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Picapes são antropomórficas?

Figura 1: Fonte: Radicci, quadrinho de Carlos Henrique Iotti

O quadrinho acima faz muito sentido para mim. Exceto que olho para uma traseira de picape com volúpia mesmo, não é para disfarçar. Acredito que parte da atratividade das picapes é justamente seu formato antropomórfico.

Talvez isto seja um exagero, uma aproximação mais aceitável seria dizer que picape é "equinomórfica", o perfil lateral lembra vagamente o de um cavalo, ou do centauro, com a cabine mais alta que o resto da carroceria, assim como a cabeça do cavalo ou o torso do centauro se destaca do resto do corpo.

A comparação da traseira automotiva com nádegas continua válida porque o cavalo é talvez o único animal a possuir um traseiro que lembra a bunda humana: arredondado e relativamente largo.

O cavalo é associado simbolicamente à força, liberdade, vida rural (lembra das propagandas de Marlboro?) e as picapes têm as mesmas conotações. Cavalos precisam ser domados e precisam ter intimidade com o dono para serem manejáveis, as picapes não são diferentes nesse sentido; existe uma chance real de um neófito morrer ao pilotar picape ou montar cavalo, principalmente se o fizer de forma descuidada.

A frente de uma picape — na verdade, de qualquer veículo — é mais fácil de aceitar como antropomórfica. Os faróis são olhos, a grelha do radiador é a boca, a entrada de ar é o nariz. Alguns modelos esportivos colocam uma tomada de ar no capô, sugerindo narinas poderosas. Uma das picapes mais bem-sucedidas, a Dodge Ram, deve o sucesso à aparência frontal lembrando um javali ou porco-do-mato — animal que é símbolo internacional de coragem obtusa e confrontação. Carros mais antigos, tipo o Buick Roadmaster, eram flagrantemente ameaçadores na aparência dianteira, cheias de cromados, como caveiras mostrando os dentes. O Dodge Charger R/T com seus faróis escondidos lembra um assassino com óculos escuros, ou olhos ocultos pela sombra do chapéu, como Freddy Kruger.

Olhar para a traseira de um carro, ou de uma picape, e enxergar ali antropomorfismo, exige um pouco mais de imaginação. Talvez por isso mesmo, desenhar um carro com traseira atraente seja muito mais difícil. Poucos carros têm uma bunda realmente bonita, ainda que a maioria tenha laterais e frente aceitáveis. É basicamente o contrário do que ocorre na espécie humana onde as "Raimundas" abundam.

Shall we begin?

Figura 2: Ford F-100 modelo 1953

Por exemplo, a picape F-100 dos anos 1950, é de certa forma a representação da mulher americana considerada ideal na época (e ainda hoje, até certo ponto): "frente ampla" e um traseiro estreito, quadrado, durinho sem precisar estar arrebitado. A caçamba da F-100 é retangular, estreita e cabe entre as faces internas dos pneus.

Um detalhe adicional da F-100 são os caixas de roda traseiras protuberantes, que lembram culotes — uma parte da anatomia feminina mais apreciada nos anos 1950 que hoje em dia. O culote é a grande nêmesis das mulheres que tentam caber em calças de cintura baixa. (Ao contrário do que elas pensam, nenhum homem de verdade vê problema em culote. O ponto é que era cinematográfico nos anos 1950, agora não é.)

Mas como tudo despenca com a idade...

Figura 3: Ford F-100, modelo dos anos 1970

A traseira das versões mais recentes da F-100 tornou-se algo horrível. Parece a traseira larga e caída de uma matrona. Muita largura pra pouca altura, dando uma impressão geral de cansaço.

No mesmo caminho vão as traseiras da F-1000 e da D-20, a D-20 pelo menos dá uma impressão geral de "abundância" olhada de trás, mas curvas ali, passaram longe. Em contraste, a Silverado tem uma traseira larguíssima mas a lata é em curva, sem as reentrâncias de metal estampado, muda completamente o caráter para melhor.

Figura 4: Mitsubishi L200 Triton

A L200 Triton tem um traseiro cujo equivalente feminino agradaria à maioria das culturas: não é excessivamente largo, mas é suficiente. Certamente é mais largo que o da F-100 original.

E é arrebitado, levantado, chega a ser ousado em mostrar de forma escancarada os componentes da parte de baixo — o equivalente veicular de evidenciar o relevo do "capô de Fusca".

Figura 5: Chevrolet S-10, modelo 1997

A S-10 é um caso sério. A traseira da primeira versão eu considerava extremamente atraente. Era larga mas bastante alta também, mantendo uma proporção. As curvas dos faróis, dos estribos, pára-lamas etc. colaboravam com o conjunto. A traseira dava a impressão de ser levantada e arrebitada, sem ser, e sem mostrar seus órgãos inferiores. A S-10 era equivalente a uma mulher linda e bem-dotada, mas comportada: mulher pra casar. Com a minha S-10 eu fiquei "casado" por dez anos.

Figura 6: Chevrolet S-10, modelo 2002

Figura 7: Chevrolet S-10, modelo atual

Na minha opinião, conforme a S-10 foi sendo revisada, a bunda foi ficando cada vez mais quadrada e caída. A versão atual tem inclusive um enorme e pudico estribo para esconder o diferencial e demais órgãos da parte de baixo. Certamente continua sendo uma bunda grande, que muita gente gosta, para muito homem é tudo quanto basta; e de fato a S-10 continua vendendo bem.

Figura 8: Ford Ranger, modelo dos anos 90/início de 2000

Algo parecido acontece com a Ranger: a versão original era, na minha humilde opinião, mais bonita. Tinha uma bundinha estreita porém bem-formada, parecia arrebitada sem ser, mostrando um pouquinho da parte de baixo, um toque de ousadia. Se a mulher equivalente à F-100 original tivesse uma neta, seria equivalente à Ranger original.

Figura 9: Ford Ranger, modelo atual

A Ranger mais nova é aquela mesma menina, neta da F-100, mas que deixou de ser uma mocinha e virou uma senhora. A bunda alargou e perdeu a leveza original. Não chegou a ficar caída (afinal hoje em dia existe cirurgia plástica) mas nenhum homem a confundiria com uma novinha, por mais que abuse de roupas ousadas e cores berrantes.

Figura 10: Nissan Frontier

A Nissan Frontier também tem uma traseira atraente, mais ou menos na direção da S-10 original: larga porém com muita altura, o que leva a uma proporção agradável. Também tem a lata arredondada e sem corrugados, levemente arrebitada e erguida para cima, sem revelar muito da parte de baixo.

A traseira da Amarok é tecnocrática como o traseiro da mulher alemã média. Nem coloquei foto, para poupar o leitor do espetáculo deprimente.

A traseira da Hilux é talvez a mais "neutra" de todas que conferi durante a composição deste texto. É uma traseira feita sob medida para não causar nenhuma sensação, nem de atração nem de repulsa. Aliás, a frente da Hilux também é inexpressiva ao extremo, principalmente antes da reestilização de 2015. O único detalhe da traseira da Hilux é que é realmente empinada, revela muito da parte inferior.

A Hilux é bonita nas laterais e faz de tudo para conduzir o olhar para este lado — como aquela mulher que quer se preste atenção em seu desempenho profissional, não nas suas formas.