Um pequeno trauma de infância foi ter reprovado num curso de eletrônica por correspondência, aos 12 anos. Um motivo foi ter perdido o interesse em favor dos computadores, mas o motivo principal foi não ter compreendido o conceito de impedância.
Para não ser excessivamente rigoroso comigo mesmo, devo dizer que nem o curso, nem nenhum material a que tinha acesso na época, explicava isso direito. A "epifania" veio aos 16 anos, nas aulas de eletricidade do segundo grau, onde o professor e o livro-texto conseguiram mostrar o relacionamento entre resistência, impedância e queda de tensão.
Aprendemos nos cursinhos que resistor é um componente passivo que "resiste" à passagem de corrente elétrica. Na verdade, o humilde resistor realiza duas funções:
Não gosto da nomenclatura "queda de tensão" porque sugere que, num circuito com vários resistores, cada um "come" um pedaço da voltagem da bateria. Na verdade, ninguém come ninguém. A tensão entre os terminais de um resistor é da mesma natureza que a tensão entre os pólos de uma bateria, e pode inclusive ser utilizada para alimentar outro circuito.
Claro que um resistor não é um gerador "de verdade". Não adianta esquentar o resistor com um isqueiro, que não vai aparecer uma tensão nos terminais. O resistor não tem a simetria de um motor, que funciona como um gerador quando girado por uma força externa. A falta de simetria é que define o resistor como um dispositivo não-conservativo ou dissipativo.
A Lei de Ohm define a relação entre resistência, corrente e tensão. Ela é muito prática no dia-a-dia, mas é sempre importante lembrar que o que resiste à corrente elétrica não são os Ohms, são os Volts. Um circuito com uma bateria de 12V e um resistor de 24Ω só estabiliza a corrente em 0.5A porque, submetido a esta corrente, o resistor cria uma tensão de 12V, anulando a tensão da bateria. Enquanto houver um volt "sobrando" no circuito, a corrente aumenta sem limite.
É o que acontece se ligarmos um LED a uma fonte de voltagem muito alta. O LED não segue a Lei de Ohm; sua queda de tensão é praticamente constante para uma ampla gama de correntes. Um LED azul gera 4V, um LED vermelho gera 2V. Se conectarmos um LED vermelho a uma bateria de 12V, "sobram" 10V e a corrente aumenta sem limite.
A corrente da simulação acima é 1.5A em vez de "infinita" porque o simulador CircuitLab simula todas as características de um LED real, incluindo a resistência interna. Mesmo assim é 30 vezes maior que o admissível e queimaria o LED quase instantaneamente.
No circuito abaixo, adicionamos um resistor limitador de corrente, que lida com aqueles 10V que estavam "sobrando".
É interessante lembrar da Lei da Tensão de Kirchhoff: a soma das tensões num circuito fechado é sempre zero.
A propósito, as simulações de circuito das Figuras acima foram desenvolvidas com o CircuitLab, um editor e simulador de circuitos. É o melhor e mais prático dentre os que testei, e funciona direto no browser, não precisa instalar nada.
Um outro ponto importantíssimo é que a unidade "Ohms" é utilizada em contextos que não têm nada a ver com resistores, resistência ou dissipação de calor.
Um exemplo extremo: a "resistência de radiação no vácuo" ou "impedância do vácuo" é de aproximadamente 377Ω. O que isto quer dizer? Como você deve saber, uma onda de rádio ou um feixe de luz deslocando-se pelo vácuo não sofre perdas, nem dissipação, nem queda de tensão...
A onda eletromagnética possui dois componentes: um campo elétrico variável (expresso em Volts-metro) e um campo magnético variável (expresso em Amperes-metro). No vácuo, a proporção entre os dois é em torno de 377. A unidade deste número é "Ohms" pois dividimos Volts por Amperes, mas é quase um abuso de notação.
Então, fica a lição: "Ohms" podem aparecer sempre que exista uma relação entre tensão e corrente, ou entre campo elétrico e campo magnético. Não é preciso que esta relação esteja gerando calor.
Impedância é uma grandeza expressa em Ohms, mas que pode ser dissipativa, transformativa, ou reativa.
Um resistor de 5Ω possui resistência de 5Ω e impedância dissipativa de 5Ω. Nos resistores, a impedância é sempre igual à resistência.
Já um motor também possui impedância transformativa. Suponha um circuito com fonte de 12V, um motor com eficiência de 75% e uma corrente de 0.5A, modelado conforme o circuito abaixo.
A impedância total do motor é 24Ω, porque o motor limita a corrente tal qual um resistor de 24Ω. Porém, 75% ou 18Ω dessa impedância é transformação de energia em movimento; os 6Ω restantes são resistência que dissipa calor.
É oportuno lembrar que a impedância transformativa de um motor muda o tempo todo, conforme a RPM. Na partida, ela é zero, e a corrente é limitada apenas pela resistência de 6Ω.
Uma antena também possui impedância transformativa. Por exemplo, a antena dipolo (aquela com 2 hastes) possui uma impedância de 73Ω na freqüência ótima de operação. Para o transmissor de rádio, que faz papel de gerador, tanto faz alimentar uma antena dipolo ou um resistor de 73Ω. Essa impedância "útil" da antena, que gera ondas eletromagnéticas, é conhecida como resistência de radiação.
Noves fora que a impedância transformativa costuma variar, de um ponto de vista puramente elétrico as impedâncias dissipativa e transformativa são da mesma qualidade. Ambas convertem eletricidade em outra forma de energia, e nunca a devolvem. Daqui para frente, chamaremos ambas de "resistência".
Faltou falar da impedância reativa. Aqui é que a porca torce o rabo.
Num circuito de corrente contínua (CC), uma bobina não passa de um monte de fio enrolado. É praticamente um curto-circuito. Porém, quando alimentada com corrente alternada (CA), a bobina torna-se reativa: ela absorve energia, e devolve em seguida, a cada ciclo.
De forma simétrica, um capacitor não deixa passar nenhuma corrente CC, porém em CA ele também é reativo, absorvendo e devolvendo energia.
Enquanto absorvem e devolvem energia, estes componentes geram uma tensão que se opõe à corrente. Portanto eles "resistem", à sua maneira, e portanto possuem uma impedância em Ohms. Esta impedância é função da freqüência CA.
Em instalações elétricas, aparelhos cuja impedância é em parte reativa são denominados cargas reativas. Elas costumam ser indesejáveis. A impedância reativa não gasta energia por si mesma, porém a energia elétrica indo e voltando acaba sendo dissipada pelo sistema de transmissão (fiação, conexões, tomadas, transformadores, etc.).
Por exemplo, suponha um aparelho cuja impedância é 22Ω reativa. Se você ligá-lo na tomada, circulará uma corrente de 10A (220 dividido por 22). A potência aparente do aparelho é 2200VA, mas a potência útil é zero, pois a corrente vai e volta 120 vezes por segundo. A conta de luz não sobe, porque o relógio fica indo e voltando.
Agora, digamos que as perdas de transmissão da usina elétrica até sua casa sejam de 10%. Grosso modo, energia que fica indo e voltando será 100% perdida em 10 ciclos. Ela custou dinheiro para ser gerada, virou fumaça e ninguém vai pagar por isso.
A outra questão é que, por mais que o hipotético aparelho de 2200VA consuma potência zero (já que devolve toda a energia que consome), a estrutura que a rede elétrica precisa ter para fornecer os 10A necessários é quase a mesma que seria necessária para alimentar uma carga resistiva de 2200W.
Por conta disso e daquilo, as concessionárias de energia penalizam consumidores cujo fator de potência seja baixo — ou seja, com uma grande proporção de cargas reativas.
Por sua vez, grandes consumidores instalam equpamentos que corrigem o fator de potência. Por exemplo, se uma empresa possui muitas cargas indutivas (motores, eletroímãs) pode instalar um banco de capacitores, cuja reatividade é de natureza oposta. Do medidor de luz para fora, a impedância total parece não-reativa.
Vamos ver um exemplo de correção de carga parcialmente indutiva:
Pela simulação acima, notamos que a queda de tensão no resistor (laranja, em cima) é atrasada e mais fraca em relação à tensão do gerador (azul, em cima). Isto reflete na potência. A potência efetiva (laranja, embaixo) tem amplitude menor que a potência aparente (azul, embaixo).
Note que a potência aparente vai abaixo de zero em uma parte do ciclo; é o instante em que o indutor está devolvendo energia ao gerador.
No circuito a seguir, procuramos corrigir o fator de potência com um capacitor em série.
Com o capacitor em série no valor correto, a potência real é praticamente igual à potência aparente.
Um efeito colateral do circuito acima é que a carga resistiva é submetida a tensões mais altas que o gerador, com picos de quase 300V. Isto força a carga a produzir toda a potência esperada (2200W = 220V vezes 10A). Isto pode ser bom ou ruim, depende da aplicação. A correção em série é mais empregada em radiofreqüência. Quando se trata de ciruitos elétricos comuns, a correção em paralelo é mais utilizada:
Do ponto de vista do gerador, a potência aparente (azul) quase não vai abaixo de zero, então o capacitor está próximo do ideal.
Já a potência aparente da carga (laranja) ainda tem grandes excursões abaixo de zero, embora a devolução de enegia vá para o capacitor, não envolve mais o gerador. A potência real (azul) fica muito abaixo de 2000W, porque o circuito paralelo não força um aumento de tensão.
Nem sempre a impedância reativa é uma coisa ruim. Ela faz a "mágica" de limitar a corrente sem dissipar energia.
Por exemplo, o reator das lâmpadas fluorescentes antigas era uma simples bobina, na verdade um autotransformador, que tinha duas funções: elevar a tensão para que a lâmpada acendesse rápido, e limitar a corrente depois de acesa. (Assim como um LED, a fluorescente não limita a corrente por conta própria.)
O circuito abaixo alimenta um LED a partir da corrente elétrica sem dissipação e sem transformador, usando apenas um capacitor como limitador de corrente.
O capacitor de valor pequeno limita a corrente, enquanto o de valor grande armazena energia para que o LED fique aceso de forma quase constante. Segue a simulação do que acontece ao ligar o circuito:
Já o circuito a seguir faz a mesma coisa, porém usando usando um indutor. Não é a escolha ideal porque o indutor tem de ser muito grande, mesmo para CA de 400Hz.
Na simulação a seguir, note como a corrente do LED só começa a aparecer quando a tensão atinge um patamar mínimo.
Indutor é o componente que transforma uma corrente elétrica em um campo magnético e vice-versa. Um simples fio já é um indutor, porém em geral é preciso enrolar muitas voltas de fio em torno de um núcleo ou toróide de material magnetizável para obter uma indutância significativa. Transformadores, motores, geradores, eletroímãs, etc. são construídos com indutores.
A impedância de um indutor, conhecida como reatância indutiva, obedece à seguinte fórmula:
Ω = j.2.π.f.L
onde "L" é a indutância em Henries (função do diâmetro da bobina, do número de voltas, do material do núcleo, etc.), "f" é a freqüência CA. Uma bobina alimentada com CC (f=0) possui impedância zero.
Quanto ao "j", explicaremos depois :) Por ora, considere-o igual a 1.
Um indutor é reativo porque transforma energia elétrica num campo magnético; quando cessa a corrente, o campo magnético colapsa e é reconvertido para eletricidade. A simetria significa que é um componente conservativo.
Se o campo magnético for "roubado" do indutor, não pode mais ser reconvertido. Isto diminui o valor e a reatividade da impedância. É o que acontece num transformador. O campo magnético do indutor primário é absorvido pelo secundário, conforme houver uma carga elétrica ligada ao secundário. Por outro lado, se o secundário não tem carga, não absorve o campo, e o primário do transformador comporta-se como um indutor puro.
Espera-se que um transformador sem carga não deixe passar corrente. Para isto, a indutância do primário deve ser forte o suficiente para que a reatância indutiva seja grande. Como a reatância indutiva é proporcional à freqüência, CA de freqüência mais alta permite o emprego de transformadores mais leves. É por isto que os aviões usam CA de 400Hz em vez de 50 ou 60Hz.
Capacitor é um dispositivo que transforma tensão elétrica em campo elétrico e vice-versa. Um capacitor elementar é composto por duas placas condutoras, separadas por um isolante dielétrico.
Quanto maior a área e/ou mais fino o dielétrico, maior a capacitância. Um simples par de fios correndo lado a lado já forma um capacitor, embora de valor pequeno e imprevisível.
A impedância reativa de um capacitor, conhecida como reatância capacitiva, obedece à seguinte fórmula:
Ω = 1 / (j.2.π.f.C)
onde "C" é a capacitância em Farads, "f" é a freqüência da corrente que alimenta o capacitor. Como no caso do indutor, vamos adiar a questão do "j". Considere-o igual a 1 por ora.
A relação entre reatância capacitiva e freqüência é inversa: um capacitor possui impedância infinita em CC, e fica mais permissivo conforme a freqüência aumenta.
O capacitor é reativo porque, assim como o campo magnético, o campo elétrico pode ser reconvertido para eletricidade sem perdas.
Quando uma carga resistiva é alimentada por CA, tensão e corrente estão sempre em fase. Se a tensão é positiva, a corrente é positiva. Se a primeira é negativa, a segunda também é negativa. A multiplicação de tensão por corrente sempre resulta num valor positivo, portanto a transferência de potência é sempre em uma direção: da usina para a carga.
No caso de uma carga reativa, isto não é mais verdade. Numa carga puramente indutiva, a corrente está 90º defasada da tensão. Numa carga puramente capacitiva, a corrente está 90º adiantada da tensão.
Em algumas figuras da seção sobre impedância reativa, talvez alguém tenha notado que as ondas de potência estavam defasadas das ondas de tensão. Segue o gráfico de corrente e tensão do circuito AC composto por apenas um indutor:
No gráfico acima, tensão e corrente têm o mesmo sinal em 50% do tempo. Nesses instantes, a potência é positiva e flui do gerador para o indutor. Nos outros 50%, tensão e corrente têm sinais contrários, a potência é negativa e flui do indutor de volta para o gerador. A soma geral é zero: a carga puramente reativa não produz nem consome energia, e nem faz nada útil.
No exemplo abaixo, a carga possui resistência e reatância quase do mesmo valor quando alimentada a 60Hz, neste caso o defasamento é de aproximadamente ±45º.
Relembrando a fórmula: uma indutância de 60mH alimentado a 60Hz gera uma reatância indutiva de 2π×60×0.060 = 22.8Ω aprox.
Agora é hora de explicar aqueles jotas nas fórmulas de reatâncias capacitiva e indutiva.
Como dito antes, as reatâncias indutiva e capacitiva são de natureza oposta. Elas podem ser combinadas de forma a cancelarem-se, para por exemplo corrigir o fator de potência. Uma reatância indutiva de 32Ω em série com uma reatância capacitiva de 10Ω equivale a uma reatância indutiva de 22Ω.
Além disso, as reatâncias são impedâncias "imaginárias", pois não consomem energia, apenas absorvem e devolvem. Precisam ser tratadas em separado das impedâncias "reais" do circuito.
Devido à defasagem entre tensão e corrente causada pelos componentes reativos, impedâncias reativas e não-reativas em série são como maçãs e laranjas, não podem ser simplesmente somadas. Mas podem formar uma salada de frutas.
Por exemplo, uma carga de reatância +22Ω (positiva, portanto indutiva) e resistência 18Ω não é equivalente a um resistor de 40Ω. A impedância total é a soma vetorial: 28.4Ω. A defasagem da corrente é igual ao ângulo do vetor: 50,7º.
Por tudo isso, é extremamente conveniente expressar uma combinação de impedâncias reativa e não-reativa como um número complexo. No caso: 18+22j. A impedância total é o módulo do número complexo, a defasagem da corrente é o ângulo do mesmo.
Outra vantagem de usar números complexos é poder usar as mesmas fórmulas para simplificar circuitos série e paralelo. Vamos calcular a impedância total de um circuito já abordado:
A impedância do resistor é puramente real: 22Ω. A impedância do indutor é puramente imaginária. Pela fórmula j.2π.f.L, obtemos 22.6jΩ. A impedância total do lado direito é a soma das impedâncias em série: 22+22.6jΩ.
Já o capacitor possui uma impedância de 1/(j.2π.f.C) ou 0-33jΩ. Usando a fórmula para resistores em paralelo (R1.R2)/(R1+R2), obtemos
R1.R2 = (22.0 + 22.6j) * (0 - 33j) = (745.8 - 726j) R1+R2 = (22.0 + 22.6j) + (0 - 33j) = (22 - 10.4j) (R1.R2)/(R1+R2) = (40.5 - 13.9j)
O valor obtido (40.5 - 13.9j) é compatível com a simulação. A impedância imaginária (-13.9jΩ) é mais fraca que a original (+22.6jΩ), mas não é zero. Com um capacitor de 60µF, a impedância imaginária seria zerada.
Em eletrônica, fala-se muito em "casamento de impedância".
No sentido original, a ideia era maximizar a transferência de energia. Por exemplo, se a impedância interna do gerador é 600Ω, uma carga ótima também tem 600Ω. Impedância acima disso diminui a corrente, impedância abaixo disso aumenta a dissipação dentro do próprio gerador.
Quando queremos transferir apenas informação (áudio, vídeo, dados), normalmente apenas a tensão interessa, e o circuito acima poderia ser usado impunemente.
Dificilmente o circuito acima pode ser correto, pois sobrecarrega o gerador. Se o gerador não tiver uma impedância interna alta, pode queimar.
Para evitar isto, vale até casar a impedância da carga com um resistor extra. A transferência de tensão e de potência para a carga é prejudicada, mas pelo menos o gerador é preservado.
É possível casar impedâncias facilmente usando um transformador, porém o transformador só funciona em corrente alternada.
Amplificadores de áudio valvulados empregam um transformador de saída para casar impedância. Válvulas trabalham com alta tensão e baixa corrente, enquanto alto-falantes são dispositivos de baixa tensão e alta corrente. Neste caso, "casar impedância" tem a conotação de compatibilizar partes diferentes do circuito.
Aparelhos de áudio transistorizados têm impedância interna muito pequena, tendendo a zero. A tensão de saída do amplificador já é compatível com os alto-falantes. Ainda se exige uma impedância mínima dos alto-falantes, mas para limitar a corrente. Neste caso, "casar a impedância" tem o objetivo de limitar a potência, não maximizá-la.
Em resumo, até agora a impedância da carga foi escolhida de forma a
Em todos os casos acima, usar uma carga com impedância acima do ótimo não causa danos, apenas diminui a potência de saída.
Porém, há um quarto caso em que a impedância não pode ser nem mais baixa nem mais alta; tem de estar perto do ótimo.
Em geral, estudamos eletrônica assumindo que os circuitos estão num estado de equilíbrio geral. Como se fosse uma rede de vasos comunicantes onde adicionamos água a conta-gotas, não há perturbações bruscas e podemos assumir que o nível da água é igual em todo lugar.
Conforme aumenta a freqüência e/ou o comprimento da linha, este equilíbrio geral é prejudicado. Grosso modo, quando a linha tem mais de um décimo do comprimento de onda, haverá correntes e tensões bem diferentes ao longo da linha. A propagação ganha características de onda, pois o campo elétrico ao longo do circuito varia como uma onda, e propaga-se como uma onda.
Traçando um paralelo com cordas. Se você fizer um cabo emendando cordas de diferentes pesos e diâmetros, e esticar o cabo devagar para suspender algo pesado, nada estranho acontece. Mas se o cabo for "chicoteado", a onda sofrerá reflexos nas emendas.
Mas uma linha elétrica não é uma corda, então qual o mecanismo exato de reflexo? Ele acontece porque, no ponto onde a impedância muda, existe uma mudança brusca da relação entre tensão e corrente, ou entre campo elétrico e magnético. Isto cria campos estacionários naquele ponto, que funcionam como um gerador secundário.
No caso extremo de uma linha de transmissão sem carga, o campo elétrico acumula-se na ponta da linha, como uma mola, e volta quando a tensão baixa. O sinal refletido é igual ao original.
Note como isto é diferente de um circuito CC aberto em estado de equilíbrio, onde a corrente seria zero em todos os pontos.
O outro caso extremo é uma linha curto-circuitada. Neste caso a queda brusca da tensão para 0V gera um campo magnético que induz um sinal invertido em relação ao original.
Novamente, é bem diferente de um curto-circuito CC onde a tensão é zero em todos os pontos.
Hoje em dia temos equipamentos que permitem visualizar esses fenômenos diretamente numa linha elétrica, não precisamos nem recorrer mais a analogias. Este vídeo mostra as ondas indo e voltando num circuito CC, do momento do acionamento até atingir o equilíbrio.
Mas, e na CA da rede elétrica, estes fenômenos acontecem? A freqüência é baixa, mas não é CC, certo? A resposta é: depende do comprimento e das características da linha.
O comprimento de 1/10 de onda a 60Hz é 500km, então os efeitos eletromagnéticos começam a se fazer sentir se a linha tiver comprimento dessa ordem de grandeza. A regra prática é que linhas aéreas de até 80km são consideradas "curtas" e só precisam levar em conta a indutância, não a capacitância. Do ponto de vista da sua casa, o "gerador" é o transformador de rua que está a apenas um quarteirão de distância. Num circuito tão curto, o comportamento é basicamente igual a CC.
Em linhas de alta capacitância, por serem subterrâneas ou simplesmente por muito longas, o descasamento de impedância se manifesta pelo efeito Ferranti, que aumenta a tensão na ponta da linha quando a carga é muito pequena (e diminui quando a carga é muito grande). Nestes casos, é importante que a potência transmitida pela linha não seja nem muito baixa nem muito alta, correspondendo a uma carga cuja impedância case com a linha.
O fato de uma linha de alta tensão longa ser reativa, e essa reatividade afetar a tensão, é um problema mas também é uma ferramenta, pois permite a regulação de tensão mediante a simples inserção ou remoção das reatâncias de compensação que existem ao longo das subestações. É um método barato e sem perdas, que não existe numa linha de transmissão DC.
Cabos isolados de média e alta tensão são semelhantes a cabos coaxiais, porém muito mais complicados. A freqüência é baixa, porém o campo elétrico e a potência são muito altos, então qualquer "vazamento", mesmo que seja 0,0001% da energia, causaria uma falha espetacular.
Quando a linha de transmissão é longa, não basta que a carga possua a impedância correta. A própria linha de transmissão deve "parecer ter" esta mesma impedância. Do contrário, o sinal é refletido. Impedância característica é esta impedância aparente.
Por exemplo, os cabos coaxiais mais comuns têm impedâncias de 50Ω e 75Ω, mas se você medir a resistência com um multímetro, ela tende a zero. O que significam esses valores, então?
Uma linha possui capacitância e indutância, portanto ela armazena alguma energia, proporcionalmente ao comprimento. Podemos entender a impedância característica como a resistência ao carregamento ou descarregamento dessa energia. Se o comprimento da linha fosse infinito, a própria linha seria a única carga, e a impedância característica seria a impedância de carga.
Como dito há pouco, a impedância real de uma linha típica, como um cabo coaxial, tende a zero. A impedância característica não dissipa energia. Ela é apenas a relação entre o campo elétrico (V.m) e o campo magnético (A.m) criados no cabo.
É interessante notar que o campo elétrico no cabo é criado pela capacitância entre os condutores, e o campo magnético é criado pela indutância deles. Portanto, a impedância característica pode ser calculada com base na capacitância e na indutância por metro de cabo. Apesar de 100% originada por fenômenos reativos, a impedância característica não é reativa nem se altera com a freqüência do sinal.
Assim como se usa transformador para casar as impedâncias de gerador e da carga, também usamos para casar o gerador com a linha de transmissão, e a linha com a carga na outra ponta. O mais comum é usar um cabo da mesma impedância do transmissor, assim só precisamos nos preocupar com o casamento de impedância na ponta da carga.
Em linhas de alta tensão subterrâneas ou muito longas, também é necessário levar em conta a impedância característica, geralmente expressa como "potência natural" que corresponde a uma impedância de carga casada com a impedância de linha. Nas madrugadas de baixo consumo, o sistema elétrico chega a desligar algumas linhas para evitar um descasamento muito severo, que mercê do efeito Ferranti elevaria muito a tensão na ponta e poderia exceder a capacidade de algum isolador.
Esse último exemplo nos dá outra informação: os efeitos do descasamento de impedância característica da linha com a impedância real da carga não aparecem abruptamente em um nível específico de freqüência, potência e/ou comprimento da linha. Eles podem variar de negligenciáveis a fracos a severos, dependendo de todos esses fatores.
Em radioamadorismo é comum os transmissores pedirem uma antena de 50Ω, então usamos um cabo coaxial de 50Ω e uma antena dipolo que possui impedância de... 73Ω. Isto é um problema? Precisamos de um balun?
De fato parte do sinal (18%) é refletida na transição do coaxial para a antena. Porém, ao chegar no transmissor, o sinal é novamente refletido na direção da antena. (O transmissor pede uma antena de 50Ω, mas ninguém disse que ele tem impedância interna de 50Ω.) As reflexões vêm e vão até que toda a energia seja transmitida pela antena ou dissipada pela pequena resistência do cabo.
O sinal refletido pode ou não ser daninho ao transmissor. Vai depender do projeto. Aparelhos modernos aceitam uma ampla faixa de impedâncias, até porque a antena varia o tempo todo por fatores externos triviais — no caso de um walkie-talkie, basta aproximar a mão ou do rosto.
A combinação da onda produzida pelo gerador e das ondas refletidas nas pontas forma uma onda estacionária ao longo da linha. Por si só ela não significa muita coisa, a despeito do gigantesco folclore criado em torno. Ela é importante por ser fácil de medir.
Com base no ROE/SWR (Relação de Onda Estacionária/Standing Wave Ratio) medido, é possível formular hipóteses e tentar corrigir o problema. Infelizmente, o ROE não diz em que direção a impedância está desviando dos 50Ω. Entre impedâncias reais e complexas, as possibilidades formam um círculo. Há um diagrama chamado Carta de Smith que serve para traçar este círculo em função do ROE, entre outras coisas.
A obsessão dos radioamadoristas em torno do ROE próximo de 1:1 é um folclore à parte. Um ROE de 2:1 corresponde a apenas 11% de reflexo de sinal, e não 50% como o número parece sugerir. E, como dito antes, o sinal é refletido novamente, então não é necessariamente perdido, muito menos absorvido pelo transmissor.
Algumas soluções propostas para "corrigir" o ROE, como usar um grande comprimento de cabo na linha de transmissão, apenas introduzem resistência elétrica que dissipa o sinal na ida e na volta, dando a impressão que o ROE diminui, mas o causador do reflexo continua lá onde estava.
Falando em resistência, ela é um motivo legítimo para buscar um ROE razoavelmente baixo. Um sinal refletido dez vezes passa pelo mesmo cabo dez vezes, e é parcialmente dissipado a cada passagem. O sinal esquenta o cabo em vez de ser transmitido.
Em sinais que transportam grande quantidade de dados, como TV ou comunicação digital de alta velocidade, os reflexos podem bagunçar a informação, criando "fantasmas" na imagem. Neste caso, um ROE baixo é realmente necessário, mesmo à custa de perdas.
Existe uma enorme discussão se o ROE, por si só, pode queimar o transmissor. Muitos dizem que sim, pois a soma das ondas refletidas pode atingir tensões muito acima da tensão de trabalho do transmissor, talvez excedendo o limite de algum componente.
Outros afirmam que não, que o ROE alto é apenas o sintoma; o que realmente estraga o transmissor é a antena fora de sintonia. Diferente de um amplificador de áudio, um transmissor de rádio possui um circuito ressonante ou "tanque". Sem uma carga apropriada, a energia se acumula no tanque e acaba sendo dissipada ali mesmo, mas ele não é feito para isto.
Em aparelhos modernos, a potência é automaticamente reduzida quando um ROE muito alto é detectado. Baixar o ROE permite que o aparelho libere toda a potência, e este acaba sendo um grande motivador prático para tratar de melhorar o ROE.
Sem querer querendo o assunto deslizou para radiotransmissão, por conta do conceito de impedância característica que é mais importante em altas freqüências. Ladeira escorregadia, agora estamos obrigados a falar um pouco das antenas.
Antena é um componente que gera campos elétrico e magnético, de modo que os dois possam se combinar e formar a onda eletromagnética. Na região próxima da antena, denominada campo próximo, os dois campos ainda podem ser observados separadamente.
A antena também "casa" a impedância do vácuo (377Ω) com a impedância do circuito, como se fosse um transformador. Podemos afirmar, por exemplo, que uma antena dipolo (73Ω) embute um transformador 1:2.25, que multiplica a tensão a fim de chegar na relação ótima entre campo elétrico e magnético.
Como dito no começo do artigo, a impedância do vácuo é a relação entre o campo elétrico e o campo magnético que forma uma onda eletromagnética. R=E/I. Mas isto quer dizer que o componente elétrico é 377 vezes mais forte?
A resposta é não; isto é apenas uma conseqüência das unidades que utilizamos (V.m e A.m). Na média, cada campo carrega 50% da energia da onda. Uma libra de chumbo pesa a mesma coisa que 453g de algodão...
É bem verdade que os efeitos do campo elétrico são mais fáceis de ver e medir. A maioria das antenas é sensível ao campo elétrico, caso do dipolo. Mas existem antenas magnéticas que funcionam tão bem quanto.
Uma antena pode ser modelada como um circuito RLC, já que produz campo elétrico como um capacitor, e campo magnético como um indutor. O resistor do modelo supre a resistência de radiação. As freqüências de ressonância das antenas são aquelas em que as reatâncias de L e C cancelam-se. Resta apenas a resistência de radiação, que transforma energia elétrica em ondas de rádio.
As antenas loop ou magnéticas são literalmente um circuito LC: usam um capacitor variável para sintonia e o loop é um indutor de apenas 1 volta. Os radinhos AM possuem antenas de ferrite, cujo indutor é uma bobina com inúmeras voltas de fio fino.
Na antena magnética, o indutor é responsável pela irradiação e/ou recepção. Isto é possível pois a variação de um campo magnético produz um campo elétrico. Por este meio, o indutor produz ambos os campos. Mas o indutor deve possuir tamanho e formato apropriados para funcionar como antena, não basta ter a indutância correta.
Em antenas "patch" ou planares, acontece o contrário: o capacitor é a antena, o que é possível porque a variação de um campo elétrico produz um campo magnético. O capacitor deve possuir tamanho e formato apropriados, enquanto o indutor só provê sintonia.
Em freqüências não-ressonantes, a impedância total pode subir ou descer. No limite, em zero Hz (CC), um dipolo é um circuito aberto, enquanto um dipolo dobrado ou loop de qualquer gênero é um curto-circuito. Em frequências altas porém não ressonantes, a impedância é complexa; a antena tem comportamento parcialmente indutivo ou capacitivo.
Uma antena reativa é indesejável, pois como vimos bem antes, um elemento reativo absorve e devolve energia a cada ciclo — uma fonte adicional de reflexo de sinal. Também seria ideal que a antena tivesse resistência de radiação de 50Ω, que casa com o cabo coaxial mais comum.
Infelizmente, quase todas as antenas práticas possuem impedância diferente de 50Ω e/ou impedância parcialmente reativa. O jeito é usar um transformador ("balun") para casar a impedância total, e/ou um sintonizador de antena ("tuner") que adiciona capacitância para anular a indutância da antena ou vice-versa. O tuner é análogo aos circuitos de correção de fator de potência que abordamos anteriormente.
O balun não causa perdas, porém o tuner pode causar. A antena não deixa de ser reativa na presença do tuner. O que muda é que os reflexos de sinal ficam confinados entre a antena e o tuner. No caso de uma antena severamente fora de sintonia, muita energia é dissipada entre idas e vindas. Idealmente, a antena deve estar próxima da sintonia, e o tuner faz apenas o ajuste fino.
Mas em alguns projetos a antena não pode passar de certo tamanho, então é preciso abusar do tuner. Uma antena ruim ainda é melhor do que nenhuma. Muitas antenas portáteis (para automóvel, walkie-talkie) são "curtas" e possuem reatância capacitiva, e para compensar isto embutem um indutor. Aquelas antenas que parecem uma mola são antenas que "distribuem" esse indutor extra por todo o comprimento.
Isto torna os aparelhos portáteis viáveis, mas como dito antes, o sinal é refletido muitas vezes dentro do conjunto, e o rendimento é sempre menor que uma antena dipolo de meia onda.
"Balun" é sinônimo de transformador de impedância, embora o nome não seja rigorosamente correto. Um balun "puro" apenas adapta uma linha desbalanceada a uma antena balanceada. Na prática, o balun acumula esta função com o casamento de impedâncias.
Um cabo coaxial é uma linha desbalanceada. Em tese, a malha externa é aterrada e a energia flui apenas pelo condutor central. O cabo não irradia porque a malha externa blinda o condutor do mundo exterior.
Cabos de rede (daqueles azuis), cabos de telefone, o cabo chato de 300Ω que seu pai usava para a antena de TV, são linhas balanceadas. Não são blindadas, mas não irradiam (em tese) porque os condutores levam correntes iguais e opostas, aos pares.
Uma antena dipolo é uma antena balanceada. Ao ligar um cabo coaxial diretamente num dipolo, a malha externa é forçada a conduzir energia, fazendo o cabo irradiar. Se o cabo irradia, passa a fazer parte da antena e modifica todas as características da mesma.
O balun adapta o cabo coaxial à antena, evitando que a corrente volte pela malha. Existem diversos tipos. Pode ser um transformador 1:1, pode ser de uma relação diferente se também precisamos casar impedâncias.
Acima de uma certa frequência, um simples choque de RF é suficiente para bloquear a corrente de retorno. Basta formar uma pequena bobina com algumas voltas do próprio cabo coaxial, com núcleo de ar ou de ferrite.
Este indutor não tem efeito sobre a corrente que trafega pelo centro do coaxial, graças à blindagem da malha. Apenas a corrente da malha externa percebe a restrição.
É realmente preciso usar um balun? Muita gente conecta um cabo coaxial numa antena dipolo, sem balun, e tudo parece funcionar bem...
Segundo alguns, a realidade da "corrente de retorno" do cabo coaxial é um pouco mais complexa. A malha coaxial não é isenta de corrente como normalmente se diz. O caso é que, no caso ótimo, esta corrente ocupa a camada interna da malha, que ainda é blindada pela camada externa, esta sim idealmente isenta de corrente.
Quando o coaxial é conectado na antena dipolo, um lado do dipolo está conectado a todas as camadas da malha, e a corrente de retorno se divide, sabe Deus em que proporção. Se a corrente preferir a camada interna, tudo fica bem. Se uma parte substancial escolher a camada externa, haverá problemas. Os baluns e choques RF bloqueiam apenas as correntes que tentam usar a camada externa.
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