Aqui no Brasil estamos tão acostumados com construções em alvenaria, que a maioria nem contesta por que esse sistema é o mais utilizado. Simplesmente aceitamos suas desvantagens como as "dores de parto" normais de uma casa ou edificação maior.
Pelo menos aqui no Sul, existia um grande preconceito contra casas de madeira, eram "coisa de pobre". O supra-sumo da pobreza era uma casa de madeira "meia água". Quem podia, construia de "material" (sinônimo local da alvenaria). Antigamente, madeira era extremamente barata, graças aos índios que plantaram as araucárias há 1000 anos atrás, e que nos anos 1970 ainda estávamos serrando como se fosse um recurso infinito.
Já experimentei os problemas da casa de madeira: fria no inverno, quente no verão, e dá pra ouvir os cupins trabalhando no silêncio da madrugada.
Nos EUA, 90% das casas têm estrutura de madeira, revestida de drywall ou compensado OSB. Como é parede dupla, tem conforto térmico. A madeira que eles usam é mais mole que o mais vagabundo pinus que se pode encontrar por aqui; um parafuso soberbo penetra uma coluna ou viga como se fosse um bloco de isopor! Ainda assim, não dá cupim, por conta do clima.
Alvenaria é o método de construção baseado no empilhamento de blocos regulares (pedras, tijolos, blocos de cimento) unidos pelo próprio peso e por uma argamassa de barro, cal e/ou cimento. A alvenaria pode ser estrutural, onde os blocos sustentam a estrutura, ou não-estrutural, onde os blocos têm apenas função de vedação.
Alvenaria não é sinônimo de concreto, embora quase toda casa de alvenaria empregue concreto na estrutura. Concreto é cimento reforçado por vergalhões de aço ou fibra de vidro. Por outro lado, uma casa poderia ter estrutura de concreto e paredes de drywall.
O Brasil é um país feito de barro vermelho. As olarias foram indústrias pioneiras no Brasil, e antigamente havia uma por bairro. Ainda hoje, existe pelo menos uma por cidade. Na esteira das olarias, vieram os revestimentos cerâmicos, apreciados desde o Brasil-colônia e indutores de mais um importante setor industrial.
Cimento e seus derivados (argamassa, concreto) são materiais quase milagrosos. Baratos, atóxicos, fáceis de trabalhar, aguentam esforços, endurecem na presença de água, são resistentes à água depois de curados (importante num país úmido como o Brasil) e há aditivos baratos que melhoram ainda mais a resistência à umidade.
Construções de alvenaria são resistentes ao fogo, a ventos, chuvas e inundações, coisas que temos muito no Brasil. Não seriam boas para terremotos, mas não temos terremotos. A alvenaria tem uma inércia térmica muito grande, amortecendo os extremos de temperatura.
A parede de tijolos rebocada com cimento permite pendurar objetos pesados na parede, e nos damos ao luxo de revestir inteiramente os cômodos molhados com o pesadíssimo porcelanato. Podemos lavar tudo com água corrente, enquanto isso os gringos limpam a casa com lencinho umedecido, pois um pingo de água no lugar errado pode ferrar o drywall ou comprometer a estrutura de madeira.
Depois de tantos elogios, por que alguém se daria ao trabalho de criticar a alvenaria?
Algumas desvantagens, que considero até menores, são óbvias: uma casa de alvenaria é pesada, o que exige fundações reforçadas. A construção é inerentemente mais artesanal e mais lenta que outros métodos. O processo de construção gera muito entulho, sujeira e poeira.
Uma grande desvantagem é o desperdício de material na hora de fazer instalações elétricas e hidráulicas. O método mais comum é cortar a parede para alojar os dutos, transformando toneladas de material em entulho pesado e não reciclável. Sim, há as instalações aparentes, empregadas em ambientes industriais e comerciais, mas não são populares em residências. (Eu até queria, mas a esposa vetou.) Por ser trabalho enjoado e sujo, a tendência é sempre tentar economizar no número de cortes, principalmente na elétrica, levando a uma instalação labiríntica e insuficiente.
Outra grandíssima desvantagem é a manutenção. Consertar um cano de água, acessar um eletroduto ou instalar uma tomada adicional implica em quebrar parede. Mais sujeira, mais poeira, mais entulho.
Este fator vai desencorajá-lo a fazer qualquer reforma, por mais simples que seja. Aquelas mega-reformas que deixam a casa praticamente no esqueleto, que você vê em programas de TV a cabo da gringa, não vão acontecer numa construção de alvenaria. Sendo difícil de reformar, a casa de alvenaria vai ficando antiquada, negando parcialmente a vantagem da durabilidade.
Isso é ainda pior em prédios de apartamentos. Porque numa casa você ainda dá um jeitinho: faz uma mucheta, abre um buraco, fecha outro, passa alguma coisa pelo sótão, etc. Não tem como fazer isso num apartamento. E assim, mesmo um apê de bom padrão construído em 2008 já parece velho em 2023.
Mas existe um caso ainda pior: casas e principalmente apartamentos feitos de alvenaria estrutural, em que você não pode mexer nas paredes. Em alguns prédios estilo Minha Casa Minha Vida, é proibido até mesmo fazer um buraquinho de 8cm para instalar um ar-condicionado split.
O gringo tem fama de construir em drywall porque não sossega e gosta de ficar mexendo na casa e fazendo puxadinhos o tempo todo. Pode ser verdade, pode não ser, mas o fato é que durante uma obra, ou logo após o término, diversas deficiências do projeto vão ficar evidentes. Isso é inevitável. Só que o custo do conserto é muito maior em alvenaria.
Por mais que a mão-de-obra local seja barata, mal paga mesmo, a alvenaria é um processo muito artesanal, o que anula boa parte dessa vantagem. Isso, e mais os desperdícios do processo, faz com que uma casa no Brasil tenha custo de construção da mesma ordem de grandeza que uma casa nos EUA.
Em resumo, a alvenaria deixa nossos imóveis muito engessados, tanto no front das reformas quanto no front da tecnologia.
A alvenaria não é culpada sozinha. Algumas técnicas construtivas agravam a inflexibilidade da obra.
Uma vez que a alvenaria é pesada, uma forma de baratear a obra é fazer fundação radier, diretamente sobre o solo. Mas aí todos os dutos têm de ser corretamente posicionados antes da concretagem; mudanças a posteriori são muito mais difíceis. Compare isto com a típica casa americana que tem porão ou pelo menos um crawl space.
Diversas técnicas novas, como por exemplo a hidráulica PEX, acabam sendo adotadas com atraso no Brasil, simplesmente porque o PEX não deve ser chumbado na parede como se faz ao PVC. O PEX é ideal para paredes ocas; numa parede de alvenaria, tem de passar dentro de um cano-guia, o que adiciona custo e trabalho.
Mesmo que você tenha dinheiro infinito, vai esbarrar no problema da qualificação de mão-de-obra. O pessoal está acostumado a fazer as coisas do mesmo jeito há décadas, e é extremamente resistente a mudanças. O grosso da população usa chuveiro elétrico, e o doido aqui vem falar de encanamento PEX...
Quando não é por pobreza ou desconhecimento, brasileiro economiza por safadeza. Por exemplo, no meu apartamento, nenhuma área molhada tem ralo de emergência. Qualquer vazamento que ocorra com o morador ausente vai chover no vizinho de baixo, ou estragar ou fazer desabar o teto de gesso dele. E sim, tudo isso já aconteceu aqui no edifício, mais de uma vez, não é catastrofismo.
Eletricidade e lógica, mesma cantiga. Para mitigar a inflexibilidade da alvenaria, seria preciso colocar caixinhas de parede em abundância, centralizando as interligações em caixas de passagem espaçosas e de fácil acesso, para que fosse sempre possível passar cabos de um lado a outro sem embaraço.
Mas, tanto por economia como por hábitos arraigados, ainda centralizam a fiação naquelas pequenas caixas de passagem de teto, criando ali um ninho de ratos, com acesso ruim, pior ainda se tiver teto falso. A norma proíbe caixa de passagem sem acesso, mas as pessoas nem sabem que existe norma, quanto mais respeitá-la.
Em suma, cada subsistema da casa é instalado como se a) nunca precisasse de manutenção, b) nunca precisasse de alterações, e c) existisse isoladamente, sem levar em conta os efeitos colaterais sobre os demais. Tudo isso sepultado numa parede difícil de abrir e remendar.
Não adianta pirar na batatinha; o brasileiro não vai deixar de construir em alvenaria. Como demonstramos no início do texto, ela tem muitas vantagens matadoras.
O outro problema de pretender usar outro sistema construtivo é achar mão-de-obra. Há empresas especializadas em todos os sistemas imagináveis, porém é certo que vão cobrar os olhos da cara. Porque o Brasil tem essa característica, é um país gigante com 210 milhões de habitantes, mas qualquer coisa que não seja "sabor baunilha" não consegue operar em grande escala e/ou se posiciona como um produto "premium" e custa os olhos da cara.
Então, a solução é ficar com a alvenaria e mitigar seus problemas.
Se eletricistas e encanadores seguissem as normas de suas guildas, já seria uma grande coisa!
Seria legal ver a hidráulica PEX ganhar tração, pois ela não admite tubos e derivações chumbados na parede, o que leva a um resultado final muito mais amigável à manutenção.
Os engenheiros civis poderiam sugerir soluções como:
O teto falso, também conhecido como rebaixo de gesso, foi a via transversa pela qual o drywall entrou em grande porcentagem das residências brasileiras. Ele acaba funcionando como uma mucheta horizontal, e já facilita deveras instalação e manutenção.
Uma vez que os apartamentos estão cada vez menores, acaba sendo compulsório fazer móveis sob medida para aproveitar bem o pouco espaço disponível, e isso é oportunidade para rearranjar instalações sem quebrar paredes. Por exemplo, um móvel de cozinha pode mover o ponto de água por vários metros, com os canos correndo por dentro.
Só é preciso tomar cuidado para o móvel planejado não virar uma camada adicional de dificuldade de manutenção. Assim como encanador só vê cano e eletricista só vê fio, marceneiro só vê madeira; ele vai embutir a instalação necessária mas vai ter zero preocupações com a possibilidade de manutenção. É preciso brigar muito, e conferir tudo.
O telhado é uma grande oportunidade de diminuir o peso total. A telha de cerâmica tradicional é muito pesada e suscetível a vendavais. Um sistema muito mais leve, que já tem boa aceitação por aqui, é o de telhas shingle. Pena que é caro, pois as telhas em si ainda são importadas. Há as telhas de fibrocimento, mas que não são do nosso gosto. Um telhado mais leve também implica num madeirame mais simples, elidindo outro problema comum: a maioria dos carpinteiros não sabe fazer madeirame de telhado.
Outra opção é não fazer telhado nenhum, transformando a laje em terraço. O que poderia ser melhor do que economizar e ainda ganhar uma área de lazer para o tradicional churrasco na laje? Porém, terraços são dificílimos de impermeabilizar de forma efetiva e permanente. Acho que são coisa mais para clima seco ou desértico.