Georreferenciamento é a descrição de um imóvel com base em coordenadas absolutas, obtidas com equipamentos GPS especiais de topografia, cuja precisão é melhor que 25mm.
Poder-se-ia usar latitude e longitude, porém usam-se coordenadas planas UTM, que são equivalentes (pode-se converter latitude/longitude para UTM e vice-versa com um simples cálculo).
Na zona urbana, praticamente toda cidade já é georeferenciada, inclusive há fiscalização de construções irregulares por fotos de satélite. O custo deste processo recai sobre a própria prefeitura, ou sobre os empreendimentos de loteamento. (Ao desmembrar imóvel urbano, é preciso apresentar mapa de topografia, também. Neste caso, são os envolvidos que pagam diretamente pela despesa.) De um jeito ou de outro, o dono de um imóvel urbano comum nem fica sabendo que existe essa coisa de georeferenciameto.
Na zona rural, o custo e algumas burocracias acessórias recaem sobre o proprietário. O INCRA estipulou um calendário para que todos os imóveis rurais sejam georeferenciados. Até 2025, até os menores sítios deverão estar georeferenciados.
Isso também é exigido em qualquer transmissão de bens. Os marcos (físicos ou virtuais) de georreferenciamento são averbados na escritura. Ou seja, para escriturar qualquer imóvel rural, ele deve estar, ou precisa ser, georeferenciado. Quando um imóvel é desmembrado, haverá retrabalho e mais gastos com referenciamento, embora é claro que o trabalho não vai começar do zero absoluto.
Apesar de ser mais um procedimento aparentemente burocrático, eu vejo o georeferenciamento com bons olhos, pois resolve um problema secular do Brasil: a demarcação deficiente de propriedades rurais. Já ocorreram muitas brigas, mortes, fraudes, etc. por conta de limites incertos e marcos de divisa modificados na calada da noite.
Um exemplo pessoal: a terra que comprei foi desmembrada de uma gleba que tinha originalmente 7,9ha, com georreferenciamento averbado em meados dos anos 2010. Porém, antes disso, ela tinha "10ha" na escritura. A descrição das divisas mal gastava um parágrafo. Certamente houve choro e ranger de dentes quando o agrimensor deu a má notícia.
Acontecia muito, e ainda acontece de um rolista, vendedor safado, apresentar uma propriedade ao potencial comprador, dizendo que ela vai até "lá naquela árvore" e na hora H descobre-se que não vai. Se o comprador estiver armado de um simples celular e de um app adequado, já não cai nessa.
O georreferenciamento também "terceiriza" eventuais conflitos com vizinhos por questões de limites. Cada um pode contratar seu topógrafo de confiança, e o GPS vai dar o mesmo resultado para todos. É um status quo muito melhor do que as tradicionais rixas de décadas entre vizinhos, por conta de 1 metro de cerca.
E existem problemas muito mais graves que isso Brasil afora, como invasão de terras públicas, reservas indígenas, duplicidade ou triplicidade de donos de uma mesma gleba. Num cenário ideal onde toda terra rural tem CCIR e é georeferenciada, todos esses problemas serão "automaticamente" resolvidos.
E como essas coordenadas podem ser conferidas?
Primeiro, o mapa e as coordenadas fornecidas ao cartório deverão ter ART, ou seja, assinatura digital do topógrafo que é responsável técnico. O cartório não confere, mas se houver problemas, o nome do topógrafo está lá para ele responder por qualquer erro.
Segundo, as coordenadas serão cedo ou tarde certificadas pelo INCRA através de um sistema chamado SIGEF. Sim, é mais uma burocracia: o topógrafo deve ter cadastro no SIGEF para inserir os dados. Tipicamente é o próprio topógrafo quem faz isso, devido a necessidade de ART e conhecimento técnico, é algo bem mais especializado que o CCIR.
Por enquanto, sítios menores que 50 hectares não precisam estar certificados pelo INCRA/SIGEF, porém até 2025 esta certificação será exigida de toda e qualquer propriedade. Sem isso, não será mais possível passar escritura.
O ponto é que o SIGEF compara se as coordenadas têm sobreposição com outras terras, ou área de menos em relação a área total declarada, dentro de uma certa tolerância.
Os mapas gerados nesse esforço de topografia e burocracia serão úteis durante todo o futuro desse imóvel, seja na hora de obter alvará de construção, ou construir cercas, ou determinar áreas de preservação... Não gosto da burocracia, mas também não posso conceber trabalhar um imóvel sem ter um simples mapa dele. Aproveite e faça um mapa completo, com curvas de nível.
O georeferenciamento também será importante na hora de preencher o CAR (Cadastro Ambiental Rural), e o processo de levantamento topográfico já deve olhar as questões de APP para que a informação esteja pronta para o CAR. O sistema do CAR já detecta sobreposições de cadastros.
O que você terá de fazer, é escolher uma empresa de topografia, sabendo que vai "casar" com ela, pois você precisará que ela assine a ART para os mapas exigidos em cada passo burocrático: escritura, CCIR, CAR, prefeitura, eventuais licenças ambientais... Até na hora de fazer uma cerca ou achar o limite exato com a estrada, será necessário que o topógrafo venha com o GPS e finque o piquete.
Embora atualização de CCIR/CAR/NIRF seja mais tradicionalmente executada por contadores, também há empresas de topografia que fazem este serviço, o que por um lado facilita sua vida, já que toda a informação está num lugar só, por outro lado você vai virar cliente cativo, pois sempre haverá outra burocracia a atender e você vai proporcionar uma fonte pequena porém perene de faturamento.
Se você é paranóico como eu, vai querer conferir se as coordenadas da escritura ou do topógrafo estão corretas, se correspondem mesmo ao imóvel oferecido. (Se seu nível de paranóia foi extremo, pode até ir ao registro de imóveis e requerer os mapas acessórios do registro.)
No Google Earth Pro (o que instala no computador), você pode configurar para usar coordenadas UTM em vez de latitude e longitude. Este vídeo ensina a fazer isso no Windows. Você pode então adicionar alfinetes com as coordenadas da escritura.
Também há alguns apps de georeferenciamento para celular. Os que prestam, são todos pagos. Lembrando que a incerteza do GPS do celular é de 5m, então o celular não serve para fincar marcos divisórios nem definir linhas de rumo para cercas. O app serve apenas para checar os limites aproximados, o que é suficiente para uma pesquisa pré-compra.
O GPS do celular funciona mesmo onde não há sinal celular, apenas demora mais para chegar na resolução máxima, principalmente se o celular está há muitas horas sem sinal. No pior caso, pode demorar 10 minutos para se achar. Mas funciona.
Reforçando que nem celular nem nenhum GPS portátil tem precisão suficiente para determinar marcos ou linhas de cerca. O georeferenciamento profissional é feito com dois aparelhos com antena externa, um deles parado para servir de referência; e os dados brutos têm de sofrer pós-processamento.
Outra opção "velha escola" é usar os mapas cartográficos do IBGE, que têm download gratuito. Os próprios mapas têm um mini-guia sobre coordenadas UTM. Claro, o mapa é muito menos detalhado que o Google Earth. Um hectare é um quadradinho de 2mm no mapa do IBGE. Mas já é suficiente para conferir se o terreno está mesmo na localidade alegada.
Um ponto em que os mapas do IBGE são superiores às outras ferramentas, é a riqueza de informações topográficas: curvas de nível, rios e nascentes, banhados, e estas informações são cruciais. Rios estreitos, ocultos por árvores da mata ciliar, não aparecem no Google Earth. Também há muitas informações de geografia humana: tipos de cultura, áreas de floresta nativa, áreas de reflorestamento, até nomes de fazendas.
É improvável que um fiscal vá fuçar cada canto da sua propriedade à cata de nascentes e outros detalhes que têm impacto no uso permitido do terreno. Por outro lado, se consta no mapa do IBGE que um rio nasce ali, ou passa por ali, é informação pública e não pode ser ignorada.