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Teorema Fundamental da Álgebra

As equações polinomiais são conhecidas desde a Antiguidade, pois surgem naturalmente a partir de questões cotidianas. Por exemplo: se um terreno retangular possui área igual a 6 e semiperímetro igual a 5 (o perímetro seria 10) quais seriam as dimensões desse terreno?

Este problema pode ser resolvido com uma equação de segundo grau, aquela que resolve com Báscara e todo mundo aprende no fim do ensino fundamental. A forma da equação quadrática é

ax2 + bx + c = 0

Graças ao Teorema Fundamental da Álgebra, sabemos que essa equação tem duas raízes, ou seja, valores de "x" que fazem o lado esquerdo ir a zero. E isto nos permite escrever a equação de forma diferente, como um produto de binômios:

a(x - x1)(x - x2) = 0

Nesta forma, fica evidente que o valor do coeficiente "a" é apenas um fator de escala, que não muda o valor das raízes. Sem nenhum prejuízo, sempre podemos fazer a=1 e chegar a uma forma ainda mais enxuta:

(x - x1)(x - x2) = 0

Se multiplicarmos os binômios acima, descobrimos que os coeficientes são funções simétricas das raízes, ou seja, a ordem das raízes não importa. O coeficiente "b" é simplesmente a soma das raízes, e o coeficiente "c" é o produto das raízes:

-b = x1 + x2
c = x1x2

Estas são as Fórmulas de Viète para os coeficientes. A propósito, estas fórmulas encaixam como uma luva no nosso problema inicial: se considerarmos que as raízes x1 e x2 são os lados do nosso terreno retangular, então "b" é o negativo do semiperímetro, e "c" é a área.

Substituindo os coeficientes pelos valores que conhecemos, a equação fica

x2 - 5x + 6 = 0

Essa equação, sem tirar nem pôr, é muito encontrada em materiais didáticos porque a solução envolve apenas números inteiros. As duas raízes — e as medidas do nosso terreno — são iguais a 2 e 3.

O Teorema Fundamental da Álgebra (TFA) é um enunciado bem simples: para uma equação de n-ésimo grau, existem "n" raízes complexas, não necessariamente distintas, lembrando que os números racionais e reais estão inclusos no campo dos complexos.

Os matemáticos desconfiavam que o enunciado do TFA era verdadeiro muito antes dele ser provado. Prová-lo foi difícil, porque as ferramentas matemáticas de que as provas dependem, ainda estavam sendo inventadas. Gauss produziu uma prova no início do século XIX. Outras provas foram surgindo e o assunto continuou sendo objeto de estudo até o século XX.

Não existe prova puramente algébrica, o que é meio irônico. Pode-se considerar que o TFA é um ponto de contato entre a álgebra e outros ramos da matemática. A prova que vou demonstrar é a mesma descrita neste vídeo do YouTube, que foi o primeiro material que achei suficientemente inteligível, ao menos para mim, que não sou matemático.

A primeira coisa que é preciso tomar consciência para entender esta prova, é que plotar um gráfico de função complexa é muito diferente de uma função "comum". Estamos mais acostumados com gráficos de funções reais, onde a varíavel independente ocupa o eixo X e o valor da função ocupa o eixo Y.

Por exemplo, o gráfico da nossa equação de exemplo, para valores reais, é o seguinte:

Figura 1: Curva de um polinômio quadrático, formando a tradicional parábola. O eixo X é a variável independente, o eixo Y é o resultado da função polinominal f(x). Note que f(2)=0 e f(3)=0.

Porém, como poderíamos plotar um gráfico para uma variável independente complexa, assumindo é claro que a função também retorne resultados complexos?

Um número complexo é, na essência, um "pacotinho" que contém dois números embutidos. Podemos plotar números complexos no plano cartesiano sem o auxílio de nenhuma função; basta definir que a parte real é o eixo X e a parte imaginária é o eixo Y:

Figura 2: Números 1+1i e -0.5-0.25i plotados num gráfico cartesiano.

Se, por exemplo, plotarmos uma lista bem distribuída de números complexos cujo valor absoluto seja igual a 4, acabaremos com algo parecido com um círculo:

Figura 3: Alguns números complexos de valor absoluto igual a 4 plotados no plano cartesiano.

No gráfico acima, estão inclusos números como 4, -4, 4i, -4i, 2√2+2√2i, etc. Se aumentarmos a densidade do conjunto, a proximidade dos pontos forma uma curva circular, fechada e contínua:

Figura 4: Números complexos de valor absoluto igual a 4. Como estão bem distribuídos e próximos uns dos outros, formam uma curva, no caso um círculo.

Note que o gráfico acima não é o gráfico de uma função! É apenas o gráfico de um conjunto de números complexos, que por acaso descreve uma curva fechada.

Agora, se aplicarmos uma função, por exemplo o nosso polinômio quadrático, a cada número deste conjunto, os pontos produzidos pela função descrevem uma curva diferente:

Figura 5: Alguns números complexos de valor absoluto igual a 4, em azul; e uma função polinominal quadrática desses números, em laranja.

Fazendo o conjunto de domínio denso o suficiente para descrever uma curva contínua:

Figura 6: Números complexos de valor absoluto igual a 4, em azul; e uma função polinominal quadrática desses números, em laranja.

Então é isso: uma função que processa números complexos não gera um gráfico tradicional. Ela gera um mapa ou transformada; ela pega uma curva e transforma em outra. Para enxergar graficamente o que acontece numa função complexa, precisamos observar as duas curvas.

Uma vez assimilado que é assim que a coisa funciona no mundo dos números complexos, a prova da TFA é facilmente compreensível. Nos próximos gráficos, vamos usar o polinômio

0,1x2 - 0,5x + 0.6

para que as curvas de x e f(x) fiquem numa escala mais próxima. É o mesmo polinômio de antes, apenas dividido por 10. As raízes ainda são as mesmas. Como foi dito antes, sempre podemos escalonar um polinômio manipulando o valor do coeficiente "a", seja para fazer "a" desaparecer, seja para fazer caber no gráfico...

Em primeiro lugar, vamos considerar o que acontece quando o valor de "x" é igual a zero. Nesse caso, todos os termos do polinômio são zerados, exceto o último, que vale 0,6.

Então, se considerarmos um conjunto de valores complexos de "x", de pequeno valor absoluto, que formam um pequeno círculo em torno da origem cartesiana, o polinônio f(x) vai traçar um círculo também pequeno na posição (0,6, 0):

Figura 7: Valor absoluto de x ou |x|=0,1 em azul, e f(x) em laranja.

Obviamente, zero não é uma raiz deste polinômio, porque f(0)=0,6. Só podemos dizer que achamos uma raiz quando fizermos a curva laranja de f(x) passar exatamente por cima da origem (0, 0).

Note também que a origem cartesiana está fora do círculo laranja.

Ok, já vimos o que acontece quando "x" tende a zero. Por outro lado, se considerarmos conjuntos de "x" com valores absolutos cada vez maiores, f(x) também traça uma curva cada vez maior:

Figura 8: Valor absoluto de x ou |x|=0,5 em azul, e f(x) em laranja.

Figura 9: Valor absoluto de x ou |x|=1 em azul, e f(x) em laranja.

Figura 10: Valor absoluto de x ou |x|=5 em azul, e f(x) em laranja.

Note que a curva laranja acima faz duas voltas. Isto é algo que se pode observar em qualquer polinômio: se ele for do 3º grau, a curva laranja faz 3 voltas para cada volta de "x", e assim por diante.

Figura 11: Valor absoluto de x ou |x|=10 em azul, e f(x) em laranja.

Figura 12: Valor absoluto de x ou |x|=100 em azul, e f(x) em laranja.

Apesar da curva laranja ainda estar fazendo duas voltas, os dois laços passam quase pelo mesmo lugar.

Figura 13: Valor absoluto de x ou |x|=500 em azul, e f(x) em laranja.

Note que, quando o conjunto de "x" possui valor absoluto bem grande, o gráfico de f(x) tende novamente a ser um círculo perfeito. Isto acontece porque, nesta situação, o termo de maior grau x2 ofusca todos os demais.

Então podemos dar como certo que, se fizermos "x" suficientemente grande, a curva de f(x) será um círculo (multi-voltas) bem grande. E neste caso a origem cartesiana (0, 0) vai estar do lado de dentro.

Agora, o pulo do gato.

No primeiro caso, quando "x" é muito pequeno, a função f(x) produz um círculo muito pequeno, que não contém a origem. No segundo caso, quando "x" é muito grande, a função f(x) produz um círculo muito grande, que contém a origem.

Se considerarmos que o valor absoluto de "x" pode variar de forma contínua (sem saltos) entre o primeiro caso e o segundo caso, em algum momento a origem passa do "lado de fora" para "o lado de dentro" da curva.

Figura 14: |x| em azul, e f(x) em laranja. A animação pausa em |x|=2 e |x|=3.

Ora, se podemos modular "x" de modo a deixar a origem dentro, fora, perto ou longe da curva laranja, tem de existir um valor de "x" em que a curva laranja passa exatamente em cima da origem, ou seja, f(x)=0.

Não sabemos exatamente que valor é este (as provas do TFA são notoriamente não-construtivas), mas resta provado que existe pelo menos uma raiz complexa para f(x).

Outra versão da animação, esta mais "suave":

Irracionais e conjugados

Note que o TFA permanece verdadeiro mesmo que os coeficientes do polinômio sejam irracionais ou complexos.

Alguns de nós aprendem na escola que as raízes complexas de uma equação polinominal ocorrem sempre em pares conjugados. Por exemplo, a equação cúbica pode ter 1 ou 3 raízes reais, enquanto a equação quadrática pode ter 0 ou 2 raízes reais.

O TFA não diz nada sobre isto. Só é garantido que as raízes complexas apareçam em pares conjugados quando os coeficientes do polinômio são todos reais. Já que todos os coeficientes são funções simétricas das raízes, os pares conjugados fazem com que a parte imaginária "desapareça" nos coeficientes.

Em geral, o estudo dos polinômios restringe os coeficientes ao campo dos racionais. Um polinômio com coeficientes racionais pode ter raízes irracionais e/ou complexas. Esta diferença entre o campo dos coeficientes e o das respectivas raízes é o que torna o assunto interessante, e motivou inúmeros matemáticos e.g. Lagrange, Ruffini, Abel, Galois, etc.