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A ferrovia particular da Lumber

A Southern Brazil Lumber & Colonization Company, mais conhecida como "Lumber", foi uma empresa montada por volta de 1915 para explorar a madeira e promover a colonização das terras pertencentes à empresa ferroviária EFSPRG. Como pagamento pela construção da ferrovia Itararé-Uruguai, o conglomerado pertencente a Percival Farquhar recebeu enormes extensões de terras devolutas ao longo da própria ferrovia. A Lumber também procurou adquirir glebas adicionais às margens da Linha São Francisco, que não tinha rendido concessão de terras devolutas.

A maior serraria da Lumber funcionou em Três Barras/SC, perto da estação ferroviária que existe até hoje. Diversas fontes mencionam que havia uma ferrovia particular de 32 km, precária, com o objetivo de explorar a mata de araucária mais profundamente. Como não havia caminhões e tratores naquela época, toda a logística da madeira, do corte ao despacho para o consumidor, dependia da proximidade de uma linha de trem.

Não há muitas informações sobre o traçado ou mesmo direção dessa linha particular. Como a Lumber faliu em 1917 e foi encampada pelo governo em 1940 para ser desativada, é compreensível que os vestígios tenham quase todos desaparecido, embora o extrativismo da madeira seguiu economicamente importante na região até os anos 1970. (A madeira continua sendo relevante, porém agora são reflorestamentos e indústrias de papel e celulose.) Conforme dito antes, a tal ferrovia particular era muito precária e naturalmente provisória, pois seu propósito desaparecia conforme todas as madeiras eram extraídas da região por onde passava.

Mas, curiosamente, o mapa cartográfico do IBGE da região (título "Canoinhas", escala 1:100.000) exibe uma ferrovia abandonada, de comprimento e traçado compatíveis com a tal ferrovia da Lumber:

Figura 1: Mapa indicando a antiga ferrovia particular da Lumber, entre Canoinhas e Major Vieira/SC

O mapa é de 1976, portanto há inúmeras incorreções nele em relação aos dias atuais, principalmente estradas que existem no mapa mas desapareceram do mundo real. Por outro lado, a antiguidade do mapa conta pontos a favor quando se trata de falar do passado: é plausível que ainda houvesse vestígios da ferrovia da Lumber em 1976. Assim como é plausível que tais vestígios tenham desaparecido completamente: já passou mais tempo de 1976 a 2016 do que de 1940 até 1976.

Algumas pessoas que se interessam por ferrovias já me disseram que o mapa do IBGE está equivocado, que anotou como ferrovia abandonada um caminho comum. É uma possibilidade, porém não acredito nela. Os mapas do IBGE costumam ser muito bem-feitos e precisos, embora estejam ficando defasados.

Assim sendo, o jeito era conferir in loco. Segundo o mapa, a tal ferrovia cruzava a atual Floresta Nacional de Três Barras e depois ia na direção da atual cidade de Major Vieira. Foi fácil dirigir pelo asfalto até um ponto em que, segundo o mapa, a ferrovia cruzava com a estrada. E de fato continua havendo uma estrada, porém de rodagem, no local indicado:

Figura 2: Possível leito da ferrovia particular da Lumber, entre Canoinhas e Major Vieira/SC, indo do asfalto para oeste.

Figura 3: Possível leito da ferrovia particular da Lumber, entre Canoinhas e Major Vieira/SC, indo do asfalto para leste.

Não é possível ter 100% de certeza que as estradinhas coincidentes com a indicação do mapa já foram segmentos do "ramal da Lumber". Mesmo ferrovias-tronco convertidas para estradas de rodagem há meros 20 anos, como a Itararé-Uruguai, já não exibem resquícios ferroviários óbvios, exceto onde havia uma ponte ou viaduto. A ferrovia da Lumber certamente tinha apenas pontes provisórias de madeira e dormentes assentados diretamente no barro, sem lastro de pedra.

Mas há alguns sintomas de que ali houve mesmo uma ferrovia. Primeiro, porque as estradas são estreitas e de curvas suaves.

Segundo, que as estradas acabam em porteiras. Se o IBGE tivesse tomado uma estrada de rodagem pela ferrovia, seria razoável supor que a estrada continuaria por toda a extensão. O fato da estrada ser interrompida é mais consistente com o que aconteceu com as terras exploradas pela Lumber: uma vez espoliadas das madeiras nobres, eram vendidas para colonos que até preferiam a terra limpa para atividade agropastoril.

Figura 4: Possível leito da ferrovia particular da Lumber, entre Canoinhas e Major Vieira/SC. A oeste da rodovia.

Para quem quiser dar uma olhada, basta pegar o mapa cartogáfico "Canoinhas" na loja do IBGE (os mapas são caros, porém o IBGE oferece uma versão para download gratuito cuja resolução é suficiente para propósitos amadores). Depois, é só pegar o carro e dirigir até as imediações de Major Vieira, ou entrar na Floresta Nacional de Três Barras (que eu não sei se é permitido, apesar de já ter ido lá).

Figura 5: Possível leito da ferrovia particular da Lumber, entre Canoinhas e Major Vieira/SC. A oeste da rodovia.

Figura 6: Possível leito da ferrovia particular da Lumber, entre Canoinhas e Major Vieira/SC. A oeste da rodovia.

Perto da Floresta Nacional, há um local que não visitei mas parece ser o "sítio arqueológico" mais promissor, onde a ferrovia da Lumber cruzava o rio Canoinhas. Essa é a única região onde parece haver "sintomas" claros do traçado, bem aparentes no Google Earth. E se houve uma ponte ferroviária por ali, mesmo que provisória, deve haver vestígios.

Infelizmente, esse local não pude visitar ainda, porque chegando "por baixo", pela rodovia que leva a Major Vieira, as estradas acabam em porteiras metálicas com claros avisos de entrada proibida. Chegando pela Floresta Nacional, não parece haver caminho de fácil acesso.

Figura 7: A ferrovia devia passar em algum lugar lá embaixo, talvez na linha do reflorestamento. Foto tirada a leste da rodovia.

Acabei entrando na Floresta Nacional de Três Barras numa segunda visita à região. É uma opção de lazer muito usada pelos canoinhenses, há quiosques para fazer churrasco e campo de futebol. Basta fornecer os dados ao vigia.

O vigia não sabia nada sobre vestígios de ferrovia, mas indicou uma trilha que ia na direção oeste. É facilmente praticável com 4x4 pois reaproveita antigas estradas de rodagem que inclusive constam no mapa, mas o povo tinha estacionado em massa na entrada do caminho. O jeito foi ir à pé mesmo.

Usando o celular, fui andando até o local aproximado onde eu deveria estar cruzando com o antigo leito, e encontrei isto:

Figura 8: Caminho tomado pelo mato. Poderia ser o que procurávamos?

É um caminho antigo, há muito não utilizado. Pode ter sido qualquer coisa, até uma ferrovia. Às vezes a gente vê o que quer ver... A favor a hipótese da ferrovia, contam a posição no mapa, a curva redondinha, a largura, o tipo de mato que tomou o caminho (o solo recebeu algum tipo de revestimento ou tratamento que inibe arbustos e árvores).