Uma vez que estou passando pela experiência de passar cabeamento de rede pela casa nova, gostaria de compartilhar minhas impressões, a quem interessar possa.
DISCLAIMER: não sou profissional instalador de cabeamento estruturado de rede, sou um "amador avançado". Se quiser me ignorar e puder contratar um instalador profissional de rede, bom para você. Mesmo assim, procure conhecer o básico do assunto para não ser enganado. (Vou abordar, num próximo texto, o quanto você tem de aprender sobre elétrica, hidráulica, alvenaria etc. quando constrói uma casa, só para poder orientar a mão-de-obra.)
A primeira pergunta que todo mundo faz, e que eu mesmo fiz ao cabear a casa, é: que tipo de cabo de rede usar? Categoria 5? 6? 7? Ou fibra ótica? A resposta depende das suas necessidades de rede.
Fazer uma instalação 100% fibra ótica ainda não é prático, apesar de altamente nerd e future-proof, simplesmente porque os equipamentos terminais (access points, roteadores, switches, câmeras, IoT) são todos conectados via Ethernet de cobre. Seria necessário espalhar dezenas de conversores de mídia pela casa. Fibra ótica também não serve para aplicações PoE.
Por outro lado, cabos de rede de cobre são vitimados por interferências e surtos, então vamos querer usá-los apenas em ambientes confinados e lances curtos — bem mais curtos que os 100 metros permitidos. Para interligar prédios, mesmo que próximos, fibra ótica é praticamente obrigatório. Se usar cabo de cobre, cada trovoada vai queimar algum aparelho seu.
Então, dentro de um prédio, vamos de cabo de cobre. As categorias de cabo de rede atuais são as seguintes:
Categoria 5e ou Cat5e: o mais comum em instalações existentes, e ainda empregado em instalações novas. Velocidade máxima original de 100Mbps x 100m, pode atingir 1 gigabit em instalações bem-feitas e até 2.5 gigabits em lances curtos. Cabo relativamente fino, maleável, fácil de passar em dutos, fácil de conectorizar e barato.
Categoria 6 ou Cat6: o mais comum em instalações novas. Velocidade original de 1 gigabit x 100m, pode atingir 5 gigabits x 100m ou 10 gigabits x 50m. Mais grosso e menos maleável que o Cat5e, mas ainda considerado acessível a amadores. Cabos e conectores fáceis de encontrar no Brasil.
Cat6 blindado: variante blindada do Cat6, é ainda mais grosso e menos maleável, além de exigir conectores especiais e/ou aterramento. Em troca, é mais resistente a interferências. Encontrável no Brasil.
Categoria 6A ou Cat6A: muito citado em instalações novas no exterior em ambientes exigentes. Velocidade 10 gigabit x 100m. Muito mais grosso e menos maleável que o Cat6, considerado difícil de conectorizar corretamente — os fios individuais são bem grossos e qualquer mancada de crimpagem impede o cabo de atingir o desempenho máximo. Existe em versões blindada e não-blindada. Difícil de achar no Brasil.
Categoria 7 ou Cat7: não "colou" por usar conector diferente do RJ45, e não ter sido aprovada por todas as entidades de telecomunicações. Suprida pelo Cat6A, que apesar do número menor, é mais recente.
Categoria 7A ou Cat7A: mesma situação do Cat7, foi suprida pela Categoria 8 classe II.
Categoria 8 classe I: cabo blindado, conector RJ45. Desempenho similar a Cat6A em 100m, porém é certificado para uso até 30m x 40Gbps ou 10m x 100Gbps, apenas em datacenters e ambientes assemelhados. Difícil de achar no Brasil, exceto talvez pelos patch cords.
Categoria 8 classe II: cabo blindado, com blindagem individual de cada par trançado, alcança 100 Gbps x 30m. Conector TERA ou GG45, herdados da categoria 7A. Difícil de achar no Brasil.
Lá no final desta página, se alguém tiver curiosidade, menciono categorias mais antigas de cabo.
Considerando apenas as categorias encontráveis no Brasil e com banda mínima gigabit, temos Cat5e, Cat6 e Cat6 blindado. Provavelmente Cat6 não-blindado é a melhor escolha, pelos seguintes motivos:
a) O cabo Cat6 faz 10 gigabits x 50m, uma distância mais que suficiente em instalações residenciais. Distâncias maiores podem e devem usar fibra ótica, independente da questão da banda.
b) A flexibilidade e espessura do cabo são qualidades importantes numa instalação residencial, onde há dutos e curvas fechadas.
E sempre vai ter aquele pirangueiro que vai se coçar pra instalar Cat5e...
É bem verdade que há os novos padrões de 2.5 e 5 gigabits, que trafegam em Cat5e. Também há o padrão NBASE-T que negocia automaticamente a velocidade (0.1, 1, 2.5, 5 ou 10 gigabits) de acordo com a qualidade do cabo. Mas quem garante que os produtos de rede implementarão NBASE-T? E mesmo que implementarem, 10 gigabits é melhor que 5.
Os cabos Cat6 e Cat6A são vistos como os "últimos cabos de cobre" antes de tudo migrar para a fibra ótica. Não fosse a questão da conexão aos equipamentos, fibra ótica já ganha de Cat6/6A em todos os quesitos: mais barata, mais fina, e mais fácil de conectorizar.
CUIDADO: compre todos os componentes (plugs, keystones, cabos) da mesma categoria! Sim, no passado já cometi o erro de comprar cabo Cat6 achando que entrariam nos conectores RJ45 Cat5e que tinha em estoque. Não entram, porque o fio do cabo Cat6 é mais grosso (AWG 23-24) que o Cat5e (AWG 26).
Se você estiver montando uma rede hoje (2023), no Brasil, o ponto ótimo dos equipamentos ativos está na velocidade de 1 gigabit. Switches gigabit são comuns e baratos. Raros são os equipamentos com portas de 2.5, 5 ou 10Gbps. Switches 10 gigabit são super caros.
Usando equipamentos gigabit e cabos Cat6 em lances relativamente curtos, você está preparado para ir a 10 gigabit no futuro. Mas isto é suficiente?
Fazer previsões é sempre arriscado, mas acredito que 10 gigabits serão suficientes para uma rede residencial pelos próximos 15-20 anos (este artigo foi escrito em 2023).
Tentar divisar o futuro para além disso é bobagem. Não adianta passar fibra ótica para antecipar-se ao futuro, porque daqui a 20 anos pode muito bem ser que outro tipo de fibra (ou outra tecnologia completamente diferente) entre em campo. Ou surjam técnicas que estendam a vida útil do cabo Cat6 (assim como tem acontecido com o cabo Cat5/5e).
De qualquer forma, a realização que sua rede precisa de upgrade virá aos poucos. Quando seu provedor oferecer 40 gigabits, distribuir 10 gigabits por cômodo ainda será suficiente por um bom tempo (exceto para seu filho gamer que tem fetiche por GPUs e SpeedTest).
Supondo que ainda estejamos vivendo em casas e apartamentos (e não em bunkers subterrâneos ou bases lunares) uma coisa boa a se fazer é prever dutos suficientes em número e capacidade, para facilitar a futura troca do cabo.
O padrão Ethernet, tal qual o Papai do Céu definiu, prevê apenas conectores "fêmeas" na instalação fixa. Os "machos" devem restringir-se a patch cables curtos e prefabricados. Você sabia disto?
Quando se fala que a Ethernet garante alcance de 100m, isso presume 90m de lance principal, conectorizado por keystones (aquelas tomadinhas de parede) ou patch panels, mais dois patch cables de 5m cada. Qualquer desvio desse ideal diminui o alcance garantido. Existe até mesmo um tamanho mínimo para patch cable: 1m.
A razão disto é que todo conector fêmea tem um circuito que faz o casamento de impedância. Os conectores RJ45 macho não costumam ter esse circuito e podem causar reflexo de sinal. Num circuito ideal, como os plugs RJ45 existem apenas nos patch cables, que são "pontas da linha", o reflexo é confinado a um cabo curto (mas não tão curto) do lado do transmissor, o que diminui seu impacto.
Então, eis a má notícia: aquele conector RJ45 macho de acrílico, baratinho e fácil de fazer, não é considerado um conector escorreito. Ele é tolerado, mas não deveria existir numa instalação ideal.
Um patch cable pode ser prefabricado ou artesanal. Deve-ser dar preferência aos prefabricados, principalmente se forem muito manipulados, pois são muito mais maleáveis e resistentes. Note que patch cables devem ser considerados itens consumíveis; eles acabam falhando, portanto não embuta-os em partes inacessíveis de móveis planejados.
Infelizmente, em instalações amadoras, costumamos fazer tudo do contrário e crimpamos machos RJ45 nas duas pontas de todos os cabos, conectando-os diretamente aos equipamentos de rede.
Por que fazemos isso? Porque keystones são caros, patch panels são mais caros ainda, e crimpá-los exige técnica e ferramenta diferentes dos RJ45 machos. E porque casas antigas não têm tomadas para rede, então não há onde instalar um keystone. O cabo sai de um furo da parede, então é mais fácil conectá-lo direto ao equipamento.
Dá problema? Dificilmente, até porque numa casa ou escritório pequeno os lances costumam ser curtos. Na minha instalação, usei keystones mas elidi os patch panels. E seja o que Deus quiser, quando tiver um par de equipamentos 10 gigabits para testar.
Os keystones e patch panels existem em variedade maior que os machos RJ45, então a dificuldade de instalação pode mudar conforme a marca (veja a seção "Qualidade de componentes" mais adiante).
Existe conector macho RJ45 "correto", que possa terminar diretamente um cabo? Sim, existe, é o chamado conector de campo. Além de ser executado sem ferramenta (daí o nome), ele faz casamento de impedância e não causa penalidade no alcance. Seu uso é popular em conexão de câmeras IP.
Mas não se engane, esse conector de campo é (na minha opinião) mais difícil de fazer do que o crimpado, porque é difícil manter todos os fios no lugar até o término do procedimento. Antes de comprar um lote deles, analise os modelos existentes à venda e teste qual deles lhe parece mais prático de montar.
Temos ainda o conector fêmea-fêmea, para unir diretamente duas pontas machos. É uma forma simples de alongar ou emendar um cabo. Não é um componente "abençoado" pela especificação e não se recomenda numa instalação permanente; é para uma gambiarra rápida.
Existe um conector específico para emendar cabos, denominado caixa de junção, com plaquinha de casamento de impedância em que os fios são crimpados diretamente. É considerado bom o suficiente para instalação permanente. Melhor que ele, só passando um cabo novo.
Prefira as caixas de junção como a da foto acima, ainda que sejam volumosas e exijam a ferramenta "punch down" (a mesma utilizada para keystones). Existem modelos menores que parecem um plug RJ45 macho siamês, montáveis sem ferramentas. Porém, paradoxalmente, são mais difíceis de montar (pelo menos para mim e minha atávica falta de coordenação motora).
PoE significa "Power over Ethernet", é a entrega de energia elétrica através do cabo de rede. É uma tecnologia muito útil, mas que abre as portas do inferno dos problemas de compatibilidade.
O principal problema do PoE é que muitos equipamentos "PoE" não seguem o padrão 802.3af. Existe até um eufemismo no mercado:
"PoE passivo" significa PoE que não segue a especificação. Trata-se simplesmente de injetar energia elétrica no cabo de rede para alimentar o equipamento remoto, numa voltagem qualquer. Problemas: o equipamento remoto precisa estar esperando por isso, e a voltagem esperada precisa coincidir com a voltagem injetada.
"PoE ativo" é o PoE de verdade, que segue o padrão 802.3af. O switch ou injetor PoE ativo só fornece energia quando solicitado pelo equipamento remoto, na tensão padrão de 48V.
PoE passivo é uma gambiarra, embora existam casos de uso válidos. Meu principal problema com o "PoE passivo" é o potencial de confusão, colocando o consumidor sob risco permamente de queimar equipamentos, ou até causar um incêndio.
Outro golpezinho é vender um switch PoE ativo barato, porém sem a fonte, que custa mais que o switch; e a tensão de saída do PoE é a mesma da fonte, então se comprar errado, vai dar algum tipo de bolo. Equipamento PoE de marcas decentes (Intelbras, Ubiquiti) é caro, infelizmente. A parte "analógica" da computação é sempre a parte cara.
Outro aspecto do PoE é que ele faz uso dos quatro pares do cabo Ethernet. Se você tem uma instalação antiga a 100Mbps, pode ter pontos de rede com apenas 2 ou 3 pares funcionando. As implementações mais comuns de PoE transmitem energia pelos pares 4-5 e 7-8, justamente os não utilizados em 100Mbps.
Muitos sites (que vendem cabos) recomendam instalar Cat6 com fios 23AWG ou até 22AWG quando se usa PoE. Isto não é necessário; os limites de potência do PoE são compatíveis com cabos Cat5e (26AWG), então o Cat6 24AWG já sobra. Só faz sentido preocupar-se com bitola de fio se você for usar "PoE estendido", recurso oferecido por alguns produtos que promete alcançar 250m a 10Mbps.
Ah, a velha pergunta: pode passar cabo de rede junto com cabo elétrico no mesmo duto?
Em geral, a resposta é não. A norma diz que fios elétricos e lógicos têm de ficar separados por 20cm se paralelos, e 5cm se cruzados (ou algo assim). Mas é fato que muita gente passa cabo de rede junto com cabo elétrico por falta de opção, e não dá problema. E aí?
Por um lado, o "vazamento" de energia por indução e por capacitância é algo real. Muita gente se queixa que luminárias LED acendem sem energia, simplesmente porque o fio passa perto de outro circuito energizado.
Por outro lado, a chance de um cabo de energia interferir na rede a ponto de prejudicar o tráfego é muito pequena, considerando as tensões, correntes e frequências da eletricidade residencial.
O principal motivo de não ser permitido passar cabos no mesmo conduíte é a segurança. O cabo de rede não tem a mesma isolação e proteção antichama que um cabo elétrico. Numa instalação nova, isto pode causar uma reprovação durante a inspeção do habite-se. (Difícil de acontecer no Brasil, mas em países desenvolvidos o fiscal da prefeitura inspeciona as instalações elétricas e hidráulicas antes de fechar a parede.)
Enfim, tente não misturar cabo de rede e eletricidade. Mas vale correr um risco calculado se for uma situação pontual, se for o único jeito de levar rede a um cômodo específico.
Agora, se você for obrigado a fazer isso em muitos lugares e/ou por distâncias mais longas, considere usar cabo blindado, com aterramento explícito nas pontas. Cabo Cat6 blindado acha-se à venda facilmente no Brasil.
Além do fiasco do "PoE passivo", o que mais se encontra no mercado é componente de rede vagabundo. No Brasil, uma forma fácil de evitar o problema é optar pela marca Furukawa, de longa tradição no mercado local. Optei pela linha SoHo Plus, mais barata que a GigaLan.
Novamente, lembro que todos os componentes devem ser da mesma categoria (Cat5e, Cat6, Cat6A) pois eles são diferentes, apesar de parecerem iguais a olho nu. Aproveite para dar uma batida nos patch cables que você já possui para ver se são da categoria pretendida.
Além da qualidade, existe a questão da facilidade de crimpagem e instalação. Isso é muito subjetivo, no geral me entendi melhor com a linha SoHo Plus que com outras, mas sua experiência pode ser diferente. Existem ainda os componentes "de campo", crimpáveis sem ferramentas especiais, de que não gosto muito, mas tenho em estoque.
Os conectores RJ45 macho para Cat6 são mais chatinhos de fazer que os Cat5. Pessoalmente, gosto do Soho Plus pois ele é "passthrough", ou seja, os fios ultrapassam a ponta do conector. A única desvantagem é ter de aparar o excesso. O ideal é usar uma alicate crimpadora com guilhotina.
Algo semelhante acontece nos keystones: cada um tem uma forma diferente de conectar os fiozinhos, e a preferência pessoal vai dividir-se entre os diversos tipos. Pessoalmente, adquiri tomadas da linha Weg Refinatto mas não gostei dos keystones inclusos. Troquei por keystones Furukawa e, coincidência ou não, fui muito mais feliz. (O keystone tem encaixe padrão, então é possível trocá-lo mantendo o espelho original.)
Crimpar keystones em tomadas residenciais é particularmente chato, porque você não pode fazer em cima de uma mesa, com apoio sólido e postura confortável (que é como explicam crimpagem nos videos do YouTube...). Tem de cortar o cabo curto para ele caber de volta na caixa, e crimpar ali mesmo, tentando encostar o keystone na borda da caixinha para ter firmeza. Foi nesse aspecto que o keystone Furukawa funcionou melhor para mim, pois os fios entram pelo lado, e não por trás; o que torna bem mais fácil a crimpagem nessa posição adversa.
Terminações sempre podem ser refeitas; o que não dá pra trocar facilmente é o cabo. Neste você não pode economizar.
Cabos podem ser feitos de diversos materiais. Cobre puro é o mais caro, mas é sempre uma aposta segura, e é obrigatório em instalações residenciais (ninguém fiscaliza, mas é). CCA (alumínio revestido de cobre) funciona mas não é bom para instalações onde o cabo será muito manipulado, dobrado ou fará curvas fechadas. Cabos de alumínio puro, aço puro ou aço revestido de cobre são totalmente inadequados e existem apenas na seara dos cabos xing-ling ou falsificados.
Outra pergunta frequente é: qual o padrão de cabeamento correto: T568A (par 1-2 verde) ou T568B (par 1-2 laranja)?
Até onde pesquisei (e foi bastante, perguntei até ao ChatGPT) não faz diferença. O importante é usar o mesmo padrão na instalação toda, para evitar crossovers acidentais. Não há problema se algum patch cable seguir padrão diferente da rede fixa, desde que não seja um cabo crossover.
O governo dos EUA exige T568A em suas instalações, porém o mais comum mundo afora é T568B.
O padrão T568A tem raízes na telefonia, quando rede e telefonia podiam compartilhar fiação — o plug RJ11 de telefone entra numa tomada RJ45 de rede, e isso é de propósito. O padrão de telefonia é usar o par azul (4-5) para a linha 1, e o par laranja (3-6) para a linha 2, se houver. Quando o mesmo cabo transmitia telefonia e rede, o par 4-5 era para telefonia, e os pares 1-2 e 3-6 eram para rede.
Naturalmente, isso funciona até 100Mbps, que trafega em apenas dois pares. Gigabit e acima trafegam pelos quatro pares, e não podem conviver com telefonia.
O padrão T568B tem performance igual ao T568A, porém como o par verde toma o lugar do par laranja, isto sinaliza (para um connaisseur) que a instalação não mistura rede com telefonia. A maioria das instalações preferiu usar cabeamento separado para rede e telefonia, e a moda virou para T568B.
Um erro algo comum é achar que qualquer arranjo de fios serve, desde que seja igual nas duas pontas. Isto não é verdade! "Ah, mas eu sempre fiz assim e não dá problema." De fato os aparelhos testadores de rede mais simples (que só testam continuidade) não vão acusar problema, e talvez a rede funcione enquanto você trafega 10Mbps num cabo de 10Gbps, mas grande é a chance de dar bolo no futuro.
A sequência de pares do RJ45 parece arbitrária e estúpida, mas se você olhar bem, existe uma lógica. Alternam-se fios positivos e negativos; o par 4-5 (azul, originalmente para telefonia) ocupa o centro do conector, ladeado pelo par 3-6 (laranja para T568A, verde para T568B), e os pares 1-2 e 7-8 correm por fora.
Crossover (mistura de T568A e T568B) não é problema para comunicação de rede, as placas de rede lidam automaticamente com isso há 20 anos; mas pode ser problema para PoE. Alguns dispositivos PoE toleram o cruzamento de pares, outros não, é melhor não pagar pra ver.
Antigamente era mais fácil; você fazia o conector e ligava no computador. Se o link subisse, estava pronto. Hoje você não pode fazer isso, porque a) se um dos pares 4-5 ou 7-8 não estiver ok, o link ainda sobe, mas a 100Mbps; b) se você fizer crossover por engano, o link ainda sobe, mas PoE pode não funcionar.
Então, o mínimo necessário é uma daquelas ferramentas que testam continuidade de rede. Comprei uma que também testa PoE. Um problema fácil de acontecer em caixinhas de tomada residenciais é o parafuso de fixação do suporte "morder" o cabo e causar um curto – um problema difícil de diagnosticar se você não tiver o aparelho.
O ideal seria usar um analisador de rede, para verificar se tudo está dentro dos conformes, mas ele é absurdamente caro. Uma opção amadora, porém efetiva, é ligar um computador em cada ponta e simular tráfego de rede, usando iperf3 (Linux) ou similar.
Como já citamos antes, a alicate de crimpar RJ45 macho depende do tipo de conector escolhido. Existem pelo menos 3 tipos diferentes de conector macho para Cat6. A ferramenta de crimpar fêmeas é sempre a mesma, porém variando em qualidade. Tente comprar a melhor ferramenta que seu orçamento permite, pois facilita muito sua vida.
Se você estiver construindo ou entrando num apê novo, a dica é: faça logo o cabeamento de rede, antes de ocupá-lo. Se está em fase de construção, cuide disso ao mesmo tempo que a instalação elétrica. Pelo menos um ponto de rede por cômodo, cozinha inclusive; mas não é exagero se colocar dois.
Num primeiro momento isso vai parecer dinheiro jogado fora, porém as necessidades de conectividade só vão aumentando conforme o tempo passa. A dificuldade de passar cabo de rede também só vai aumentando, conforme móveis planejados entram no caminho, e outros cabos entopem os sempre escassos eletrodutos. Ninguém quer fazer buracos no teto ou na parede depois da obra pronta.
Nada substitui o cabo de rede real, o "cabo azul". Muita coisa se resolve com WiFi, mas a banda de 5GHz não atravessa mais de uma parede de alvenaria, então mesmo um apartamento pequeno precisa de infraestrutura de rede para conectar access points adicionais. Tecnologias como repetidores Wi-Fi sem-fio e Internet via rede elétrica são apenas paliativos e tendem a adicionar problemas misteriosos na sua rede, deixando-a lenta e pastosa sem motivo aparente.
Numa casa ou mesmo num apartamento, a tendência é usar câmeras IP PoE para segurança. É uma tecnologia muito conveniente — desde que você tenha puxado os cabos, ou tenha previsto os caminhos para passá-los.
Numa construção nova em cujo projeto você tenha "mando de campo", procure designar dutos lógicos ponto-a-ponto (direto do quadro para o ponto de consumo). Isto facilita passagem de cabos pós-obra, e mesmo a troca por fibra ótica daqui a 10 ou 20 anos.
Em vez de ficar esquentando a cabeça com a longevidade do cabo Cat6 ou Cat7, é muito mais fácil prever dutos e passagens de fácil utilização, para que você possa passar um cabo novo toda semana, se desejar.
O método construtivo mais comum no Brasil ainda é a alvenaria. (Isto será objeto de artigos futuros.) Ela é "inimiga natural" de instalações elétricas e lógicas, pela dificuldade de passar novos dutos. Por mais que se preveja dutos de passagem, eles sempre acabam virando o recurso escasso.
Cortar alvenaria para passar dutos é trabalho sujo, penoso e inerente desperdício de material. A tendência natural do construtor é fazer o mínimo necessário; ele não vai pensar em suas necessidades presentes e futuras, muito menos em raios mínimos e facilidade de passagem de cabos de rede. Cabe a você insistir em dutos numerosos, bem posicionados e de grande diâmetro.
Dutos passando por dentro da alvenaria, principalmente os embutidos na laje, têm a desagradável tendência de entupir, então faça questão de passar cabos durante a construção, para detectar e contornar o problema em tempo hábil.
Assim como nos dutos, o espaço dentro do quadro de distribuição também tende a ficar escasso. No mínimo absoluto, preveja um quadro de distribuição lógico, separado do elétrico, e grande o suficiente para acomodar equipamentos de rede como switches e modem. Melhor ainda se puder dispor do espaço para fixar um armário de equipamentos por perto.
O ideal seria um pequeno quadro adicional por cômodo. Se fizer isso, aproveite e centralize neste quadro as emendas entre interruptores e luminárias. (Não fiz isso e já me arrependi. Pode rir.) Isto facilita a manutenção e viabiliza automação residencial.
Preveja dutos de rede (e elétricos) para porão, sótão, e para os quatro lados da casa. Em algum momento, haverá a necessidade de passar um cabo imprevisto, e esses caminhos são coringas para resolver seu problema. (Acho que nem preciso citar a previsão de eletroduto entre o poste e a casa.)
Lembre-se sempre: as necessidades de conectividade e automação só fazem aumentar. O superdimensionado de hoje é o mínimo essencial de amanhã.
Procure usar caixinhas 4x4 para rede, pois na caixinha 4x2 não tem como deixar cabo sobrando. O cabo tem de ser cortado no comprimento justo para o keystone caber na caixa, e pode ficar curto em caso de retrabalho. Aliás, até eletricidade costuma ficar apertada em caixinhas 4x2, que deveriam ser banidas.
Cometi esse erro aqui, de usar caixinhas 4x2. Por sorte, em todos os casos o cabo passa por outra caixa próxima (não era para ser assim, mas os eletricistas adoram brincar de labirinto, passando fiação de uma caixa através de outras). Se o cabo ficar curto um dia, pelo menos posso migrar o ponto de rede.
Até mesmo a profundidade das caixinhas 4x2 e 4x4 é inadequada para tomadas de rede. Acredito que o desenho do keystone presume que o espaço por trás seja sempre oco, como numa parede de drywall.
Nos anos 1990, puxamos um lance de fibra ótica para interligar duas filiais de uma malharia, que estavam de lados opostos de uma avenida. Foi um auê: o custo por metro era alto, não podia fazer emenda, não podia fazer curva mais fechada que 30cm de raio, tinha de contratar gente não sei de onde para fazer a fusão dos patch cords, o switch fibra era tão caro que usávamos conversores de mídia AUI e computadores para fazer roteamento.
Hoje em dia, principalmente graças à popularização dos provedores PON, os componentes de fibra ficaram absurdamente baratos e fáceis de encontrar. A conectorização é simples, e a perda por conector é tão pequena que mesmo os profissionais evitam fazer fusão em campo.
Como disse antes, ainda não tenho experiência "hands-on" com fibra, apenas estudei o suficiente para saber o que comprar quando chegar a hora. A bem da verdade, fiz um favor ao meu provedor e "civilizei" a instalação dele, instalando uma caixa "roseta" e um patch cord.
Existe uma infinidade de padrões de fibra ótica e de conectores, porém o mais utilizado é a fibra drop monomodo única, terminada por conectores SC/APC ou SC/UPC. Grande é a chance de você ter um conector SC/APC verdinho morando em sua casa, pois a maioria dos provedores usa fibra PON atualmente. A mesma fibra conduz sinais nas duas direções, usando luzes de "cores" diferentes.
Num distante segundo lugar, há os cabos multimodo duplos LC/APC e LC/UPC. Eles costumam usar fibra de acrílico em vez de vidro, e não vão muito longe (200m a 500m). Porém são mais baratos, mais resistentes, aceitam curvas mais fechadas, e dispensam atenuador em lances curtos. São os prediletos em salas de servidores e datacenters.
A forma mais barata de "molhar os pés" em fibra ótica é comprar um conversor de mídia do AliExpress; há modelos gigabit por US$ 10. Não são incrivelmente confiáveis, mas funcionam. Muitos provedores do interiorzão brabo usam esses caras como backbone de rede! Os demais apetrechos de fibra ótica você encontra no Mercado Livre.
Na outra ponta do espectro, estão os switches com portas SFP, em que você instala os transceivers de fibra GBIC de sua preferência.
Segue algumas gambiarras e anedotas de rede que já fiz, vi fazer ou ouvi falar, para deleite (ou desespero) de quem tenta fazer tudo certinho.
Naquela mesma malharia em que trabalhei, havia pelo menos dois lances de 160m de cabo, devido à distância entre blocos da fábrica. Pedi aos técnicos que não passassem junto de cabos elétricos, mas o fato é que ia tudo na mesma bandeja aérea, e estamos falando de elétrica industrial. Mesmo assim, nunca incomodou. 10Mbps em Cat5 valeu o risco calculado.
Numa outra filial dessa mesma malharia, para cobrir uma distância de 300m, usei dois lances com um hub no meio. Nunca ninguém reclamou...
A evidência anedótica é que 165m é o limite "no duro" do cabo Ethernet. Isso respeitando a velocidade máxima do cabo. Um cabo Cat5 com mais de 100m tem boas chances de trafegar 100Mbps, mas não gigabit.
Tem uns corajosos de YouTube alegando trafegar 10 gigabits em cabo Cat5e (olha aí a tentação em cabear a casa com esse cabo tão mais flexível e barato). Grosso modo, a banda passante de um cabo é inversamente proporcional ao comprimento. Então qualquer cabo trafega qualquer velocidade, mesmo com toda sorte de gambiarras, desde que seja curto o suficiente. Então não vale bater no peito e dizer que trafegou gigabit através de um patch cable Cat5.
Falando em YouTubers, há diversas receitinhas sobre como emendar cabos de rede diretamente. Dá uma curiosidade enorme de passar um analisador e ver o estrago causado por essa anátema.
Agora, nada supera em engenhosidade o pessoal das "redes metro". Essa galera tem de ser estudada pela NASA.
Rede metro(politana?) é uma rede FTTC caseira montada por pequenos provedores de Internet, usando conversores de mídia, switches de fibra ou modems PON. O sinal vai até cada rua ou quarteirão por fibra ótica, mas a distribuição para os clientes do entorno é feita com Ethernet de cobre.
O grande desafio da rede metro é alimentar esses equipamentos ativos que "moram" no poste. A forma mais correta é usar PoE reverso. Mas sempre tem aquele cliente zé-ruela que reclama, que inventa que a conta de luz dele subiu, para arrancar descontos e indenizações. É difícil tornar o PoE reverso confiável (se fizer a partir de apenas um cliente, cai toda a rua quando esse cliente ficar sem energia).
Em lugarejos mais bucólicos, o provedor pega energia da iluminação pública, na cara dura. É o ideal do ponto de vista puramente técnico. Quando isto não é tolerado, começa a gambiarra grossa: "PoE reverso" de 110V ou 220V pelos pares não usados do cabo de rede. Ou trazer energia através da alma de aço do cabo de fibra ótica. (E você achando que PoE via fibra ótica era impossível...)
Outra tática é trazer um cabo de telefonia junto com a fibra, desde o ponto de presença, para energia. Por que um cabo de telefonia? Porque a aparência externa do cabo tem de ser insuspeita, uma vez que não é permitido transmitir tensões perigosas naquela parte do poste destinada a cabos de telecom. Para evitar problemas com indução (e talvez evitar detecção), é comum em redes metro usar corrente contínua de alta tensão (165VDC) em vez de corrente alternada.
Tudo isso é assustador, principalmente porque o técnico da companhia elétrica ou mesmo de outro provedor não espera encontrar alta tensão em meio aos cabos de telecom. De vez em quando alguém morre por causa disso, e cria-se animosidade entre a companhia elétrica e os provedores de Internet.
Mas tem um lado romântico, de pioneiro de Velho Oeste, essa coisa de montar provedor usando a tecnologia disponível de formas completamente inesperadas e subversivas; instalando fibras e cabos nos postes de forma clandestina, sem notificar nem pagar à companhia elétrica; muitas vezes sendo tolerado pelas autoridades por ser a bóia de salvação num mar de exclusão digital, em tantos lugarejos ermos e paupérrimos.
Recordar é viver, não é mesmo? Segue as categorias obsoletas/antigas de cabo de rede, em ordem cronológica inversa.
Categoria 5 ou Cat5: velocidade máxima de 100Mbps x 100m. Considerada obsoleta para aplicações de rede, mas ainda se encontra à venda pois é utilizada em CFTV (câmeras de vigilância). Uma instalação de 20 ou 25 anos atrás deve apresentar esse tipo de cabo.
Categoria 4: especificação que não "colou", semelhantemente ao Cat7. Foi empregada por curto espaço de tempo em redes Token Ring (16Mbps) e Ethernet 100BASE-T4 (implementação inicial de 100Mbps sobre cobre usando 4 pares de fios, sem muito sucesso no mercado).
Categoria 3: primeiro cabo definido como "de rede". Utilizado tanto em telefonia quanto nas primeiras redes de cabeamento estruturado dos anos 1990, cuja velocidade era 10Mbps sobre 2 pares. Não era incomum encontrar cabos Cat3 com apenas 2 pares, ou 3 pares para acomodar rede e telefonia.
Categoria 2: cabo de telefonia com pares trançados. Foi utilizado em redes ARCNet (2Mbps) e Token Ring (4Mbps).
Categoria 1: cabo de telefonia com pares não-trançados. No contexto de comunicação de dados, foi utilizado apenas em tecnologias ligadas à telefonia e.g. ISDN e modems.
Os cabos de categoria 1, 2 e 3 permanecem disponíveis no mercado, inclusive na versão blindada. São utilizados em aplicações de baixa velocidade, como alarmes, automação e comunicação serial RS-485.