Ontem foi um daqueles raros dias na vida em que a) tudo dá absolutamente certo, e b) o tempo não passa voando.
Depois de vários adiamentos, saiu a "peregrinação" pela estrada de ferro São Francisco, mais especificamente na serra do Rio Natal (São Bento do Sul/SC), e ainda mais especificamente num trecho denominado "Rabo do Macaco", devido a sua sinuosidade.
Infelizmente o Felix não tem idade para ir nessas roubadas, então ficou com os avós, que desta vez tinham disponibilidade para cuidar dele.
A previsão do tempo era chuva fraca, mas decidimos ir assim mesmo. Para nossa surpresa, fez um dia com céu perfeitamente limpo, coisa rara na terrinha, e ainda mais na região da serra.
Outra coincidência é que o passeio mensal da maria-fumaça da ABPF/SC (de que já falei em outros posts) seria justamente ontem (só descobri isso dois dias antes, e obviamente fiquei bastante contente).
Grosso modo a ferrovia acompanha de perto a Estrada Geral do Rio Natal, exceto onde a estrada sobe rápido demais, caso em que a ferrovia tem de voltear para manter a declividade máxima de 3%. Grandes volteios acontecem apenas na área da estação abandonada, e no Rabo do Macaco.
No screenshot do Google Earth, pode-se ver a ferrovia indo de um lado a outro, quase dando um nó, em curvas perfeitamente redondas, enquanto a estrada segue reto no meio do mapa, de baixo para cima.
O atrativo de percorrer à pé este trecho da ferrovia é a sua grande concentração de túneis, viadutos, muros de contenção, etc. Além de bonito, o único acesso ao sítio é pela própria ferrovia, então é um lugar desabitado, de natureza bastante preservada.
Na verdade, minha ambição é descer os 20 ou 25km da ferrovia à pé, mas esta vai ser uma atividade com logística mais difícil, e eu queria saber como andava meu preparo físico. Fazer uma versão "mini" da caminhada me daria uma noção eo esforço.
Um probleminha desse passeio é que teríamos de fazer uma volta completa: subir um desnível de 170m, e depois descer, para chegar novamente ao carro. Será que daríamos conta? Decidimos subir pelo trilho (cuja inclinação é menor) e descer pela estrada, andando um total de 8km.
Como a ferrovia cruza novamente a estrada no meio do caminho, poderíamos desistir na metade do caminho.
Outro problema era o medo do túnel, já que da última vez nos acovardamos para entrar no túnel 1 (o mais longo do trecho). Mas descobrimos que os três túneis do Rabo do Macaco são tão curtos que se vê a luz do outro lado. As lanternas que levamos não foram necessárias.
Durante a semana ficamos brincando, eu e a Ana, sobre quem iria pedir arrego primeiro, por medo ou por cansaço. Felizmente para nossos egos, ninguém pediu arrego. Deve ter ajudado a "comida energética" que levamos, uma invenção dos meus tempos de mountain bike: Coca-cola e salgadinhos.
Um risco bem real nesse tipo de passeio é o trem aparecer num lugar mais estreito. Além dos túneis e viadutos sem qualquer proteção ou passarela, há diversos cortes onde o trem passa "tirando faísca" do paredão. Resta apenas se jogar na valeta de drenagem e rezar para não haver um vagão descarrilado.
Como sabíamos que a maria-fumaça passaria duas vezes enquanto andávamos, fomos bem ressabiados. Assim que paramos o carro para começar a caminhada, ouvimos o apito dela, bem distante. E agora, fica esperando ou não?
Como o trecho é um grande vale, ouve-se o apito do trem muito longe, e estimei que ainda faltava meia hora para ela chegar ali. E assim foi; subimos um bom trecho até encontrarmos um ameaçador corte estreito, com o apito cada vez mais próximo.
A ferrovia faz um laço tão apertado naquele ponto que pudemos ver a locomotiva descendo, por entre as árvores, mais acima, para então fazer a volta e passar por nós. Estaríamos livre do "perigo" por mais uma hora e meia, até o mesmo trem a vapor tornar a subir.
Como de costume, o capricho da ferrovia centenária impressionou. Confirmei a impressão de que esses túneis (feitos no barro e revestidos internamente com pedra) têm pouco morro por cima deles, e foram feitos para evitar cortes muito fundos, que desmoronariam o tempo todo.
Por outro lado, há cortes tão fundos em outros pontos que poderiam ser túneis, mas esses cortes são na pedra pura.
Passamos o primeiro cruzamento (3km de caminhada) e para nossa surpresa estávamos bem dispostos. Decidimos continuar pelo "laço oeste" do Rabo do Macaco.
Essa parte fica sobre um topo de morro que pertence a outro vale, e estava ventando muito forte, de modo que não poderíamos ouvir o trem chegando, senão quando estivesse muito perto.
Como a ferrovia descreve ali uma trajetória semelhante a um laço ou pingo, o negócio era andar rápido para chegar no lado alto. Seria fácil então ouvir o trem no lado baixo, com tempo de sobra para precaver-se.
E foi bom ter apertado o passo, pois o "pesadelo" se confirmou: só ouvimos mesmo o trem quando estava muito perto. Isto foi exatamente antes de atravessarmos um longo viaduto. Ficamos esperando para fazer o filminho e tirar a foto mais batida do mundo: um trem passando em cima de uma ponte.
Novamente o vapor estava subindo com pressa (como no mês passado) e isto costuma significar que outro trem de carga vai subir em seguida. Foi exatamente o que aconteceu, mas o espaço obrigatório entre trens seria suficiente para terminar nossa peregrinação ferroviária.
Logo que começamos a voltar pela estrada de terra, ouvimos a buzina de um auto de linha (aqueles trenzinhos pequenos que transportam trabalhadores), provavelmente no sentido de descida.
O timing foi perfeito: chegamos ao carro exatamente a tempo de filmar o auto de linha.
No caminho de volta para casa, ouvimos um trem de carga subindo. Era realmente o meu dia. Paramos num cruzamento e filmamos também este trem da ALL.
Apesar do exercício físico fora do trivial, não ficamos tão moídos quanto esperávamos. Para dizer a verdade, me senti mais disposto neste fim de dia do que em muitos outros passeios onde apenas dirigi o carro.
Aqui está o playlist dos filminhos que fiz ao longo do passeio: