As canetas-tinteiro indianas costumam ser associadas a duas características desejáveis: ebonite como matéria-prima, e produção artesanal.
É claro, nem todas as canetas produzidas na Índia são assim. Também é possível encontrar canetas artesanais de ebonite em outros países. Porém, estas últimas são raras e caras, enquanto as canetas indianas são relativamente baratas, levando-as a dominar este nicho. O próprio ebonite bruto é difícil de encontrar no resto do mundo, a ponto de alguns artesãos indianos anunciarem o material pelo eBay junto com suas canetas.
A propósito, ebonite é um tipo de borracha, vulcanizada até ficar rígida. Era um material popular antes do celulóide e dos plásticos de petróleo. Hoje é considerado obsoleto para quase todos os usos, mas ainda é considerado adequado para canetas-tinteiro. É bom para o corpo da caneta por não ser "frio" ao toque como os plásticos comuns. E é ideal para o alimentador por ser higroscópico. (Quase toda caneta cara tem alimentador de ebonite.)
O ebonite não se presta a produção em massa por não ser moldável como plástico, porém é adequado à produção artesanal já que pode ser usinado (torneado, furado, lixado, polido, etc.). Um objeto de ebonite é facilmente reconhecido pelo cheiro de borracha, que pode ser particularmente forte e até desagradável se o objeto estava num pacote fechado.
Outro material usinável (e não moldável) utilizado em canetas indianas, é o acrílico. Muitos microfabricantes oferecem os mesmos modelos em ebonite e acrílico, visando atender o público que não aprecia ebonite. O acrílico pode ser produzido numa infinidade de cores e padronagens, e pode ser translúcido ou transparente.
Algumas canetas indianas transparentes (tão baratas que costumam vir de graça junto com outras canetas) são feitas de resina vegetal biodegradável e têm um cheiro ainda mais estranho, meio adocicado, descrito pela minha esposa como "vômito de recém-nascido". Pessoalmente não me incomoda, é exótico e tal, mas certamente não é para todo mundo.
O ponto fraco das canetas indianas é o mesmo das canetas chinesas: a pena. Quase todas as minhas canetas indianas receberam penas Jowo, porque me parecia um absurdo ter canetas tão bonitas, feitas à mão e relativamente caras, combinadas com penas tão inferiores. Outro ponto fraco pode ser o alimentador, que apesar de feito de ebonite é artesanal e não tem ranhuras tão finas quanto os produzidos industrialmente.
Para contornar estes problemas, que afugentam muitos compradores potenciais, algumas microempresas estadunidenses como Peyton Street Pens (comumente abreviada para PSP nos fóruns) e Fountain Pen Revolution (comumente abreviada para FPR) revendem canetas indianas com penas substitutas e garantia de funcionamento. Claro que isto pesa um pouco no preço e principalmente no frete.
Pessoalmente, acho os preços da FPR bem razoáveis e o frete internacional é gratuito para compras acima de US$ 75. Para quem está começando com canetas indianas, é a opção mais segura. Os fabricantes/artesãos mais conhecidos podem ser encontrados na FPR, exceto pelo mais famoso: Ranga Pen, que está apenas na PSP.
Se quiser arriscar a sorte, ou tem habilidade em ajustar a pena, ou aceita o risco de ter de garimpar uma pena compatível se a pena original for imprestável, pode comprar direto no eBay. Assim como acontece com encomendas da China, as remessas da Índia costumam ter frete grátis ou irrisório, o que ajuda a diminuir o custo de aquisição. Até a Ranga Pen é vendida pelo eBay.
A caneta Ranga está num patamar acima das demais, e não é apenas pela fama e pelo preço. Externamente ela é igual às outras, porém é mais bem construída. Até a pena original é bastante boa. Pelo menos o meu exemplar não apresentou nenhum dos problemas típicos de canetas artesanais. Bastou lavar antes de carregar.
De qualquer forma, canetas indianas não são para iniciantes, nem mesmo as vendidas pela PSP ou FPR. A maioria é preenchida por "conta-gotas", o que já é um problema para não-entusiastas. Das duas canetas que comprei no FPR, uma funcionou perfeitamente, mas a outra não escrevia. Para que funcionasse, precisei remover pena e alimentador e lavar muito bem todas as peças da caneta — havia resíduos de usinagem em todos os cantos.
Além disso, precisei fazer o chamado "heat set", que consiste em mergulhar pena e alimentador em água fervendo para tornar o ebonite moldável e assim ajustar-se perfeitamente à pena. Na verdade, isto é uma vantagem do alimentador de ebonite, pois permite acomodar uma variedade maior de penas, mas é uma vantagem que a maioria das pessoas dispensa, preferindo algo que funcione assim que retirado da caixa.
Outra modificação que você pode fazer é diminuir a capacidade das canetas "conta-gotas". Embora a grande capacidade seja anunciada como vantagem, na prática não me parece ideal uma caneta armazenar 5mL de tinta. Eu pelo menos gosto de trocar de cor mais freqüentemente.
Mas o grande problema de uma caneta de grande capacidade é "arrotar" tinta, porque a) o calor da mão aquece diretamente o reservatório (que é o corpo da caneta); e b) se o reservatório não estiver 100% preenchido de tinta, o ar expande com o calor e empurra tinta para fora. Isto só acontece quando a caneta estava fria, e talvez nem aconteça num país quente como a Índia. A solução mais efetiva é reduzir a capacidade, preenchendo parte do espaço vazio com epóxi, cola quente, cortiça ou outro material inerte. Isto diminui a quantidade de ar expansível tanto em termos absolutos quanto relativos.
Para quem é entusiasta e gosta de fuçar, as indianas são um prato cheio. São uma forma acessível de possuir canetas bonitas, sui generis no método de fabricação e nos materiais.
(A empresa americana Noodler's também oferece canetas baratas com alimentador de ebonite e pena flex, nesse mesmo espírito "faça-você-mesmo": a caneta precisa ser ajustada e passar pelo "heat set" para funcionar, do contrário vaza, ou não escreve. Se você quer canetas ajustáveis só pelo prazer de ajustar, Noodler's é outra opção a ser considerada.)