Aquele programa do SBT, o "Topa ou não topa", também serve para ilustrar um outro aspecto interessante da moderna teoria econômica, o marginalismo. Calma, não estamos falando da violência. Estamos falando do valor marginal do dinheiro.
Suponha que você esteja participando do Topa ou Não Topa, e restam apenas duas malas. Uma tem 1 milhão de reais, a outra tem cinqüenta centavos. O banqueiro lhe oferece 200 mil para você "topar", ou seja, desistir da chance de ganhar 1 milhão.
Você aceitaria?
Pela análise fria dos números, o correto seria não topar, porque a chance de 50% de ganhar 1 milhão "vale" 500 mil.
Como eu citei aqui, tem gente maluca não toparia nem que a oferta fosse 990 mil, por ganância e otimismo. Mas a maioria de nós, que se considera racional, toparia sair do jogo por reles 100 mil (garantidos) em troca do milhão incerto. Será que somos tão covardes assim? Ou somos apenas "prudentes" e temos aversão ao risco?
Aí entra a teoria marginalista do dinheiro, que explica tais decisões "covardes" de forma bastante convincente.
A ideia básica é a seguinte: considerando um salário de 5.000 reais, os primeiros 500 reais "valem" muito mais que os últimos. Porque com o "fundo" do seu salário, você compra arroz e feijão, como qualquer pessoa tem de fazer, seja pobre ou rica. Com pouco dinheiro, você consegue fazer uma grande coisa, que é se manter vivo.
Já com a parte restante do seu salário, você compra coisas de "valor real" progressivamente menor: comida mais saborosa, diarista, combustível, guloseimas, Netflix assim por diante.
Não é porque você ganha 10 salários mínimos que você passa a comer 10 vezes mais. Nem vai ser 10 vezes mais feliz. Claramente, o valor marginal de um montante de dinheiro cresce sub-linearmente.
Sem perder mais tempo, vamos afirmar sem provar que o valor marginal aproximado de um montante de dinheiro é o seu logaritmo.
A prova pode ser encontrada em estudos sobre valor marginal, mas podemos desenvolver o seguinte raciocínio. Uma bicicleta razoável custa R$ 1.000. Um automóvel usado, mas ainda em bom estado, custa 10 mil. Um automóvel 4x4 custa 100 mil. Um helicóptero custa um milhão. Um avião a jato custa 10 milhões. O "salto de qualidade" de um meio de transporte para o outro coloca um zero a mais no preço. Se você quiser gastar R$ 2.000 em vez de R$ 1.000 (o dobro), você vai conseguir comprar uma bicicleta um pouco melhor, talvez uma moto velha, mas não um automóvel.
Bem, o logaritmo de $10.000 é quatro, enquanto o log de $1.000 é três. Podemos afirmar então que o valor marginal de dez mil é apenas 33% maior que mil, apesar do montante em si ser dez vezes maior. Assim como um automóvel é melhor que uma bicicleta, mas o ganho qualitativo é menor do que, por exemplo, alguém que andava à pé e conseguiu uma bicicleta.
Assim, temos uma explicação mais convincente para a aversão ao risco das pessoas comuns. Voltando ao caso das duas maletas:
maleta boa = log(1000000) = seis
50% de chance de ganhar a maleta boa = 50% de seis = três
oferta do banqueiro = log(100000) = cinco
Assim, fica claro que, para quem não tem nada, os 100 mil "na mão" têm valor marginal muito mais alto que 1 milhão "voando", porque a probabilidade de ganhar (ou perder) o milhão diminui seu valor marignal.
Um desdobramento importante do valor marginal da mala é que ele varia segundo as posses da pessoa. Um jogador de classe média, com patrimônio de e.g. 500 mil, enxerga as coisas de forma diferente e provavelmente aceitaria correr riscos maiores:
patrimônio inicial do participante: log(500000) = 5.7
se ganhar o milhão: log(1000000+500000) = 6.2
média das dois possíveis desfechos acima: 5.95
se topar a oferta do banqueiro: log(500000+100000) = 5.8
Para este jogador, vale mais a pena arriscar o milhão, pois isto aumenta em 0.25 pontos o valor marginal do seu patrimônio, enquanto pegar os 100 mil aumenta-o em apenas 0.1 ponto.
Mas como diz o ditado, "todo mundo tem seu preço" e podemos determinar a oferta que este jogador aceitaria do banqueiro:
antilog(5,95) = aprox. 890 mil reais (500 mil + 390 mil)
Assim, para este jogador, faz sentido aceitar uma oferta do banqueiro de no mínimo 390 mil reais, pois ela traz o mesmo benefício marginal.
A teoria marginalista explica muitos outros efeitos práticos, alguns óbvios, outros nem tanto. Por exemplo, ele ajuda a explicar porque o Bolsa-Família tirou tanta gente da pobreza. Por pouco dinheiro que seja, ele é usado para comprar bens de altíssima importância (e portanto de alto valor marginal).
Também explica porque é possível acontecer a alguém ganhar 50% menos que de costume, e ainda assim conseguir viver razoavelmente bem, na verdade quase tão bem quanto antes. A pessoa corta, quase sem notar, os gastos de baixo valor marginal.
Também é algo digno de estudo verificar a interação entre alíquotas progressivas de Imposto de Renda e a teoria marginalista. Por um lado, a tributação progressiva penaliza muito quem ganha mais, porque tributa exponencialmente uma parte da renda que naturalmente já vale menos.
Por outro lado, se a tabela progressiva ajuda a financiar alíquotas mais baixas no início da tabela, talvez valha a pena pois o ganho marginal na baixa renda é muito maior que a perda marginal na alta renda. (Naturalmente estou desconsiderando outros problemas de alíquotas muito altas, como a Lei de Lafer.)