Existem diversos fatores "naturais" pelos quais os imóveis rurais ficam facilmente enrolados: burocracia, INCRA, cultura do contrato de gaveta, custos de transação, e modalidades de propriedade não-convencionais (posses, venda de lotes de reforma agrária).
Em cima de tudo isso existe a malícia. O campo está infestado de "rolistas".
Rolista, na gíria local, é o negociante que atua na zona cinza da (des)honestidade. Para o rolista, não interessa se a terra está legalizada ou documentada. O que ele quer fazer é: comprar barato, e vender rápido e caro. De preferência sem nunca colocar o nome dele no papel – se houver escritura pra passar, quem vai assinar é o antepenúltimo dono.
Quando você junta isso com a ignorância de pessoas do meio urbano a respeito da burocracia de imóveis rurais, temos uma mistura explosiva. Potencialmente, todo sitiante vira um rolista, pois fica muito fácil fazer caixa às custas de um otário da cidade. (Como eu disse em outro texto, a gente do campo tem uma antipatia inerente, ainda que bem disfarçada, em relação à gente da cidade. Então, para ele, lograr um urbano não pesa tanto na consciência, enquanto lograr um outro agricultor seria talvez impensável.)
Em imóveis urbanos, pelo menos hoje em dia, os corretores de imóveis fazem o papel informal de auditores, verificam toda a documentação, inclusive questões de zoneamento, antes mesmo de falar com qualquer potencial comprador. O corretor figura na escritura e compra e venda e pode ser processado se ajudou a vender um "bonde".
Em imóveis rurais, nem tanto. O corretor vai até checar se a matrícula existe, bons corretores vão evitar vender no contrato de gaveta. Porém detalhes como reserva legal, áreas de preservação permanente, regras de zoneamento da prefeitura para terrenos rurais, se a companhia de luz vai dignar-se a ligar energia naquele lugar... dificilmente um corretor vai olhar tudo isso.
Até mesmo aspectos documentais, tipo CCIR atrasado, talvez o corretor não vá olhar com cuidado. A tendência é o vendedor e o corretor "marretearem" a documentação minimamente necessária para a escritura (CCIR, ITR, NIRF, CAR) mas o trabalho de deixar essa papelada em perfeita ordem vai sobrar para você. Se for só isso, nem dá pra reclamar!
O que pode acontecer é você, que não conhece muito, comprar um imóvel rural que no papel está perfeito... mas não pode mexer uma palha nele. Ou não pode construir uma casa. Ou não vai conseguir usar a área esperada para produção. Exemplos específicos:
Contra tudo isso, tem um antídoto: legwork - bater perna. Botar a pastinha embaixo do braço, pesquisar e consultar. Pedir consulta branca na prefeitura, na elétrica, no órgão estadual que cuida de agropecuária (IDR no PR, EPAGRI em SC, EMATER em RS e em muitos outros estados).
Infelizmente, quase ninguém faz isso. Por quê?
Entendo que muitas vezes quem está vendendo precisa do dinheiro, mas é algo que podia ser facilmente resolvido depositando um sinal com o corretor e assinando um contrato de pré-venda.
Corretores de imóveis em particular deviam entender que comprar um imóvel demanda um pouco mais de pesquisa e cuidado que comprar um saco de balas, porque geralmente a transação envolve boa parte ou mesmo 100% do patrimônio do comprador. Já notou que corretor sempre apresenta um imóvel em 5 minutos e já espera que você tome uma decisão ali, na hora? E ficam bravos quando você quer ver mais detalhes, quer fazer mais visitas e pensar melhor?
O fato é que, muitas vezes, essa pressa é justamente para você não ter tempo de descobrir as fraturas expostas.