Nada mais nerd do que escrever arrogantemente sobre o que não se sabe. Então lá vamos nós!
Vamos começar com um video que compara diferentes músicas em reprodução por dois (bons) amplificadores, um transistorizado e outro valvulado. Ouça bem, e pense qual amplificador agradou mais para cada tipo de música:
Em primeiro lugar, como alguns já devem ter se perguntado, um video não é um bom meio de se avaliar um amplificador, porque há muita perda de qualidade pelo caminho: caixa acústica, microfone, compressão da câmera, compressão do YouTube, finalmente o seu alto-falante ou fone de ouvido. Apesar de que o autor do video esforçou-se para mitigar o problema.
Agora que estamos entendidos a respeito das limitações, o que você achou do som? Qual amplificador você gostou mais?
Na minha modesta opinião, na primeira música ("Who Likes to Party") o amplificador valvulado ganhou de lavada. O som saiu mais "espesso". Seria a famosa "coloração quente" que se diz que as válvulas emprestam ao som? Nas outras músicas, a disputa ficou mais equilibrada. Em uma ou duas músicas o transistorizado até ficou à frente.
Mas o efeito agradável que a válvula imprime à primeira música é muito fácil de simular: basta abrir o equalizador do seu media player predileto, e reforçar um pouco a resposta em torno de 500Hz, talvez de 250 a 1000. Então a suposta vantagem do amplificador valvulado não existe: é apenas uma equalização mais apropriada para determinado gênero musical. (Como inúmeros aparelhos de som modernos têm uma resposta medíocre nos médio-graves, que é justamente a faixa que sugiro incrementar via equalização, pode até ser que o amplificador valvulado seja apenas "neutro" em meio a aparelhos que incrementam artificialmente os agudos e os sub-graves.)
Não podemos negar que amplificadores diferentes e/ou equalizações diferentes soam melhor com determinados estilos de música, e com toda certeza soam melhor para alguns indivíduos enquanto desagradam outros. A subjetividade impera nesse ramo.
Os amplificadores são importantes, mas os alto-falantes são mais importantes ainda. Apesar deste artigo tratar de amplificadores, a busca pelo som agradável deve começar pelos alto-falantes. Diferentes estilos de música e gostos individuais pedem alto-falantes e caixas acústicas completamente diferentes. Este artigo de Lynn Olson é o melhor texto introdutório que conheço a respeito do tema.
Componente ativo é aquele capaz de amplificar, ou seja, gerar uma cópia mais forte de um sinal fraco. Os componentes ativos comumente usados em áudio são: válvulas, transístores bipolares (doravante chamados de "transistores") e transistores de efeito de campo (doravante chamados de "FETs").
Elas reinaram dos anos 1920 até 1960, e são netas das lâmpadas incandescentes. São tubos de vácuo onde os elétrons têm de literalmente "pular" de uma superfície aquecida (o cátodo) para outra superfície (ânodo ou placa). Este fluxo é regulado por uma grade que fica no meio do caminho. Dependendo da tensão que se fornece à grade, os elétrons são atraídos ou repelidos, modulando assim a corrente elétrica que atravessa a válvula.
Parte do charme da válvula é justamente poder ver o interior a olho nu, as pecinhas brilhando como brasas enquanto funcionam. Há amplificadores que ostentam válvulas inúteis, só para enfeitar!
Como os elétrons têm de viajar pelo vácuo por uma distância relativamente grande, a válvula é um dispositivo de baixa corrente (em torno de 10mA) e alta tensão (em torno de 400V). Amplificadores de áudio a válvula são bastante limitados em potência, dificilmente ultrapassando os 10W.
Podemos afirmar com segurança que as válvulas são totalmente obsoletas frente aos semicondutores. Mas elas têm lá suas vantagens:
A válvula não satura tão bruscamente quanto o transistor. "Saturação" é o ponto onde o sinal de entrada é forte demais, e o sinal de saída deixa de ser cópia fiel da entrada. Na válvula, a saturação tem uma característica "musical" e é deliberadamente explorada por guitarristas. Já um amplificador transistorizado não pode ser saturado, do contrário ele "clipa" e o som fica insuportável. Isso não é necessariamente vantagem ou desvantagem, é apenas uma diferença.
Os transistores foram inventados nos anos 1940, porém eram caros, problemáticos e mal compreendidos pelos engenheiros, de modo que só se popularizaram nos anos 1960, e dominaram o mercado de áudio até uns dias atrás. Vale destacar que empresas japonesas como a Sony apostaram no transistor desde a primeira hora, tendo inclusive comprado as patentes originais. A aposta rendeu frutos nos anos 1970, quando o Japão tomou de assalto o mercado de eletrônica de consumo.
O transistor é "eletrônica do estado sólido"; os elétrons fluem através de um semicondutor e não precisam sair voando. Uma corrente grande entre coletor e emissor é controlada por uma corrente pequena entre base e emissor. Essa é a primeira grande diferença em relação a válvula: o transistor é controlado por corrente, não por voltagem.
No geral, o transistor (e todo semicondutor) prefere lidar com correntes mais altas e tensões mais baixas. Um transistor que lide com potência de 100W ou mais é barato e fácil de achar. Também dispensa o transformador de saída, podendo ser conectado diretamente aos alto-falantes (que também pedem baixa tensão e alta corrente).
Como as vantagens do transistor frente à válvula são numerosas, vou procurar citar as desvantagens para amplificadores de áudio:
A "era do transistor" viabilizou o circuito integrado. Hoje em dia, existem excelentes circuitos integrados amplificadores de áudio, onde todos os problemas potenciais do transistor já estão equacionados. Para quem busca um "som transistorizado", basta selecionar um integrado tipo LM386, LM3875 ou similar. Ninguém mais projeta amplificador transistorizado com componentes discretos, nem por hobby.
Os FETs também são semicondutores ou "de estado sólido". Foram teorizados ainda nos anos 1920, antes mesmo do transistor comum, mas as técnicas de fabricação só se fizeram disponíveis pelos anos 1960. No mundo digital, eles dominam desde os anos 1980.
No mundo analógico, eles demoraram um pouco para dar as caras. Entraram primeiro nas fontes de alimentação do som automotivo, e "pegaram" de vez com a proliferação dos amplificadores classe D. (A explicação do que é um amplificador classe D virá mais tarde, prometo.)
Ainda é um pouco complicado encontrar FETs na lojinha de eletrônica da esquina, e infelizmente o FET ainda é subrepresentado na eletrônica "faça-você-mesmo", apesar de reinarem na eletrônica de consumo. A única grande desvantagem do FET para o hobbyista é a facilidade de estragá-lo por eletricidade estática. Para evitar isso, basta mantê-lo curto-circuitado até a instalação. Também é verdade que FETs de potência não são baratos.
No aspecto de controle os FETs lembram as válvulas, por isso às vezes são chamados de "válvulas sólidas". A corrente de porta (análoga da corrente de grade da válvula) é muito baixa (JFETs) ou nula (MOSFETs). Assim como existem válvulas triodo, tetrodo, pentodo, etc. os FETs também existem em diversos "sabores", enquanto os transistores bipolares são mais parecidos entre si.
O FET também compartilha de algumas vantagens do transistor bipolar. Além de tamanho e durabilidade, pode lidar com grandes correntes (dependendo do modelo) e não precisa de tensões perigosas para funcionar. É o melhor de dois mundos! Sobre sua aplicação em amplificadores de áudio, temos as seguintes considerações:
Nelson Pass, um dos maiores projetistas de amplificadores em atividade, está justamente trabalhando nesse tipo de circuito nos últimos anos: usando um ou dois FETs por canal, meia dúzia de componentes em volta e nada mais.
Existem outros semicondutores como tiristores (SCRs, GTOs), IGBTs, transistores de carbeto de silício, etc. Estes componentes podem lidar com potências impressionantes, porém funcionam melhor como chaves. Não têm uma faixa de operação linear suficiente para serem usados num amplificador clássico, e nem velocidade de chaveamento suficiente para operar em classe D.
O IGBT (uma mistura de transistor bipolar, FET e tiristor) tem velocidades próximas da viabilidade para classe D. Há alguns amplificadores IGBT experimentais para subwoofer, mas na prática um transistor bipolar ou MOSFET funciona melhor e é mais barato.
Falamos antes de linearidade dos componentes. Um bom amplificador é perfeitamente linear, ou seja, o sinal de saída é uma cópia fiel do sinal de entrada, embora mais forte. No entanto, nenhum componente ativo é perfeitamente linear. As válvulas triodo chegam bem perto. Uns poucos FETs, raros e caros, também. Da escolha do componente depende o tipo de distorção gerada, e seu efeito no ouvinte.
Para apreciar o efeito da distorção, segue um tom puro (senoidal) de 440Hz, e as versões distorcidas do mesmo por diferentes funções não-lineares:
Onda original (440Hz)
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Distorção exponencial (simétrica em y=0)
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Distorção exponencial (assimétrica)
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Distorção sigmoide
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Acesse aqui o código-fonte da geração de áudio
Na minha opinião, a distorção "exponencial assimétrica" foi a que soou mais agradável. Mas nem o tom puro nem a análise espectral contam a história toda. Segue um pequeno trecho musical distorcido pelas mesmas funções:
Áudio original
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Distorção exponencial (simétrica em y=0)
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Distorção exponencial (assimétrica)
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Distorção sigmoide
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Com fone de ouvido, me pareceu que a função sigmóide proporcionou um resultado melhor, enquanto as demais deixaram o som áspero. Através de alto-falantes, é mais difícil julgar, apesar de que cada versão soa claramente "diferente". Diferentes distorções provocam diferentes efeitos subjetivos, podem até ser efeitos agradáveis.
As distorções simuladas acima foram bem exageradas. Amplificadores reais distorcem menos, porém ainda distorcem e o ouvinte percebe num nível subconsciente. Se você fica "cansado" depois de ouvir um aparelho de som depois de muitas horas, mas o mesmo "cansaço" não acontece com outro aparelho, pode apostar que o primeiro está distorcendo mais.
Se não existem componentes ativos lineares, qual a esperança de haver um amplificador com pouca distorção?
Existe uma solução "mágica" para isso. É o feedback negativo. Compara-se o sinal de saída com o de entrada, e ajusta-se novamente a entrada até que os dois coincidam. O feedback negativo é parte integrante de praticamente todos os projetos de amplificador, valvulados inclusive, desde os anos 1940.
A ideia básica do feedback negativo é simples, porém a implementação é outra cantiga. Muita coisa pode dar errado. A maior ameaça é o amplificador entrar em oscilação, "correndo atrás do próprio rabo".
Existe um enorme debate no mundo da audiofilia sobre as mazelas do feedback. Os mais puristas insistem que ele é ruim, porque elimina distorções "boas" e cria distorções "ruins", ainda que mais discretas. Para os audiófilos puristas, o único caminho para um amplificador decente passa por componentes ultra-lineares, de alta qualidade (e caros!), montados em circuitos tão simples quanto possível, pois cada componente a mais é uma fonte potencial de distorção.
Projetistas minimalistas como Nelson Pass desenvolvem circuitos sem feedback. Ou melhor, sem feedback explícito. Eles procuram usar técnicas de "feedback local" que linearizam a saída.
O feedback funciona, isso é um fato. O funcionamento dos amplificadores operacionais (largamente utilizados em áudio e em milhares de outras coisas) é totalmente baseado no feedback. Acredito que a bronca dos audiófilos com feedback, e sua associação com áudio de qualidade inferior, deriva dos fabricantes de eletrônica de consumo exagerarem no uso de feedback para "esconder" componentes baratos e ruins.
Fala-se muito do mítico som valvulado. Mas talvez o layout do circuito seja uma influência maior do que o tipo de componente ativo. Talvez um transistor ou FET adaptado a um circuito típico de válvula também produza um som "valvulado"? Muitos afirmam que sim.
De fato, existem diversas "classes" de amplificador, que são os métodos básicos de conseguir uma saída de potência a partir de um sinal relativamente fraco. O circuito do amplificador depende muito da classe a que ele pertence, e basta uma olhadela no esquema elétrico para determinar sua classe.
Em geral, válvulas e transístores são empregados em classes bem diferentes, então é esperado que produzam um som diferente.
Um amplificador classe A é como uma máquina a vapor. Design antigo, simples de entender, e entrega um resultado surpreendente. Mas gasta bastante "lenha", esquenta bastante e não é muito eficiente.
A figura acima é um diagrama simplificado de um amplificador classe A com apenas um elemento ativo (que pode ser válvula, transistor ou FET) controlado pelo sinal de entrada. A fonte de corrente e o elemento ativo dividem entre si a tensão da fonte (+V). Como essa divisão muda conforme o sinal de entrada, a tensão recebida pelo alto-falante também muda, e assim o sinal vira música.
A fonte de corrente parece algo misterioso, mas ela pode ser até um simples resistor. Quem já ligou um LED em 12V e calculou o resistor necessário, já calculou uma fonte de corrente! Uma fonte de corrente "ativa", equipada com um transistor, já tem desempenho muito melhor. Daí em diante pode-se melhorá-la ad infinitum.
O filtro passa-altas pode ser um simples capacitor. Ele é necessário porque, do contrário, fluiria uma corrente contínua (não apenas música) pelo alto-falante, queimando-o em poucos segundos.
Já que circula uma corrente constante pelo circuito, o consumo de energia também é constante. O amplificador classe A gasta energia o tempo todo, e seu rendimento teórico máximo é de 25%. Para uma saída (máxima) de 15W, haverá uma dissipação (contínua) de 60W. Dificilmente um amplificador doméstico trabalha acima de 1W na média, então a eficiência prática é algo em torno de 1%.
De certa forma, o circuito classe A "combina" mais com válvulas, porque elas já trabalham quentes o tempo todo. Um pouco a mais, um pouco a menos, não faz tanta diferença. Já os transistores e FETs não gostam de calor e seu funcionamento muda muito conforme aquecem. Enormes dissipadores de calor e muito cuidado no projeto do circuito fazem-se necessários num amplificador classe A feito de semicondutores.
O circuito classe A tem excelente linearidade. O "bias" ou polarização do elemento ativo, que é apenas uma tensão constante, é escolhida para manter o componente ativo no seu ponto mais linear. O sinal de áudio é apenas uma pequena perturbação desse "bias", que normalmente não tira o componente ativo de sua faixa linear.
A tensão do "bias" também é escolhida de modo a que a tensão da fonte seja igualmente dividida entre fonte de corrente e elemento ativo, na ausência de sinal. (Em amplificadores valvulados, como cada válvula é um pouco diferente, é preciso recalibrar o "bias" ao trocar-se a válvula, ou chamar um técnico para fazer isso. Mais uma desvantagem da válvula. Beeeem antigamente, os rádios à válvula usavam uma bateria separada, a "bateria C", só para fornecer o "bias". Como a corrente de grade é quase nula, essa bateria durava meses.)
Como o "bias" cumpre dois objetivos (linearidade e divisão de tensão) é óbvio que o componente ativo tem de "combinar" com o resto do circuito, do contrário não haveria uma tensão de "bias" ideal.
Pelas suas virtudes, o circuito classe A é utilizado em absolutamente todos os pré-amplificadores, amplificadores operacionais, etc. Neles, as correntes envolvidas são minúsculas, então o consumo constante de energia não é um problema. Todo amplificador tem vários estágios "classe A" na pré-amplificação, seja qual for sua classe no estágio de potência.
O amplificador Classe A causa distorções de harmônicas pares, que são consideradas mais agradáveis ao ouvido que harmônicas ímpares.
Uma melhoria no amplificador classe A pode ser vista na figura abaixo.
O amplificador "push-pull" (empurra e puxa) usa dois elementos ativos, que amplificam e também funcionam como fontes de corrente. Ambos recebem um "bias" de modo que haja uma corrente constante através deles. Quando um sinal de áudio "perturba" o bias, um elemento aumenta a corrente e o outro diminui. A diferença entre as duas circula pelo alto-falante.
A eficiência continua baixa, embora possa chegar a 50% teóricos, em vez dos 25% do circuito anterior. Na prática mesmo, no ambiente doméstico, a eficiência subiria de 1% para 2%.
Além de mais eficiente, o trabalho é dividido entre dois elementos. Usando o mesmo tipo de válvula, o amplificador podia ser quatro vezes mais potente. Foi um avanço importante, já que a potência individual das válvulas era muito limitada.
Outra vantagem do push-pull é que o filtro pode (em tese) ser abolido, já que não circula corrente contínua através do alto-falante. Na prática o filtro continua existindo, porém trabalha menos.
As distorções harmônicas pares são canceladas pela existência de dois elementos ativos, o que é uma vantagem. Porém podem surgir harmônicas ímpares, que não são agradáveis ao ouvido. No geral, ainda é considerado um circuito que produz áudio de boa qualidade sem feedback. Mas ainda não é um circuito bom para transistores, pois dissipa muito calor.
O amplificador classe B é bastante parecido com o classe A push-pull:
A única diferença é a inexistência de "bias". Nenhuma corrente flui diretamente de +V para -V. Quando o sinal é positivo, apenas o elemento ativo de cima conduz de +V para o alto-falante; o de baixo fica desligado. Com sinal negativo, o elemento de baixo conduz do alto-falante para -V, e o de cima fica desligado.
A eficiência teórica do amplificador classe B é de 78.5%. Não é 100% pois a operação linear obriga o componente ativo a dissipar energia para controlar a corrente. O grande salto é a eficiência típica: em torno de 50%! Compare isto com os 1% ou 2% da classe A.
Este circuito é ideal para transistores, pois é muito eficiente e não dissipa quase nada em silêncio. O aquecimento é proporcional ao volume de som, o que combina com o senso comum do consumidor.
O grande problema da classe B é a distorção. Há diversas causas. No caso do transistor, a principal é que o transistor só começa a funcionar quando o sinal de controle passa de 0,6V. O som fica "quadrado".
Além disso, todo componente ativo deixa de ser linear quando chega perto do desligamento. "Desligar" um componente leva um tempo diferente de "ligar".
Um dos poucos lugares onde um amplificador classe B puro apareceu na eletrônica de consumo, foi no alto-falante interno do IBM PC (aquele que faz "Beeeeep!" quando o PC inicia, ou quando trava).
O circuito da classe B tem muitas vantagens, mas apresenta uma distorção inaceitável. Para resolver isso, adiciona-se um pequeno "bias" aos transistores da classe B, assim como se faz na classe A push-pull. Surge então o amplificador classe AB.
A corrente que passa direto pelos transistores é desperdiçada, porém é pequena, é apenas o suficiente para que eles não desliguem de uma vez, o que melhora muito a linearidade.
O amplificador classe AB é suficientemente bom, é pragmático, e reinou por décadas. Porém, muitos audiófilos ainda sustentam que um amplificador classe A é melhor. Muitos afirmam que o "som de transistor" que os audiófilos odeiam é na verdade o som da classe AB.
Se o amplificador Classe A é uma máquina a vapor, o Classe D é uma turbina de avião.
Conceitualmente, uma turbina é muito mais simples que um motor a vapor. Tem gente que constrói turbinas em casa usando um turbo de ferro-velho e uma lata de leite em pó. Porém, fabricar uma turbina eficiente e durável é muito difícil; apenas 4 ou 5 empresas no mundo sabem fazer. O mesmo acontece com amplificadores classe D.
O esquema da Classe D é codificar o sinal na forma de uma onda quadrada, e amplificar esta onda quadrada.
A saída é filtrada, e (se tudo der certo) o alto-falante recebe uma cópia do sinal original.
Formalmente, esta codificação em onda quadrada denomina-se PWM. É até difícil acreditar que funciona, mas funciona.
A grande vantagem do amplificador classe D é a eficiência: teoricamente é de 100%, e na prática passa de 80% com facilidade. Isto é possível porque os componentes ativos funcionam como chaves liga/desliga, não precisam trabalhar na faixa linear. Como não esquentam, não precisam de dissipador de calor, o que resulta num aparelho pequeno e leve.
Como muitos dispositivos digitais usam PWM para controlar lâmpadas, motores, etc. muita gente acha que "classe D" é uma espécie de "amplificador digital", mas isso não é correto. É possível implementar classe D de forma 100% analógica. A maioria dos circuitos comerciais são apenas parcialmente digitais. Existem chips classe D que aceitam input digital, até mesmo MP3, mas apenas com o objetivo de baratear o produto final.
Talvez você esteja curioso sobre a qualidade de som da classe D. Abaixo, temos um tom de 80Hz; o mesmo tom codificado em PWMs sem filtragem; e finalmente com filtragem fraca e forte. Com a filtragem forte, o resultado é praticamente igual ao original.
Onda original (80Hz)
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Onda triangular para codificação PWM
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Onda codificada como PWM
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Filtragem leve da onda PWM
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Filtragem forte da onda PWM
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Assim fica "provado" que a técnica funciona... mas por que usei um tom grave? Porque usei WAVs de 96000Hz nos meus testes, e uma onda triangular de 2222Hz — ambos valores bem mais altos que o tom de 80Hz. Tentar amplificar sons mais agudos com as mesmas taxas resultaria em péssima precisão, e distorção horrenda.
De fato, nos anos 1990 só se usava classe D em amplificadores de subwoofer, pois na época os amplificadores classe D não conseguiam atingir taxas de amostragem muito altas.
Num amplificador que pretenda alcançar toda a faixa auditiva, a onda triangular tem de ficar na faixa de 500kHz para garantir a fidelidade dos tons agudos. Quanto maior a taxa de amostragem, melhor. Porém uma taxa mais alta cria todo tipo de problema secundário, desde componentes que não acompanham a velocidade, até interferência de rádio.
Para ter uma ideia de como um amplificador classe D primitivo soaria, fiz um pequeno teste que pode-se ouvir abaixo. Uma música com banda limitada a 1kHz, codificada por uma onda triangular de 10kHz:
Áudio original, filtrado fora acima de 1000Hz
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Áudio codificado para PWM
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Codificação PWM com filtragem (ruído invadiu o conteúdo original)
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Uma melhoria simples, que quase todos os classe D reais adotam, é usar PWM de três níveis: +1, -1 e zero. Isto já melhora muito o resultado filtrado, sem aumentar a taxa de modulação:
Áudio codificado para PWM de três níveis
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Codificação PWM de três níveis com filtragem
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Na prática, ninguém constrói um amplificador classe D "do zero" por hobby. Além de ser tarefa complexa, alguns aspectos estão fora de alcance do hobbyista. Por exemplo, as conexões entre componentes têm de ser muito curtas — coisa que só se obtém quando se usa componentes SMD, ou quando está tudo integrado num mesmo chip de silício.
Por outro lado, existe uma vasta gama de circuitos integrados classe D para todos os gostos e bolsos, inclusive chips que lêem pendrive, tocam MP3, etc. Para quem só deseja construir um som e não tem pretensão de reinventar a roda, é o paraíso. A parte mais cara do projeto será a fonte de alimentação.
As melhores fontes que conheço são: o site de Lynn Olson, os artigos de Nelson Pass e de e Rod Elliott. Também há algumas palestras do primeiro na Internet (procure por "burning amplifier"), e Wikipedia também é nossa amiga.