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Escolhendo cabos e disjuntores

É claro, toda essa questão de escolher cabos e disjuntores está equacionada na norma NBR 5410 e em inúmeros vídeos excelentes no YouTube. Mas acho que uns e outros poderiam aprofundar-se um pouco nos rationales, nos motivos pelos quais se faz assim ou assado, para que frente a uma situação inusitada, pudéssemos andar com as próprias pernas.

"Ah o eletricista sabe." É... no mínimo absoluto você tem obrigação de conferir, já que é a sua vida e o seu conforto que estão em jogo, só digo isso.

Bitola de cabo elétrico

Cabos elétricos sempre foram caros, as pessoas sempre tentaram economizar neles, seja por falta de grana ou por falta do metal mesmo, como em épocas de guerra.

Outro fator que causa estranheza é abrir um aparelho qualquer, um motor, um eletrodoméstico, e constatar que os fios lá dentro são muito mais finos que os exigidos numa instalação. Me diz agora que a norma não está mancomunada com os fabricantes de cabos!

Na real, qualquer fio pode conduzir qualquer corrente; você pode ligar um chuveiro num fio de 1.5mm2 e vai funcionar. As condições que acabam impondo uma bitola mínima são as seguintes: aquecimento do fio, queda de tensão, e corrente de curto-circuito.

Aquecimento do fio

Este é o principal fator. Todo fio esquenta um pouco e é normal que esquente. O limite absoluto seria o metal derreter, mas o limite prático é o ponto em que o material isolante começa a degradar.

O isolante é o grande "vilão" aqui, porque ele é a camada mais sensível à temperatura, mas é justamente o isolante quem acaba funcionando como isolante térmico, acumulando calor dentro do cabo. O isolante mais comumente usado no Brasil, e também o de pior desempenho, é o PVC que suporta até 70 graus de forma contínua.

Condutores nus (nos postes e linhas de transmissão) ou esmaltados (dentro de motores e transformadores) podem ser muito mais finos para uma mesma corrente. Sem isolante, ou com isolante fino de elevada condutividade térmica, o calor é dissipado mais facilmente, e o equilíbrio térmico acontece numa temperatura menor.

Da mesma forma, um surto de corrente momentâneo não prejudica a fiação. Um motor de indução tem corrente de partida 7 vezes maior que a de cruzeiro, mas isso dura pouco, então a fiação pode ser dimensionada pela corrente de cruzeiro. Basta que o disjuntor tenha a curva correta para não desarmar durante uma partida normal (e desarmar no caso do motor não conseguir partir).

Também há a questão do ciclo de uso: um liquidificador trabalha um minuto por dia, então um fio fininho lá dentro não tem tempo de esquentar. Aparelhos de uso intermitente, extensões, etc. todos têm bitola menor do que numa instalação fixa. Além do mais, se um liquidificador estragar, você compra outro. Trocar a fiação da casa é bem mais complicado.

Em tese, se um circuito serve apenas a cargas intermitentes, poderia empregar bitola mais fina. Mas a tendência inexorável numa instalação elétrica é ir pendurando cargas adicionais em circuitos preexistentes, e as novas cargas não serão necessariamente intermitentes. Em particular, a construção em alvenaria dificulta reformas e exacerba essa tendência.

Os redatores da norma brasileira sabiam disso, e por isso mesmo preferiram nivelar os requisitos por cima. Em regiões com tensão de 220V, fiação de 2.5mm para tomadas é, a rigor, um exagero. Na Europa continental (cujas instalações são mais parecidas com as nossas), usa-se fio de 1.5mm para o mesmo fim. Só que no Brasil um circuito de tomada pode vir a alimentar um ar-condicionado, um forno, quiçá um puxadinho.

Não há uma fórmula simples estilo "lei de Ohm" para calcular a corrente máxima contínua de um cabo, mas temos as tabelas fornecidas pela norma e pelos fabricantes de cabos. Acredito que os valores tabelados sejam fruto de experimentos.

Todo eletricista e todo aquele que já fez casa tem alguns números na cabeça: 14A para fio 1.5mm2 de cobre, 21A para fio 2.5mm, 35A para fio 6mm, 50A para fio 10mm. Quem mora em regiões com tensão de 110/127V pode ter de lidar com bitolas ainda maiores.

Mas quanto exatamente o fio esquenta, ao conduzir a corrente de limite? Um fio 2.5mm conduzindo 21A aquece 3W por metro. Uma vez que o neutro geralmente passa no mesmo eletroduto, são na verdade 6W por metro. Se o circuito tiver 10m de comprimento, são 60W no total, mais que um ferro de solda. E todo esse calor está confinado pela cobertura plástica do isolante, e novamente pelo eletroduto plástico.

Queda de tensão

Podemos calcular a queda de tensão sem ajuda de tabelas, partindo da resistividade do metal. A do cobre é 1,77×10-8 ohm-metro, ou 1,77 ohms por km para um cabo de 10mm2.

Nesse cabo, ocorre uma queda de tensão de 1,77V por ampere-quilômetro. Parece pouco, mas se esse cabo conduzir uma corrente de 50A por 1km (ou 100A por 500m, ou 200A por 250m) temos uma queda de tensão de 1,77 x 50 = 88,5 volts. Se a tensão original era de 127V, perdeu-se quase tudo no caminho.

Queda de tensão é um problema mais relevante em ramais longos, encontráveis em zona rural. Por exemplo, um padrão de entrada de 50A usa cabos de 10mm; mas se estiver 100m distante da residência, será necessário usar 16mm para manter a queda de tensão dentro do limite de 6% prescrito pela norma.

Uma carga especialmente problemática é o motor de indução alimentado por um ramal longo. Ele tem corrente de partida 7 vezes maior que a de cruzeiro, o que significa 7 vezes mais queda de tensão. Isto enfraquece a partida; dependendo da carga mecânica, o motor não consegue partir. Para resolver isto, somos obrigados a calcular a bitola levando em conta a corrente de partida.

Corrente de curto-circuito

O terceiro balizador da bitola do fio é a corrente de curto-circuito. Diferente de um circuito eletrônico, uma instalação elétrica deve ser dimensionada para resistir a curto-circuitos acidentais.

O disjuntor existe para proteger a fiação em caso de curto-circuito, porém ele leva um tempo para desarmar. Enquanto a falha persiste, circula uma corrente absurdamente alta, fazendo cada metro de cabo esquentar o equivalente a um chuveiro. A bitola deve ser suficiente para que esta falha não cause danos.

Esta é a justificativa para usar cabos de 1.5mm em iluminação. É altamente superdimensionado para a carga, porém um cabo mais fino poderia estragar imediatamente em caso de curto-circuito.

É importante que o disjuntor possua corrente de disparo compatível com a fiação. A combinação de um disjuntor "forte" com fiação fina deixa passar energia demais, causando um aquecimento que, se não danifica imediatamente o fio, vai degradando o isolante.

Bônus: agrupamento e "derating"

Como vimos, o isolante do condutor é o principal limitador da corrente, pois dificulta a dissipação do calor. Ao usar cabos PP ou enfiar cabos em eletrodutos, estamos dificultando a dissipação, diminuindo ainda mais a capacidade de corrente.

O cabo Romex, muito popular nos EUA, é semelhante a um cabo PP, embora chato e colorido. Facilita muito a instalação, faz sentido para os gringos porque lá o custo da mão-de-obra ofusca o custo dos materiais, mas toma um strike na bitola: onde o cabo comum 1.5mm daria conta, o Romex tem de ser 2.5mm, onde seria 2.5mm vai para 4mm, e assim por diante.

No Brasil, a corrente padrão para cada bitola (e.g. 21A para 2.5mm) é para cabo inserido em eletroduto, numa parede de alvenaria, pois esta é a modalidade de instalação mais comum. Porém, se houver diversos circuitos num mesmo eletroduto, temos mais calor sendo gerado num mesmo espaço confinado. Passar 2 circuitos já causa uma penalidade de 20% na capacidade de corrente.

Por outro lado, enterrar o eletroduto no solo ou viver num lugar mais frio são coisas que ajudam no esfriamento dos cabos, e aumentam sua capacidade. Temperatura média de 20 graus em vez de 30 dá um bônus de 12% na capacidade de corrente. (Até nisso os gringos dão mais sorte que nós...)

A norma NBR 5410 possui diversas tabelas (chatas de ler e interpretar) que determinam o "derating" de um cabo, ou seja, a adequação da sua capacidade de corrente conforme as questões acima: agrupamento de condutores, temperatura ambiente média e forma de instalação.

Escolhendo disjuntores

Existe um cacoete arraigado de colocar disjuntores "fortes", de 25A ou mais, em todos os circuitos da casa. O rationale é evitar desarmes acidentais.

Esse negócio de desarme acidental não existe, e disjuntor não estraga por conduzir corrente próxima à de desarme. Colocar disjuntor maior é o equivalente moderno de colocar moeda no lugar do fusível.

Outro cacoete é usar disjuntor classe C para tudão, por ser mais resistente a desarme. Isso é tão arraigado que chega a ser difícil achar disjuntor B para comprar. (Mas hoje em dia isso não é desculpa, tem MercadoLivre com entrega Full para quê?)

O ideal seria colocar um disjuntor com a corrente de projeto e nada mais. Se o circuito vai alimentar um motor de 1CV em 220V, cuja corrente de cruzeiro é 5A, um disjuntor de 6A classe D seria perfeito. Outra opção razoável é 10A classe C, mais fácil de encontrar. Assim o disjuntor serve de canário além de proteger a fiação. Se desarmar, tem B.O. em algum lugar.

Da mesma forma, não faz sentido um disjuntor de 25A classe C num circuito de iluminação, ainda mais hoje em dia, o consumo de lâmpadas LED tende a zero. Se há um circuito de iluminação por cômodo, o menor disjuntor disponível (2A, classe B) já é superdimensionado.

Os disjuntores têm dois modos de desarme: curto-circuito e sobrecarga. Na corrente de curto-circuito, ele desarma imediatamente por magnetismo. Na corrente de sobrecarga, ele desarma por um dispositivo térmico, depois de um tempo inversamente proporcional à corrente. O dispositivo térmico meio que simula o aquecimento que está acontecendo no resto da fiação. É a famosa "curva do disjuntor".

Disjuntores são dispositivos analógicos e baratos, não são aparelhos de precisão. Não espere que uma unidade de 10A desarme ao ser percorrida por uma corrente de 10,1A. A tolerância admitida pela norma é grande e sempre para cima: um disjuntor de 10A tem corrente mínima de desarme entre 11,3A e 14,5A. Mais um motivo para nunca empregar disjuntores "mais fortes" que a carga: a própria norma já adiciona a folga necessária para evitar desarmes acidentais.

Bônus II: qual a maior corrente de curto-circuito possível?

Todo disjuntor tem uma corrente máxima de corte, acima da qual ele não consegue desligar. Esta corrente fica em torno de 3.000A para disjuntores comuns. Como garantir que o curto-circuito não ultrapasse este patamar e incendeie nossa casa?

Numa residência, dificilmente o curto chegaria nesse valor devido à resistência dos cabos, que é pequena, mas não é nula. Num ramal de 30m de cabo 10mm, a corrente de curto seria de no máximo 2.200A em 220V. Isso sem levar em conta a resistência de emendas, conectores, fiação do poste até o transformador, a impedância do transformador, etc.

Então, novamente, não precisamos nos preocupar com isso num padrão de entrada de baixa tensão, porque alguém já quebrou a cabeça por nós, e as peças do sistema já foram pensadas para os casos extremos.

Em instalações grandes, tipo edifícios com transformador próprio, as correntes de curto podem ser muito maiores, e o disjuntor geral tem de "crescer" também.

Bônus III: aterramento TT ou TN-C-S?

Ah, o tal do fio-terra, tão polêmico.

Em primeiro lugar, o pino do meio da tomada de 3 pinos é chamado de "terra", mas é na verdade um condutor de proteção, chamado PE (protective earth). Ele serve, por exemplo, para ser ligado à carcaça metálica de um equipamento. Se um fio de força escapar e tocar na carcaça, causa um curto-circuito através do condutor PE, que vai ser detectado pelo disjuntor de corrente ou pelo disjuntor DR.

A priori o PE não precisaria ser aterrado; poderia ser uma simples derivação do fio neutro antes do disjuntor DR. Porém, se por qualquer defeito da instalação o fio neutro criar potencial em relação à terra, a carcaça do equipamento passaria a dar choque.

Para evitar isto, o PE tem de ser aterrado, e o aterramento de proteção deve ser feito dentro da nossa instalação. Mas o que significa "dentro da instalação", neste contexto? Se for uma casa, o aterramento deve estar embaixo ou no entorno imediato da casa. Se for uma empresa com diversos galpões, cada galpão deve ter seu próprio aterramento.

(O aterramento feito junto ao poste do padrão de entrada é ligado ao neutro mas não pode ser considerado um aterramento de proteção. Primeiro, porque ele existe para atender à concessionária de energia, não ao consumidor. Segundo, ele costuma ser fraco, com apenas uma haste.)

Também há a questão de transientes como eletricidade estática e raios. Como o "gerador" deles é o planeta Terra, são referenciados à terra, e conduzi-los rapidamente a algum aterramento é uma forma eficaz de livrar-se deles.

Novamente, um aterramento junto à casa é o caminho mais curto; se delegarmos a drenagem do transiente ao aterramento do padrão de entrada, ele tem de fluir pelo fio neutro, dando margem para induzir tensões e causar danos ao longo do caminho.

Existem dois esquemas aceitos como bons em residências: TT e TN-C-S. No esquema TT, o condutor PE é um terra "puro", ou seja, o aterramento de proteção está conectado apenas ao condutor PE. No esquema TN-C-S, interligamos o aterramento de proteção ao neutro antes do disjuntor DR. Qual deles é melhor?

O esquema TT é melhor, porém ele só está 100% correto se houver dois aterramentos independentes: um para proteção, outro para equalizar o neutro. Por questões de custo e de espaço, já é difícil uma instalação possuir um aterramento decente, imagine dois... então o TN-C-S é mais pragmático.

O que muitos eletricistas entendem por "TT" é deixar o neutro flutuando desde o padrão de entrada. Realizado desta forma, o TT tem desempenho comprovadamente pior na presença de raios e surtos. O problema é agravado pela falta do DPS neutro-terra e por distâncias maiores entre a rua e a edificação, como acontece em áreas rurais.

De toda forma, o esquema TT tem duas grandes vantagens: limita a corrente de curto-circuito entre fase e PE, e garante que o aterramento de proteção só vai drenar falhas e transientes da nossa própria instalação. Alguns equipamentos sensíveis exigem aterramento de proteção exclusivo, caso em que TT é a única possibilidade.

Outra vantagem econômica do TT é poder alimentar cargas distantes com apenas 2 fios, obtendo o condutor PE com um aterramento local. Nada impede que uma instalação TN-C-S possua um circuito em modalidade TT, quando desejamos as vantagens do TT para aquele circuito em particular. Apenas é que o aterramento local deve ter impedância baixa o suficiente para disparar o disjuntor DR em caso de falha.

Apenas como trivia, vamos citar as demais modalidades de aterramento: TN-C, TN-S e IT.

TN-C usa apenas 2 fios; o neutro faz papel de PE. Muito encontrado em instalações antigas por ser mais barato e ter sido a norma em épocas de guerra devido à escassez de metais. Não admite disjuntor DR, então é um esquema perigoso à vida humana.

O outro extremo é o esquema TN-S, que traz o condutor PE separado desde o padrão de entrada. Uma vez que ele é aterrado tanto no poste quanto no quadro, é redundante com o neutro nesse trecho, acrescentando custo a troco de nada. Por isso, é raramente usado (até onde sei).

É possível converter uma instalação TN-C para TN-C-S aos poucos, adicionando o condutor PE e o disjuntor DR para circuitos específicos. Neste caso, "TN-C-S" significa que a instalação é parte TN-C, parte TN-S. Já numa instalação TN-C-S típica feita do zero, o único trecho "TN-C" é do poste até o quadro, que é inacessível e não deve estar alimentando nenhuma carga.

O esquema IT é semelhante ao TT porém a conexão do condutor PE ao aterramento é através de uma impedância. Isto abre a possibilidade de tratar falhas de forma mais elaborada, o que pode ser importante em ambientes hospitalares, industriais, etc.