Desde a primeira e a segunda peregrinações pela Ferrovia do Contestado, já voltei diversas vezes a alguns pontos específicos, geralmente para tirar fotos novas, complementar informações, ou simplesmente para ver se ainda lembro o caminho. Geralmente o resultado é inserido nos artigos originais, com figuras novas, figuras alteradas e/ou inclusão de mais texto.
Os artigos ficaram levemente anacrônicos, pois misturam informações de 2012 até 2015 (a ferrovia ainda suportava a circulação de trens na primeira visita, agora não mais), mas no cômputo geral o texto fica mais completo para quem tiver interesse no assunto.
Um trecho que evitei na primeira peregrinação, e ainda não consegui visitar de forma completamente satisfatória, é o trecho da ferrovia entre Mafra/SC e Três Barras/SC. Num primeiro momento deixei-o de lado pela recomendação do site Estações Ferroviárias, que indica (corretamente) que as estações e obras notáveis são de difícil acesso, devido aos reflorestamentos.
Em quase toda a ferrovia do Contestado, por mais que as comunidades em torno de estações tenham minguado, sempre sobrou alguém morando, e há uma estrada razoável para se chegar lá. Tipicamente a escola local está abandonada ou foi demolida, mas a igreja ainda existe. Já no trecho entre Mafra e Três Barras, muitas comunidades se extinguiram completamente, e as estações — ou melhor, uma e outra ruína que indica sua existência passada — são enclaves em terras particulares.
Outra característica notável desta região é o desaparecimento de estradas. Os mapas do IBGE estão bastante desatualizados, mas em geral tudo que aparece no mapa recebeu um "upgrade": a estrada de terra virou rodovia, um caminho virou uma estrada boa, etc. Na região citada, acontece o contrário: muitas estradas viraram caminhos intransitáveis entre os reflorestamentos, ou desapareceram de vez. Orientar-se por ali é um desafio e tanto.
Ainda no que se refere a estradas, a enchente de 2014 prejudicou as poucas estradas que havia no sentido leste-oeste, que são os caminhos mais curtos para ir de estação em estação. Restaram os caminhos norte-sul que levam à rodovia (BR-280), que fica uns 20km ao sul da ferrovia. Então, toda visita ao local consome um tempo enorme e a "produção" de fotos é pequena.
Nesse trecho, consegui visitar os locais das estações de General Brito, Canivete, General Osório e Bugre. Ainda não consegui visitar Barracas, por ser um enclave e as indicações de localização serem escassas; e Maurício Callet, que o mapa indica mas não consta no site Estações Ferroviárias. Também não consegui visitar o túnel (único entre Mafra e Porto União), ainda.
Dessas, apenas Bugre pertence tecnicamente ao município de Três Barras, cujo nome advém do fato do território ser delimitado pelas barras de três rios: Canoinhas, Negro e São João. Mas Canivete e General Osório também parecem pertencer a Três Barras, pela proximidade e pelo domínio dos reflorestamentos nesses locais. Em particular, a única estrada boa para General Osório começa na zona urbana de Três Barras.
A precariedade das estradas na região deve ter relação com a geologia, e com o fato de ser praticamente uma "península" cercada por rios de várzea. É talvez o único lugar onde visitar a ferrovia peça um veículo 4x4, principalmente em tempo de chuva. A lama é lisa e afunda bastante onde não há saibro. Mesmo andando, o chão afunda vários centímetros a cada passo, imagine com o peso do carro.
Em tempo seco a estrada fica um pouco melhor. Creio que o nível do Rio Negro estava mais alto que o normal, e assim todos os afluentes também estavam altos, encharcando muito o solo, e inclusive alagando algumas estradas, diminuindo ainda mais a mobilidade local.
O outro problema de visitar o local em tempo molhado, é a proliferação de mosquitos. Nunca vi tantos e tão vorazes.
Não me ocorreu de levar repelente, nem roupa comprida, porque a gente associa mosquito ao clima do litoral. Para "ajudar" mais, os trilhos estão tomados de mato, então andar pela linha estava bem arriscado por conta de animais peçonhentos. Isso limitou a "produção" do passeio: não visitei o túnel, nem duas pontes que pretendia fotografar. Andar ali uma próxima vez, só no frio do inverno!
A região de Bugre virou essencialmente uma única grande fazenda de reflorestamento. Tudo pertence à Rigesa, mas algumas estradas internas são relativamente boas, acredito que o tráfego de "estranhos" é tolerado porque há muitas propriedades que são enclaves.
O primeiro caminho que tentei para chegar na estação de Bugre, permitiu chegar muito perto mas não exatamente no trilho, porque a faixa de domínio é mata fechada. Mas foi possível ver o rio e a paisagem geral. Lá embaixo, em algum lugar, estava a estação:
O segundo caminho, que tinha evitado num primeiro momento, implicava entrar numa propriedade particular, uma casa de campo com placa de "Entrada Proibida", porteira, etc. Para não perder a viagem decidi arriscar pedir licença para fotografar, com sucesso. Permitiram-me inclusive parar o carro perto do trilho, o que economizou uns 50m de caminhada e 300 mordidas de mosquito.
A estação em si desapareceu, mas com certeza era ali, pois é um dos poucos trechos retos desta ferrovia. Os pátios das estações costuma(va)m ser retos e nivelados. Também há restos de um caminho reto ao lado da linha principal, que provavelmente foi um desvio, removido quando a estação desapareceu (em ferrovia, absolutamente tudo se aproveita).
Outro sintoma de atividade humana passada é a presença de bananeiras e hortências no final da reta.
Alguns trechos curtos da linha ainda resistem bravamente, mas no geral o mato está tomando conta de tudo.
A ferrovia segue o rio sempre de perto, mas neste ponto ela está literalmente na barranca do rio, lembra o trecho que margeia o Rio do Peixe. Sem dúvida uma bonita paisagem para um eventual trem turístico.
Apesar da proximidade, o rio ainda está muito abaixo da ferrovia. Não acredito que a água chegue aos trilhos por aqui, mesmo na pior enchente.
O trabalho pesado de encontrar a estação de General Osório, eu já tinha feito numa incursão anterior. Mesmo assim ainda entrei uma ou duas vezes na estrada errada. Como disse antes, Osório já está no município de Mafra, porém parece pertencer a Três Barras por ser a continuidade dos reflorestamentos.
A placa avisando da passagem de nível sugere que um dia já houve trânsito em torno da estação, que segundo o mapa era praticamente ao lado da estrada, e seria perfeitamente visível na foto acima, se estivesse de pé. O mapa também diz que havia escola e igreja na redondeza. Procurei por ruínas e não encontrei nada.
A tira de terra entre a ferrovia e o Rio Negro é um banhado, que parece ter contido uma área de reflorestamento já colhida. Com o nível do rio mais alto, o banhado estava realmente no estado líquido. Ninguém parece morar por ali, nem há casa de campo. Há sinais de tráfego recente, talvez estejam replantando os pinus.
Nessa área está o único túnel entre Mafra e Porto União, a uns 1300m da passagem de nível, porém o mato alto nos trilhos e a inexistência de outro caminho praticável me impediram, novamente, de visitá-lo.
Para compensar a desolação e a falta de trens, dei uma passadinha no pátio de Rio Negro no retorno.
A igreja matriz da cidade estava pintada de novo, e estava justamente acontecendo um casamento quando passei por ali:
O pátio de Mafra, que é perto do de Rio Negro (basta atravessar o rio) ainda é um depósito de vagões danificados.
Um vagão em particular parece ter passado por um efeito especial cinematográfico.