Além dos nós e trabalhos em cabos, outra coisa com que tive contato no escoteiro foi o mundo da orientação: cartas topográficas, bússolas, azimutes, cartografia, etc. Aprendi que orientar-se é um talento adquirido. Uma vez, consegui me perder dentro da cidade, com mapa, bússola e rádio na mão! Foi humilhante, mas instigou a aprender.
Um aspecto que me intrigava nas cartas do IBGE era a questão das coordenadas planas UTM. Aprendemos a usá-las no escoteiro, mas não havia uma compreensão exata de onde elas vinham. Dificilmente um leigo tinha contato com coordenadas UTM na época; parece que era coisa que se via no escoteiro ou no Exército.
Na figura acima, note as latitudes e longitudes identificadas na ponta superior direita. Já os números ao longo das bordas são as coordenadas planas. As linhas pretas finas sobre o mapa correspondem a números redondos de coordenadas planas, e formam uma grade de quadrículas.
Desde os anos 1990, o GPS popularizou-se, e todo mundo sabe sua localização em tempo real, viabilizando serviços tipo Uber. Também tornou-se comum georeferenciar imóveis urbanos e rurais, novamente por obra e graça do GPS. Neste último caso, utiliza-se coordenadas UTM, então aumentou muito a chance de um leigo ter contato com elas.
Se já temos as coordenadas polares na forma de latitude e longitude, que (espero) todo mundo sabe como funcionam, por que usar um outro sistema de coordenadas?
Latitude e longitude funcionam, mas têm uma série de desvantagens para uso em topografia:
Assim, foi inventado o sistema UTM (projeção Universal Transversa de Mercator), que permite expressar a localização em coordenadas planas, cuja unidade é o metro.
Como se sabe, todo mapa tem distorções. É impossível projetar uma superfície esférica num mapa plano sem causar distorções ou descontinuidades. Na fotografia, ocorre um desafio semelhante: projetar uma cena tridimensional sobre um filme bidimensional.
Em particular, a projeção cilíndrica de Mercator tem péssima fama, por fazer parecer que a Groenlândia é maior que o Brasil, entre outras bizarrices.
No meu tempo de escola (pré-queda do Muro de Berlim) havia professores (de esquerda, claro) que diziam que a projeção de Mercator era assim porque era eurocêntrica...
A grande vantagem da projeção Mercator é representar azimutes como linhas retas. Uma rota de azimute 70 graus no mundo real é uma reta de ângulo 70 graus sobre o mapa. Isto era muito útil na época da navegação a vela, que só contava com a bússola magnética.
A projeção UTM, apesar de ser de Mercator, quase não tem distorção. Isto é possível mediante duas providências:
Por ser de Mercator, a projeção UTM retém a vantagem de representar azimutes como retas, e pode ser usada para regiões até 80º de latitude, bem próximas aos pólos. (Para mapear os pólos em si, emprega-se o sistema UPS de coordenadas planas, análogo ao UTM.)
A limitação da projeção UTM é que ela não permite produzir um mapa-mundi. Ela serve para mapear pequenas áreas, que é exatamente o que precisamos para fazer cartografia e topografia regionais.
Uma vez que o fuso de terra projetado UTM pode ser considerado um plano, com distorção desprezível, podemos então jogar um sistema de coordenadas plano, cartesiano, sobre ele.
Tomando por exemplo o fuso UTM 22, que vai das longitudes 48º a 54º oeste, e cobre praticamente todo o sul do Brasil. A origem ou "datum" das coordenadas planas é a linha do equador (N=0) e a longitude central do fuso, 51º (E=0).
Note que, usando esta convenção, teríamos de usar valores negativos para locais que ficassem ao sul e/ou a oeste da origem.
Para evitar isso, a convenção UTM adiciona 10.000km à coordenada N e 500km à coordenada E. Portanto, no "datum" linha do Equador/51ºW, a coordenada é N=10.000km, E=500km. Ou então N=10.000.000m, E=500.000m. Graças a estes deslocamentos, toda coordenada UTM é positiva.
A coordenada UTM precisa vir acompanhada do fuso e do datum para ter significado. No caso da região sul, o fuso é UTM 22, ou UTM 51ºW (este o meridiano central do fuso). O "datum" será explicado mais adiante.
Existe um mapeamento 1:1 entre cada coordenada geográfica (latitude/longitude) e UTM. Portanto, expressar uma posição de uma ou de outra forma é equivalente, não existe ambiguidade. O cálculo de conversão é extenso embora não seja matemática avançada. Melhor ainda é usar alguma calculadora Web, existem diversas para escolher.
É possível fazer uma aproximação com base no fato da milha náutica ser aproximadamente igual a 1 minuto de grau. Por exemplo, a latitude 26ºS está distante aproximadamente 1852x-26x60 = -2.889.120m do Equador. O valor é negativo pois estamos ao sul do Equador. Somando 10.000.000 a este valor, obtemos N=7.110.280m.
A coordenada UTM E exige mais contas pois um grau de longitude muda de tamanho conforme a latitude. A "milha náutica de longitude" em 26º é próxima a cos(26º)x1852 = 1664.56m. O centro do fuso UTM é 51º. A coordenada 48º está 3 graus a leste (positivos). Portanto, a coordenada UTM E estimada é 1664.56x60x3+500000 = 799.621m.
No ponto 26ºS 48ºW, datum WGS-84 a coordenada UTM é N=7.120.867m, E=800.318m. Nossa estimativa errou uns 10km no sentido N/S e 0,7km no sentido E/W. É um desvio grande, mas as coordenadas ainda caem na mesma região. É uma aproximação suficiente para o leitor enxergar de onde vêm esses números.
Embora as ferramentas tipo Google Earth Pro, aplicativos de georreferenciamento, etc. permitam expressar a localização em coordenadas UTM, vamos mostrar o método "raiz", com base numa carta do IBGE que contém a grade UTM sobreposta ao mapa.
Na figura acima, desejamos obter as coordenadas UTM aproximadas do pico do Morro do Amaral (seta vermelha). Pelos números da borda do mapa no sentido vertical, deduzimos que a coordenada N ficará entre 7.088.000m e 7.090.000m. Pela mesma lógica, a coordenada horizontal E ficará entre 722.000m e 724.000m.
Para refinar estes valores, precisamos usar a régua para medir a distância da quadrícula e fazer a interpolação. Considerando que a quadrícula mede 40x40mm, representando um quadrado de 2km de lado, e o topo do morro está 17,5mm à direita e 25mm acima das linhas, a coordenada N é 7.088.000+2.000x25/40 = 7.089.250m. A coordenada E é 722.000+2.000x17,5/40 = 722.900m.
Uma visitinha ao Google Earth Pro nos mostra que a coordenada é N=7.089.208m, E=722.942m. Este erro poderia ser derivado das imprecisões da régua e do mapa. Outra fonte de erro que pode causar desvios da ordem de 50m é o datum diferente: o mapa é SAD-69, enquanto o Google Earth é WGS-84 (explicaremos mais adiante o que é datum).
No geral, é perfeitamente possível obter uma boa aproximação da coordenada UTM usando mapa. Também é tranquilo localizar no mapa o ponto de uma coordenada UTM fornecida (digamos, numa escritura de imóvel rural, ou numa atividade de geocaching).
Os mapas do IBGE também contém uma fórmula para obtenção de coordenadas planas, porém desprezando o dígito mais significativo. A ideia dessa fórmula é obter uma coordenada UTM "local", que identifique um ponto dentro daquele mapa, então essa coordenada precisa vir acompanhada da identificação do mapa a que ela pertence.
Por último, os mapas do IBGE possuem uma nomenclatura de articulação. Por exemplo, o mapa de Joinville 1:50.000 que tenho utilizado em muitos exemplos, possui a identificação SG-22-Z-B-II-3.
O "22" identifica o fuso UTM, "SG" delimita uma faixa de longitude de 24ºS a 28ºS. O mapa "SG-22" seria na escala 1:1.000.000. Deste mapa gigante, desmembram-se quatro mapas de 1:500.000, denominados "W", "X", "Y" e "Z". Do mapa "SG-22-Z" desmembram-se mais quatro, escala 1:250.000, denominados "A", "B" "C" e "D". Do mapa "SG-22-Z-B" desmembram-se mapas 1:100.000... e assim por diante, até escalas 1:5.000 ou menores.
Idealmente o IBGE ofereceria mapas de todas as áreas e tamanhos possíveis, porém infelizmente não é o que acontece na prática. Pelo menos aqui na minha região, encontra-se mapas 1:50.000 de áreas mais desenvolvidas, e 1:100.000 do interior, bem como uma e outra carta 1:250.000 que dá o panorama geral. Mapas mais detalhados (1:25.000 ou menores) são compilados por prefeituras de cidades grandes, para fins de planejamento urbano.
Nas figuras anteriores, os bons observadores podem ter notado que as quadrículas não estão perfeitamente alinhadas com as bordas do mapa. O desvio é pequeno, mas é visível.
Esse desvio é maior nas cartas que estão longe do centro do fuso UTM. Por exemplo, no fuso UTM 22, cartas em torno da longitude 51ºW têm distorção praticamente zero, enquanto as cartas de longitude próximas a 48ºW (ou 54ºW) têm distorção máxima. Esse efeito será mais intenso em latitudes mais altas.
De onde vem essa distorção? Como vimos antes, a ideia básica da projeção UTM é pegar uma fatia fina da Terra em forma de fuso, e tratá-la como se fosse plana.
No lado esquerdo da figura acima, vemos o fuso UTM 22, um pouco exagerado na largura. Sobre a projeção do fuso, jogamos a grade de coordenadas UTM, em azul. A grade UTM é cartesiana, retinha.
O meridiano 51ºW é o centro do fuso, e ele forma uma linha reta no plano, como esperado. Da mesma forma, a linha do Equador é uma linha reta, conforme esperado.
Porém, os meridianos 48ºW e 54ºW aparecem como curvas na projeção. Portanto, são obrigatoriamente mais longos, na projeção, que o meridiano 51ºW. Uma vez que todos os meridianos são iguais no mundo real, vemos que a projeção UTM introduziu uma distorção.
No lado direito da figura, vemos que os paralelos projetados também traçam curvas, tanto mais quanto se afastam do Equador. Uma vez que os meridianos projetados ficam cada vez mais longos conforme se afastam do eixo, os pontos de cruzamento com os paralelos são arrastados junto.
Dizendo isso de outra forma: se eu traço paralelos a cada 10º, vou dividir os meridianos em 9 segmentos iguais. Porém, se os meridianos mais externos do fuso são mais longos, o tamanho de um segmento de 10º externo é maior que um segmento de 10º no eixo. Então o paralelo não pode ser reto, ele tem de fazer uma curva para tocar o meridiano central, o meridiano externo, e todos os meridianos intermediários na divisão de 10º.
Observe ainda na figura acima que, salvo pelo eixo central do fuso UTM, os paralelos e meridianos estão inclinados em relação à grade UTM. Os pontos cardeais reais divergem um pouco dos "pontos cardeais UTM". (Lembrando novamente que as figuras estão exageradas, a distorção na prática é pequena.)
Se você traçar uma rota com azimute 0º (norte geográfico), e acompanhar sua coordenada UTM no celular, talvez espere que a coordenada UTM E ("Leste") não mude. Mas ela muda, pois um azimute 0º traça uma curva sobre a grade UTM.
Por outro lado, se você fizer uma rota em que a coordenada UTM E seja constante, seu azimute não será igual a 0º (ou 180º). De fato sua direção geral será norte-sul, mas haverá um pequeno desvio, que é diferente em cada lugar.
A próxima figura, em três tempos, mostra como isto reflete numa carta topográfica.
No lado esquerdo da figura, identificamos uma área do fuso UTM, da qual desejamos produzir um mapa. Se a área do mapa é delimitada por latitudes e longitudes, o quadrilátero a ser mapeado será irregular, uma vez que os meridianos e paralelos traçam curvas na projeção UTM.
Isto pode ser visto na parte central da figura: temos um polígono irregular, contrastando com o sistema de coordenadas UTM sobre ele, perfeitamente regular.
Porém, o objetivo final da projeção de Mercator é obter um mapa "retinho", em que as bordas do mapa estejam alinhadas com os pontos cardeais, e azimutes traçados sobre o mapa sejam reais (estou falando de norte geográfico aqui, não de norte magnético).
Assim sendo, a projeção final transforma o polígono irregular em um retângulo alinhado, conforme a parte direita da figura. Mas a transformação arrasta junto a grade UTM, que é "entortada" para que continue correspondendo à superfície do mapa.
Aliás, esta foi uma das primeiras coisas que aprendemos no escoteiro: o azimute deve estar alinhado com a borda do mapa, não com a grade UTM (quadrícula).
Felizmente, em cada mapa do IBGE há uma anotação indicando o desvio entre o norte geográfico (NG) e o norte de quadrícula (NQ). Então, podemos usar as quadrículas como referência, desde o desvio seja descontado.
É uma compensação semelhante a que fazemos para achar o norte geográfico com bússola, exceto que o desvio do norte magnético é muito maior.
"Datum" é o ponto de referência, o "zero" a partir do qual todas as demais medidas são tiradas.
Por exemplo, o mapa do IBGE contém altitudes. Mas elas são altitudes em relação a quê? Qual é o datum dessa altitude, ou seja, qual o ponto onde a altitude é definida como zero?
No caso do Brasil, o datum de altitude é o nível médio do mar observado na entrada do porto de Imbituba/SC. Antes dele, houve o marégrafo de Torres/RS, que consta como datum de alguns mapas militares antigos.
Porém, um GPS indicaria uma altitude diferente de zero, se posicionado nesse ponto da cidade de Imbituba. A diferença é pequena (2 ou 3m), mas ela existe. Por quê? O motivo é que o datum do GPS é o WGS-84. Nesse datum, presume-se que a Terra tem um formato de elipsóide, uma esfera levemente achatada.
Se a Terra fosse lisa e de constituição uniforme, o nível médio do mar coincidiria com o modelo WGS-84 em qualquer ponto do globo. Só que a Terra não é uniforme. Por exemplo, uma concentração maior de minério de ferro pode aumentar a força da gravidade, e isto influencia o nível médio do mar no entorno.
Tanto o datum de Imbituba quanto o WGS-84 estão "certos". Eles são diferentes porque baseiam-se em premissas diferentes.
Também tem de existir um datum horizontal, que afeta a posição geográfica.
Como é de se esperar, as coordenadas de um lugar variam em função do datum escolhido. Hoje em dia, o WGS-84 é de uso praticamente universal, por ser adotado pelo sistema GPS. O datum oficial brasileiro é o SIRGAS2000, que felizmente diverge muito pouco do WGS-84.
O SIRGAS2000 é mais bem-conformado com a América do Sul que o WGS-84, razão pela qual ele foi adotado. Para um leigo, usar WGS-84 não é problema pois a diferença é pequena e a precisão de um GPS comum é muito pior que a diferença entre os data (sim, o plural de "datum" é "data").
O datum horizontal define diversos parâmetros: diâmetro da linha do Equador, ponto central da Terra, e diâmetro dos meridianos. Esses valores descrevem um elipsóide quase esférico, um modelo da Terra que é matematicamente fácil de tratar, e aproxima bem o formato da Terra real (noves fora as regiões acima ou abaixo do nível do mar).
No caso do WGS-84 e do SIRGAS2000, o centro virtual da Terra coincide com o centro de massa real (embora medir onde está esse centro de massa não é fácil, e a precisão da medida vai melhorando com o tempo).
O Brasil já usou outros data horizontais no passado, entre eles o SAD-69 (Chuá) e Córrego Alegre. Ambos constam nas cartas topográficas do IBGE, com o SAD-69 figurando em mapas um pouco mais novos, e Córrego Alegre nos mais antigos. Diferente do WGS-84, esses data são específicos para o Brasil ou para a América do Sul. Os elipsóides descritos por eles não têm o centro coincidente com o centro de massa da Terra.
Para cada datum antigo, existe ou existiu um marco geodésico fincado no chão, cujas coordenadas são consideradas perfeitas (imagino que sejam calculadas usando observação das estrelas, sextante, etc.). Todas as demais coordenadas baseadas nesse datum são relativas a esse marco. O marco de Córrego Alegre parece estar em ruínas, enquanto o marco do SAD-69 em Uberaba ainda está em boas condições.
Antigamente, não havia GPS, então foi feito um trabalho enorme de fincar centenas ou milhares de marcos geodésicos por todo o território brasileiro, principalmente em pontos altos e notáveis. Eles formavam uma rede de triangulação de posição e altitude, É por meio de inúmeras triangulações que foi possível, por exemplo, calcular a altitude de um morro em Minas Gerais com base no datum vertical de Imbituba. Uma vez que as altitudes absolutas dos marcos sejam conhecidas, é "fácil" calcular outras altitudes do entorno.
Ainda há muita coisa georreferenciada no Brasil com base nos data SAD-69 e Córrego Alegre, além é claro dos mapas do IBGE, que estão desatualizados mas ainda são o melhor que existe em termos de cartografia geral.
Para você ter uma ideia das diferenças, vamos tomar a coordenada 26ºS 51ºW por exemplo. No datum Córrego Alegre, as coordenadas UTM são E=500.000m N=7.124.276,85m. Usei esta calculadora do INPE para fazer todas as conversões.
No datum SAD-69, as coordenadas deste mesmo ponto são E=499.995,67m (-4m aprox.) e N=7.124.314,24m (+37m).
No datum WGS-84/SIRGAS2000, as coordenadas são E=499.945,79m (-54m) e N=7.124.270,42 (-6m).
Portanto, as diferenças entre os data são bem palpáveis, ultrapassando 50m em certos casos.
Muitas vezes, essas diferenças podem ser desprezadas. Por exemplo, ao traçar uma rota sobre um mapa 1:100.000, um erro de 50m corresponde a meio milímetro. A distorção da impressão sobre papel causa erros maiores que esse. Ou, se você estiver procurando um shopping center com base em coordenadas UTM, vai achá-lo facilmente, mesmo com datum errado, pois é um objeto notável que pode ser visto de longe.
Por outro lado, em se tratando de demarcação de imóveis, ruas, etc. é muito importante usar o datum correto, uma vez que qualquer errinho de meio metro pode dar briga.
Muitos aparelhos de GPS e apps de celular podem fornecer a localização em coordenadas UTM. Porém as coordenadas desses aparelhos sempre têm vários metros de incerteza. Servem para você saber onde está, para fazer uma conferência grosseira dos limites de uma propriedade. Jamais use esses aparelhos para determinar marcos de divisa ou alinhamentos de cercas/muros.
Aliás, o GPS de um celular tem mais precisão em movimento do que parado, então é óbvio que não é o aparelho mais adequado para determinar pontos fixos. Mas, sabendo disso, você pode usar um truque para obter coordenadas de qualidade um pouco melhor: não fique parado, vá andando ao longo de uma cerca ou rua, coletando pontos intermediários enquanto anda, e você vai ver que a precisão desses pontos é bem melhor que os 3m ou 5m típicos.
Se seu GPS ou celular indica que uma divisa ou cerca está no local errado, não pague mico: faça a lição de casa antes de escalar a disputa! Use o mesmo aparelho para conferir todas as demais divisas. Se todas desviam igualmente, o desvio é do aparelho, não das divisas. Não ignore os velhos métodos: confira testadas e azimutes usando fita métrica e bússola. Se todos os métodos confirmam sua suspeita, aí é hora de contratar o agrimensor.
As fontes de erro são muitas. A antena de um aparelho portátil é fraca; dificilmente o usuário fica parado no lugar por tempo suficiente; obstáculos naturais distorcem o sinal; mudanças sazonais na constituição da ionosfera; mudanças na temperatura e umidade das diversas camadas da atmosfera, relacionadas ao clima e às estações do ano; e até o movimento das placas tectônicas muda as coordenadas com o tempo.
Os aparelhos de GPS para agrimensura profissional, mais conhecidos como "GNSS", conseguem atingir uma precisão de milímetros mediante uma série de técnicas:
a) Um GNSS típico vem montado num tripé e possui uma antena muito melhor que um GPS portátil.
b) Um GNSS fica parado vários minutos num mesmo ponto até registrar uma coordenada, fazendo uma média do sinal GPS recebido e amortizando o erro inerente. Este tempo pode variar de 1 minuto a várias horas, dependendo da precisão desejada e do equipamento.
c) Em geral usam-se dois aparelhos GNSS. Um deles fica parado sobre um ponto conhecido, cuja coordenada precisa já foi apurada anteriormente. O outro GNSS é movido para coletar coordenadas. Algumas distorções do sinal GPS (ionosfera, etc.) afetam igualmente os dois GNSS ao mesmo tempo, portanto as coordenadas relativas (em relação ao ponto conhecido) estarão imunes a essas distorções.
d) Os GNSS RTK, mais modernos, têm comunicação bidirecional entre a estação fixa e a móvel. Isto permite usar uma técnica chamada detecção de fase, que aumenta ainda mais a precisão da coordenada relativa. (Técnicas análogas são utilizadas para aumentar a precisão em áreas maiores: DGPS para navegação marítima e WAAS para aeronavegação. O DGPS usa estações terrestres fixas, enquanto o WAAS usa satélites geoestacionários.)
e) Para obter uma coordenada absoluta precisa, a coordenada coletada pelo GNSS fixo sofre pós-processamento por software apropriado, ou gratuitamente no site do IBGE.
A correção é feita com base em dados coletados por estações GNSS fixas do IBGE, espalhadas pelo Brasil inteiro. Tais estações têm localização perfeitamente conhecida, confirmada com triangulação, sextante, etc. portanto elas "sabem" exatamente qual o erro do GPS a cada momento.
A coordenada do GNSS coletada pelo agrimensor é tratada como coordenada relativa em relação à estação fixa do IBGE mais próxima. Isto permite compensar inclusive a movimentação das placas tectônicas.
Por ser um processo mais trabalhoso, o usual é executá-lo só uma vez e para uma única coordenada, em relação a qual todas as demais coordenadas são relativas. Nas próximas agrimensuras, o GNSS fixo fica sobre este ponto, mas não é necessário pós-processar novamente, pois a localização absoluta já é conhecida.