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Eficiência de (super)mercado

Imagine um supermercado cheio de gente. Você já encheu o carrinho e seu objetivo é sair de lá o mais depressa possível. As filas dos caixas parecem estar todas bem compridas. O que você faz?

a) Passa olhando todos os caixas, e entra na menor fila;

b) Passa olhando todos os caixas, mais de uma vez se for necessário. Olha com atenção a quantidade de compras nos carrinhos. Olha bem a cara dos clientes para estimar quem é lerdo, e escolhe a fila que seria a mais rápida, pela sua análise ponderada;

c) Usa bola de cristal e lê a mente dos clientes para adivinhar a melhor fila;

d) simplesmente entra na fila mais próxima, desde que não seja flagrantemente mais comprida que as outras mais próximas, pois é perda de tempo procurar a fila mais rápida;

e) faz o mesmo que (d), porém nem mesmo compara a sua fila com as filas ao lado, pois até isso é perda de tempo.

Se você perguntar a pessoas próximas, vai constatar que cada estratégia tem adeptos. E cada um vai defender a "sua" estratégia com unhas e dentes, considerando-a superior às demais. Se alguém que escolhe filas a dedo discutir com alguém que não se dá a esse trabalho, teremos uma discussão religiosa sem fim, quiçá uma briga.

Esse exemplo ilustra muito bem a hipótese de eficiência de mercado, e a forma que as pessoas posicionam-se em relação a ela. O mercado é análogo ao conjunto de caixas; os investimentos ruins são análogos às filas lentas, e os investimentos campeões são as filas rápidas. Assim como os investidores escolhem investimentos, os clientes de um supermercado escolhem as filas.

O cliente que adota a estratégia (a) acredita que os demais clientes do supermercado são altamente imbecis, e uma simples varredura nas filas, observando apenas o comprimento da fila, identificará uma fila boa.

Já o praticante da estratégia (b) respeita um pouco mais as pessoas, e sabe que dificilmente achará uma fila muitíssimo mais curta que a média. Porém ele usa sua inteligência para tentar ser mais esperto que os demais, e cria métricas mais sofisticadas — eventualmente baseadas em preconceitos, como achar que mulheres atrasam o andamento da fila, etc.

O cliente tipo (c) não acredita muito nas estratégias (a) e (b), mas possui informações secretas, que os demais não podem ter, e tenta extrair vantagem disso. Note que o cliente tipo (c) não existe, porque ler a mente não é possível, nem existe bola de cristal. Mas esse tipo fictício vai ser útil nas comparações mais à frente.

Já o cliente da estratégia (d) acredita que o supermercado está cheio de espertinhos dos tipos (a), (b) e (c); e que devido a isso as filas auto-regulam-se, ficando aproximadamente todas iguais. Ele acredita que a única estratégia razoável para sair rápido do supermercado é justamente não perder tempo escolhendo a fila.

Porém ele sabe que as filas podem apresentar diferenças transitórias muito grandes. Assim, ele ainda dá uma olhadela nas filas próximas — quem sabe não seja o dia de sorte de pegar uma fila pequena?

O cliente do tipo (e) é igual ao tipo (d), porém ele nem mesmo olha as outras filas. Se houver uma fila muito menor que as outras, ele é capaz de evitar entrar nela. Ele confia tanto na auto-regulagem das filas que uma fila menor deve ter algo errado, como um caixa próximo de fechar ou um ladrão armado ameaçando o atendente.

O mercado eficiente é aquele onde os preços refletem a melhor estimativa do valor das coisas. Em resumo, ele auto-regula oferta e demanda. Isto não quer dizer que não haja preços distorcidos no mercado. Provavelmente todos os preços estão distorcidos! Porém essas distorções dever-se-iam a oscilações aleatórias e fatores ainda desconhecidos do mercado. E ninguém seria capaz de tirar vantagem dessas distorções.

Bolhas e pânicos não deixam de existir dentro da doutrina do mercado eficiente, são simplesmente reações ao conhecimento atual dos participantes do mercado (otimistas demais ou pessimistas demais). Os proponentes do mercado eficiente apontam que o "otimismo desenfreado" das bolhas e pessimismo dos pânicos só ganham esses rótulos quando analisados do ponto de vista histórico. É muito fácil dizer que uma bolha era "óbvia" 20 anos depois que ela aconteceu.

O fato é que mercados têm alguma eficiência, porque afinal de contas eles "calculam" preços que em boa parte do tempo são razoáveis. Assim como as filas de supermercado normalmente tendem a apresentar comprimentos parecidos. A questão é "quão" eficiente é o mercado.

Apesar de ser crença generalizada hoje em dia que os mercados são muito eficientes, isto ainda é apenas uma hipótese, e existem pilhas de evidências a favor e contra a eficiência "forte" do mercado. Existem basicamente três "sabores" na hipótese de eficiência do mercado:

* Hipótese da eficiência fraca: o mercado está longe de ser perfeitamente eficiente.

* Eficiência semiforte: o mercado é bastante eficiente, mas pessoas com informações privilegiadas conseguem levar a melhor.

* Eficiência forte: o mercado é tão eficiente que ninguém consegue, numa média de longo prazo, levar a melhor.

Os clientes tipo (a) e (b) do supermercado acreditam na eficiência fraca do mercado. Assim como eles procuram filas melhores, provavelmente eles acreditam em escolher bem seus investimentos, e talvez acreditem em intervenção do governo para corrigir distorções na economia, etc.

Poderíamos comparar os clientes (a) com investidores fundamentalistas, pois eles baseiam suas decisões de investimento em análise de balanço. O balanço é uma informação pública e uma métrica relativamente simples.

Já o cliente (b) poderia ser comparado a um investidor grafista, que não acredita em balanços por serem simplistas demais, porém trabalha com técnicas mais abstratas, analisa padrões de comportamento, etc. Outro possível tipo de cliente (b) é o fundamentalista com um "flash" adicional, que seja capaz de enxergar além do balanço e antever coisas como inflação, crescimento, taxas de juros.

Os clientes tipo (c), embora não existam no supermercado, podem existir no mercado financeiro na forma de "insiders", aqueles que possuem informações privilegiadas que ainda não foram a público. Eles acreditariam num mercado semiforte (forte para a maioria porém fraco para os espertalhões).

A existência de entidades como a SEC americana e a CVM brasileira deriva da crença num mercado semiforte, onde é importante combater o "insider trading" por ser danoso aos investidores "normais".

Os clientes tipo (d) e (e) podem ser comparados a investidores que colocam toda a sua fé no mercado. Eles acreditam que nem mesmo os "insider traders" têm vantagem consistente no longo prazo, devido ao fato do "insider trading" ser rapidamente descoberto e imitado; além de que fatores imponderáveis podem melar até uma "tacada certeira" baseada em informações privilegiadas.

Fazendo uma analogia com o supermercado, o cliente tipo (c) pode ter lido a mente das pessoas na fila, mas não conseguiria prever que alguém borraria a última folha de cheque, causando embaraço e demora totalmente inesperados. O cliente tipo (d) sabe disso e conforma-se.

Vamos enquadrar alguns investidores famosos nessa crença. Warren Buffett acredita que o mercado é fracamente eficiente; ele é um cliente de supermercado tipo (b). Chegou mesmo a dizer que "se os mercados fossem mesmo eficientes, eu seria um mendigo catando moedas na sarjeta". Considerando seu sucesso como investidor, Buffett pode ser tomado como uma grande evidência contra o mercado eficiente.

Ben Graham, o "Batman" do Buffett, era um cliente tipo (a): ele acreditava que a simples análise dos balanços e de fatos óbvios era suficiente para escolher bons investimentos. Warren Buffett considera que a estratégia de Graham é simplista demais para os dias de hoje.

Peter Lynch é um investidor entre os tipos (a) e (b); ele acredita em métricas simples, mas também presta muita atenção a itens completamente fora do universo das finanças. É dele a famosa recomendação de investir em empresas cujos produtos você conhece e gosta. Alguns detratores acusam Lynch de acompanhar "de perto demais" as empresas que compõem o seu fundo, o que o classificaria como um "insider trading" (tipo c).

É interessante notar que esses três monstros sagrados das finanças não acreditam em análise técnica (grafismo), e consideram importante economizar dinheiro em transações, evitando ao máximo ficar comprando e vendendo na tentativa de capturar os altos e baixos do mercado. Neste aspecto particular, eles têm um quê de crentes no mercado forte — aproximam-se do cliente (e) que não perde tempo olhando as filas.

Finalmente, é curioso constatar que o mercado precisa de todos os "tipos" de investidores para funcionar, e até mesmo para ser eficiente. Se não houvesse espertinhos como (a), (b) e (c), distorções de preço não seriam consertadas — e as filas ficariam cada vez mais disparatadas, com todo mundo entrando cegamente numa única fila, deixando as demais ociosas.

Por outro lado, se não houvesse gente que entrasse em qualquer fila sem esquentar a cabeça, se todo mundo quisesse ser espertinho o tempo todo, todos ficariam tentando competir entre si para entrar na menor fila, perdendo muito tempo com isso, em vez de passar suas compras e ir embora, que é o objetivo real.