Desde que fui a Ponta Grossa pelo caminho da antiga ferrovia Itararé-Uruguai, não tenho tido muita vontade de percorrer distâncias tão grandes. Cheguei a planejar uma ida a Jaguariaíva; mas é longe, já perto da fronteira com São Paulo. Além do que a gente acaba ficando com a consciência pesada de não usar o pouco tempo disponível para melhor explorar o nosso próprio Estado.
Assim, das últimas duas vezes que ganhei alvará de soltura, fiquei pelo meu "quintal" mesmo. Como agora estou armado de uma máquina fotográfica mais decente, e um certo ímpeto de tentar caprichar um pouco nas fotos, há a motivação de registrar melhor os lugares já visitados.
No interior de Mafra, encontrei diversas escolas rurais abandonadas, como a da imagem acima. São todas construídas de forma semelhante: parecem possuir uma sala em cada extremo do prédio de madeira, e um pequeno pátio central.
As prefeituras têm preferido meter as crianças das zonas rurais num ônibus e concentrá-las em menos escolas, o que talvez seja mais econômico, porém vai desenraizando as pessoas das suas comunidades desde cedo. Pessoalmente, vejo a escola primária muito mais como um dispositivo de socialização e alívio do fardo materno, que de aprendizado. As várias escolas abandonadas do interior representam a progressiva perda de uma enorme vantagem que Santa Catarina tinha frente a outros estados: a boa distribuição populacional pelo território, acompanhada de uma relativamente boa distribuição de oportunidades.
Como meu objetivo primário era passear, fui dirigindo por aí sem rumo. Decidi sair da rodovia na região de São Lourenço, onde há uma represa e hidrelétrica de mesmo nome. Para essa hidrelétrica foram alguns equipamentos de uma antiga usina de São Bento do Sul, mas infelizmente as obras de arte da usina não ficam perto da estrada, e não foi possível fotografar nada. Vi apenas uma eclusa entre as árvores.
Um pouco mais à frente, vi uma fantasmagórica pedreira. A imagem abaixo mostra a textura da pedra, bem como o lago de água esverdeada que não parece nada convidativo a qualquer ser vivo.
Tanto esta imagem como a seguinte (que mostra um detalhe ampliado da textura da pedra) exigiram tratamento de software (unsharp mask) para que a foto desta página cause a mesma impressão subjetiva do lugar ao vivo: a rudeza do paredão de pedra, com cores de outro planeta, ou como se fosse uma colina de chumbo parcialmente escavada.
É interessante clicar nas imagens e vê-las ampliadas para apreciar melhor. Podiam ter filmado ali as cenas d'O Senhor dos Anéis relativas a Mordor.
A partir de São Lourenço meu objetivo era chegar nas localidades de Barracas e General Brito, no vale do Rio Negro. A estrada vai subindo e logo aparecem paisagens interessantes desse vale, conforme se vê nas imagens a seguir:
A região toda é bastante explorada, com pouca mata nativa e muitas plantações e reflorestamentos. Há inúmeras estradas e desvios, é fácil perder-se mesmo com mapa e GPS. Em inúmeros casos como o da imagem abaixo, não fica imediatamente claro para que lado ir; observar a direção nas próximas centenas de metros acaba esclarecendo qualquer erro.
Mas acabei conseguindo encontrar a localidade de General Brito, bem como o local da antiga estação ferroviária de mesmo nome. Um tipo curioso de mato, de altura regular e textura suave, tomou conta da linha na região, conforme se pode ver na imagem abaixo.
Dá a legítima impressão que a ferrovia moribunda está adentrando nas brumas de um outro plano da existência, assim como narram algumas pessoas que passaram pela experiência de quase-morte.
Inicialmente tinha achado que este lugar era Barracas, mas Nilson Rodrigues me alertou no Panoramio que trata-se na verdade de General Brito. Tinha confundido estas duas estações.
A imagem acima dá uma visão mais panorâmica do local. Esta era a esplanada da estação, possivelmente com uma linha de desvio que hoje é esta estradinha que corre ao lado da ferrovia. Diversos moradores utilizam-na como meio de chegar em casa.
Dizem que a ferrovia estava em certo momento tão abandonada que tinha crescido ali em uma árvore de 6m entre os dormentes, mas essa eu não encontrei; de vez em quando a concessionária da ferrovia dá uma tapeada nos trechos abandonados, o suficiente para rodar um trem de capina química, e certamente a mítica árvore dançou numa dessas ocasiões.
Já visitei muitas estações deste trecho abandonado da Linha São Francisco, mas não todas. Neste trecho em particular, entre Mafra e Três Barras, não tinha visitado nenhuma, porque já estava prevenido que os imensos reflorestamentos inibem o acesso, inclusive pela dificuldade de achar o caminho. Mas, como já estava em General Brito, pensei em continuar seguindo a linha para oeste, visitando o que pudesse, até chegar em Três Barras. Existe até um túnel no trecho.
De uma estação chamada Barracas eu não achei nem a estrada de acesso. Prossegui em direção à localidade de Canivete, mas aí deparei uma lembrancinha das enchentes de julho de 2014 (imagem abaixo).
Infelizmente, havia um ponte interditada, com a cabeceira lavada pela água. Já tinha passado por muitas outras que claramente tinham sido reconstruídas, mas esta ainda aguarda reparo. Naturalmente, é possível fazer um contorno e chegar a Canivete por outro caminho, mas é uma volta de 30km a partir desta ponte, mais do que eu estava disposto a dirigir para talvez não encontrar nada.
Um detalhe curioso deste lugar: a ferrovia passa muito próxima da estrada. Na imagem acima, pode-se ver a ponte ferroviária, intacta, ao lado da ponte rodoviária danificada. A diferença de altura entre as pontes é a diferença de sabedoria entre 1914 e 2014. Em 1914, até pela precariedade dos recursos disponíveis, as pessoas não faziam de conta que os rios não subiam.
Fiz meia-volta e fui encontrar outra estação abandonada que nunca tinha visitado, também em Mafra mas a leste: Cruz Lima. Infelizmente, o acesso por carro tem de passar por dentro de uma propriedade, e não quis incomodar ninguém justo num fim-de-semana de Finados. Havia uma outra estrada de acesso ao lado, mas um morador local me preveniu que estava muito ruim.
Acabei não tirando nenhuma foto da região, tampouco. Não é muito bonita, não se vê o vale do Rio Negro muito claramente, e as estradas são cavadas num barro amarelo. Talvez fosse a única indicação que estava num vale de rio, porque a terra perto do Negro e do Iguaçu sempre tem essa aparência argilosa, onde um pingo de chuva transforma tudo em lama movediça. Conversei com um sitiante local, dono de uma bonita Brasinca com enormes e larguíssimos pneus de lama. "Se chover, é impossível sair daqui sem isto" — disse ele, confirmando minha impressão.
Dizem que todo homem solteiro tem de ter uma "amiga fiel" a quem recorrer caso a conquista noturna falhe em terminar na alcova. O equivalente fotográfico-ferroviário dela é a estação de Rio Vermelho, em São Bento do Sul, que é sempre um lugar agradável de visitar e quase sempre há um trenzinho por lá. E para lá fui eu.
Embora o local já seja bem conhecido por mim, foi a primeira vez que o visitei com a máquina fotográfica nova, então foi uma boa oportunidade de brincar com o equipamento e cometer erros como o da imagem abaixo, onde a lente focou no mato em vez do eixo, como era minha intenção.
A imagem acima é uma cena que já fotografei dezenas de vezes, mas fica claro como os recursos de uma máquina decente (Matrix Metering, Active D-Lighting) conseguem extrair uma boa imagem de uma iluminação difícil: céu claro, plataforma à sombra, locomotivas com iluminação bem diversa ao longo do corpo. E tudo aparece bem detalhado, exceto a parte de baixo da locomotiva que estava na sombra e é escura.
Ainda sobre a foto, talvez pelo fato das fotos terem sido feitas em RAW, basta puxar o controle "Shadow Protection" para os detalhes da parte de baixo da locomotiva aparecerem com bastante nitidez. Mas a foto assim manipulada fica com uma cara de HDR, e muitos detalhes desabonadores como manchas no prédio e ferrugens da locomotiva ganham mais destaque, de modo que esteticamente eu prefiro o balanço original da foto exibida. Mas é reconfortante saber que é perfeitamente possível recuperar detalhe de áreas tão escuras, caso necessário.
Usei diafragmas bastante fechados, de f/16 a f/32 a fim de conseguir o efeito "sunstar" com o farol da locomotiva, e o resultado pode ser visto na imagem abaixo.
Em tese, um diafragma muito fechado prejudica a nitidez da imagem (particularmente numa câmera de sensor pequeno, infelizmente não possuo uma DSLR full-frame). Para completar, o céu já estava bastante escuro, o que me obrigou a usar ISO muito alto (1600 ou 3200) para compensar o diafragma fechado, já que não tinha tripé.
Então, é claro que se a foto for analisada em modo ampliado, os defeitos técnicos ficam evidentes, porém a imagem como um todo me parece boa. Como disse Henri Cartier-Bresson, "nitidez é um conceito burguês". Se eu tivesse me aferrado a parâmetros que garantissem nitidez máxima, a foto não existiria.
O maquinista daquele grupo de locomotivas visto nas fotos anteriores me disse que passaria uma composição dali a uma hora no máximo. Fiquei esperando, começou a escurecer e a calma transmitida pela neblina da imagem abaixo virou uma chuva de vento que me expulsou da plataforma.
Eu deveria estar em Rio Negrinho àquela hora, mas tinha decidido visitar Rio Vermelho para aproveitar um pouco mais o dia. Foi sorte fazer isto, porque enquanto eu estava na estação, a chuva e o vento estavam fazendo enormes estragos em Rio Negrinho: árvores arrancadas, alguns pontos de alagamento e horas sem eletricidade.
A idéia inicial era voltar de Rio Negrinho pela localidade de Rio Natal, porém a forte chuva poderia ter causado algum estrago no caminho. Acabei voltando pela rodovia mesmo, apenas não pude evitar dar uma passadinha na estação de Corupá. A imagem abaixo mostra o trabalho dos grafiteiros, que acrescentam beleza às desbotadas composições.