas.

Se até registrar frações ideais pequenas está difícil, desmembrar um imóvel menor que a FMP é mais difícil ainda. Há uma possibilidade prática: se a pessoa for um agricultor familiar. Do ponto de vista do cartório, é preciso ter um documento denominado DAP ou "Declaração de Aptidão ao PRONAF", que é a prova (oblíqua) que você é um agricultor familiar.

Entra aqui novamente o velho problema ovo-ou-galinha: para conseguir comprar um pequeno sítio e tornar-se um agricultor familiar, ou amador, precisa primeiro provar que já é um agricultor! Complicado, né?

Como dito antes, os cartórios estão impedindo o registro de venda de frações ideais. Mas há uma situação que permite "escapar" desse obstáculo, ainda que involuntariamente: é a herança.

Se uma gleba pequena é herdada por 5 irmãos, fatalmente haverá o particionamento em 5 frações ideais, que cada irmão pode então vender, respeitado o direito de primeira recusa dos demais. O que era um imbróglio familiar vira uma oportunidade...

Na maioria das comarcas a negociação posterior dessas 5 frações ainda é aceita. Mas como mencionamos antes, algumas vedam até mesmo esse tipo de negociação, aceitando registrar apenas negócios que consolidem frações (por exemplo, se um comprador adquire as frações de 2 dos 5 irmãos, o que reduz a contagem de condôminos de 5 para 4).

Em resumo, você deveria evitar comprar uma fração ideal, pois ela traz uma cota de incômodos previstos e pode trazer outros tantos problemas imprevistos.

Se estiver decidido a fazê-lo, se for o único jeito de realizar seu sonho, faça a lição de casa, indo na prefeitura (que geralmente não cobra nada por consultas de viabilidade) e até falando com o oficial do cartório da sua comarca, pois até nisso a coisa varia – cada cartório tem exigências e critérios ligeiramente diferentes.

Procure por imóveis que estejam relativamente próximos de áreas de expansão urbana, com acesso por estrada boa, que tenham potencial de serem incluídos na área urbana nos próximos 5 ou 10 anos. Quando isto acontecer, você vai conseguir desmembrar sua fração ideal. Mesmo que tudo dê errado, esse potencial é uma estratégia de saída, seja para revender, seja para sentar em cima e esperar.

Em alguns lugares, a própria prefeitura vai dar sinais de que a urbanização está chegando: aparece a coleta de lixo, depois começam a estender a rede de água encanada... Pode apostar que não estão fazendo isso por caridade. A intenção final é inserir os lotes na zona urbana e cobrar IPTU. Mas para fazer isso, é preciso oferecer uma contagem mínima de serviços públicos.