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Resenha: A história do Trem no Contestado

Sou do tempo em que era costume dar eletrodoméstico de presente no Dia das Mães. Espremedor, liquidificador, essas bossas. Um escândalo, pelo zeitgeist feminista hodierno.

Aliás, hoje em dia a coisa tá tão moderna, que são os homens quem recebem "utensílios de cozinha e bar" no Dia dos Pais. E achamos o máximo. Eu ganhei uma cafeteira italiana, estou "hyper" de cafeína desde o último domingo.

Mas comprei um presentinho adicional para mim mesmo: um livro. Sobre trens (grande novidade, né?). Do professor Nilson Thomé: História do Trem no Contestado.

Sempre que adquiro um livro, redescubro que a Internet ainda está longe de conter todo o conhecimento humano, em particular quando procuramos informação mais aprofundada.

Contestado, a nossa Canudos

Os ingredientes da Guerra do Contestado são parecidos com os da Guerra de Canudos: messianismo; injustiças sociais; uma República jovem (essencialmente um regime militar) morrendo de medo de qualquer movimento monarquista.

Uma grande diferença é que faltou, no Contestado, um Euclides da Cunha a registrar, analisar e publicar os acontecimentos. A outra peculiaridade é a ferrovia que cortou o teatro de guerra, que trouxe o progresso mas também a desgraça para os caboclos e índios que já habitavam a região.

Assim, falar de Contestado implica em falar da ferrovia Itararé-Uruguai, mais especificamente do trecho que corta o meio-oeste catarinense e que convencionou-se chamar Ferrovia do Contestado.

O livro explica muito bem os interesses em jogo, os métodos de atração de investidores, até mesmo os valores praticados na época.

O autor delimitou bastante o assunto do livro, mas em compensação estendeu a cobertura histórica do trecho ferroviário até os dias de hoje, passando pelas administrações da RVPSC e da RFFSA.

O governo pagou caro em termos de concessões (terras e garantia de juros) porque queria aquela região ocupada o mais rápido possível. Existia um medo muito grande que a Argentina, sendo um país mais desenvolvido à época e cobiçosa (até hoje!) de territórios, resolvesse aumentar o tamanho da província de Misiones às nossas custas.

Trilhos cheios de curvas

Uma semi-lenda que conheço desde pequeno, é que as ferrovias da época eram construídas com muitas curvas porque o governo pagava por quilômetro.

O livro esclarece bem esta questão, é uma história interessante e faz pensar como é difícil definir boas métricas.

Na verdade, acontecia o seguinte: o governo garantia uma remuneração mínima de 6% ao ano sobre o investimento. O concessionário naturalmente esperava ganhar mais que isto, e o governo também, de modo que a garantia não fosse realmente exercida.

Porém, esta garantia era limitada a 30 contos de réis por quilômetro. Com este valor, não era possível construir obras de arte caras como túneis ou pontes grandes. O jeito era aproveitar o relevo tanto quanto possível; e tome curva no trilho.

Um caminho com muitas curvas acaba ficando muito mais comprido. Mais quilômetros, maior o valor cuja remuneração estava garantida pelo governo. A perversidade da economia burra.

O trecho da ferrovia Itararé-Uruguai entre Itararé/SP e Jaguariaíva/PR, construído por Teixeira Soares, ficou tão ruim que o próprio Percival Farquhar, o protótipo do capitalista explorador, denominou-a "o crime de Jaguariaíva". Teixeira Soares disse a um amigo: "é uma ferrovia de guarda-livros, não de engenheiros".

Aliás, estes 30 contos por km causaram o primeiro desentendimento de Farquhar com o governo brasileiro. Farquhar tinha entendido que era uma média (custo total dividido pela distância total) quando na verdade era um limite aplicado a cada km.

A documentação sugere que o trecho catarinense, construído por Farquhar, é melhor que o trecho de Jaguariaíva (embora ainda sofrível, em termos absolutos) exatamente por conta desta diferença de interpretação.

Trabalho de uma vida

Na verdade eu queria um outro livro do mesmo autor, publicado em 1980, mas não encontrei à venda. O velho problema de livros que, mesmo sendo excelentes, têm baixa tiragem e desaparecem das lojas, encontram-se no máximo em bibliotecas de universidades, tal qual monografias.

Aparentemente o Nilson Thomé, nativo de Caçador, é a grande autoridade no assunto Contestado. De forma esperta, o autor "fatiou" os diversos aspectos de sua pesquisa histórica, e lançou diversos livros, cada um com uma temática bem específica: índios, chimarrão, trem, etc.

Estamos em 2012. Se ele lançou o primeiro livro em 1980, imagine há quantas décadas o professor já dedicou ao assunto...

Lançar tantos livros, cada um com pequena tiragem, só é viável por conta de um esquema novo e interessante: o Clube de Autores, que oferece os serviços de e-commerce e impressão. Cada livro só é realmente impresso no momento da compra.

O autor tem completa autonomia sore o conteúdo; o Clube apenas imprime o PDF. O tal livro que comprei usa fonte Verdana, que um diagramador profissional provavelmente teria evitado. Mas é apenas um detalhe — fácil de consertar numa próxima edição (#ficaadica).

Veja a lista de livros do Nilson Thomé. Obviamente pretendo adquirir mais itens da "coleção" conforme seja possível.