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Equações do quinto grau

A história e os personagens da álgebra são até mais interessantes que o próprio assunto. Dentre muitos, há Paolo Ruffini, um afamado médico e matemático amador, ignorado pelos matemáticos profissionais contemporâneos; Neils Abel, que lutou contra a pobreza e falta de reconhecimento, morrendo de pneumonia aos 26; e Evariste Galois, morto aos 20 num duelo motivado pelas mesmas razões que tanta gente briga até hoje: mulher e política.

A busca pelas soluções ou "raízes" de equações como a de segundo grau, no formato:

x2 + bx + c = 0

vem desde muito antes de Cristo. As raízes são os valores de "x" que fazem o polinômio valer zero, e tornam a equação acima verdadeira.

Muitas ideias inovadoras foram catalisadas por essa busca das raízes. Começa pela melhor forma de expressar o problema no papel. Depois, a busca da melhor "metáfora" para conectar a equação com o mundo real. Equações quadráticas são naturalmente relacionadas com áreas, equações cúbicas com volumes. Daí para cima, as metáforas escasseiam.

Lembranças do ensino fundamental

Na oitava ou nona série, aprendemos a equação num formato ligeiramente diferente:

ax2 + bx + c = 0

Um formato não é melhor do que o outro; é apenas mais fácil apresentar equações com todos os coeficientes inteiros quando "a" pode ser diferente de 1.

Graças ao Teorema Fundamental da Álgebra, sabemos que uma equação do n-ésimo grau sempre tem "n" raízes complexas (não necessariamente diferentes), e sempre podemos reduzir o polinômio a uma cadeia de binômios ou fatores lineares:

a(x − x1)(x − x2) = 0

Na forma acima, é fácil ver que, quando "x" é igual a x1 ou igual a x2, o valor de um dos binômios vai a zero, e a equação toda vai a zero. Portanto, x1 e x2 são mesmo as raízes.

O coeficiente "a" é um simples fator de escala, e podemos deixá-lo de lado para simplificar ainda mais a expressão:

(x − x1)(x − x2) = 0

Multiplicando os binômios para chegar novamente ao polinômio tradicional, obtemos

x2 − (x1+x2).x + (x1.x2) = 0

e fica claro que os coeficientes "b" e "c" têm relação de parentesco bem próxima com as raízes. O grande desafio, que esquentou a moringa dos matemáticos por milênios, é calcular as raízes com base nos coeficientes.

O número de raízes depende do grau da equação: 2 para segundo grau, 3 para cúbica, e assim por diante. O desafio específico dos matemáticos é achar uma fórmula fechada para as raízes, ou seja, uma fórmula que use uma quantidade finita de operações aritméticas e entregue um resultado exato no final.

Pode ser que algumas raízes sejam complexas. Se todos os coeficientes são números reais, as raízes complexas virão sempre aos pares conjugados, o que implica ainda que haverá ao menos uma raiz real se a equação possui grau ímpar.

Se uma raiz complexa ou negativa faz sentido no mundo real, isto é outro problema. Por exemplo, a simplíssima equação abaixo:

x2 = 4

pode significar um quadrado de área 4, e a raiz da equação é a largura do quadrado. Esta equação tem soluções x1=2 e x2=−2. Mas se usamos a equação para calcular a largura de um terreno quadrado, a solução negativa deve ser desprezada.

Na sétima ou oitava série aprendemos a fórmula de Báscara para achar as raízes da equação de segundo grau:

x1, x2 = (−b ± (b2 − 4c)1/2) / 2

Existem fórmulas fechadas semelhantes para as equações de terceiro grau (Cardano) e também para quarto grau (Ferrari) embora sejam muito complicadas para uso cotidiano. Em se tratando de equação cúbica ou acima, é mais prático calcular as soluções usando métodos numéricos i.e. por aproximação.

Outro problema, principalmente na equação cúbica, é que a fórmula das raízes produz números complexos, soma de raízes cúbicas etc. mesmo que as três raízes sejam reais e inteiras (ou racionais). Se o calculista desconfia que o resultado final é racional, vai precisar manipular um pouco mais o resultado entregue pela fórmula; novamente, acaba sendo mais prático usar métodos numéricos desde o começo.

O fato de haver, ou não, uma fórmula fechada que entregue as raízes de uma equação acaba tendo reflexos em áreas muito mais avançadas da matemática. Além do mais, a história desta procura é interessante por si só. O mais interessante da viagem pode ser o trajeto, não o destino.

Para as equações de quinto grau e acima, não existe fórmula fechada. As raízes existem, mas elas não podem ser calculadas por uma fórmula simples, composta unicamente de operações aritméticas e raízes de grau até 5. É o que afirma o teorema de Abel-Ruffini, fazendo cessar uma busca de muitos séculos.

Os porquês da inexistência de tal fórmula abriram as portas de uma nova dimensão na matemática: a álgebra abstrata.

Assumindo coeficientes inteiros, as equações de primeiro grau no formato

ax + b = 0     solução: x = b/a

têm apenas uma raiz racional, ou seja, uma fração. Note que nós usamos a notação didática, conservando o coeficiente "a", de modo a deixar bem evidente que a raiz será uma fração (b/a). Para resolver equações de primeiro grau, o conjunto dos números racionais ou fracionários (Q) é suficiente.

Permutações e simetrias

Equações algébricas têm interessantes características de simetria. Vamos voltar a olhar para a humilde equação do segundo grau:

x2 + bx + c = 0

Este polinômio, assim como qualquer outro, pode ser fatorado em diversos binômios de 1º grau:

(x − x1)(x − x2) = 0

Também aprendemos a achar as raízes em função dos coeficientes, com a fórmula de Báscara:

x1, x2 = (−b ± (b2 − 4c)1/2) / 2

Uma coisa que é mostrada em sala de aula, mas não é muito estressada, é a fórmula inversa, ou seja, expressar os coeficientes em função das raízes. Para achar as fórmulas, basta multiplicar os binômios:

−b = x1 + x2
c = x1.x2

Note que estas fórmulas, conhecidas como fórmulas de Viète, são muito mais simples que a de Báscara. Mais importante, são fórmulas simétricas. Podemos fazer qualquer permutação entre as raízes, que os resultados são sempre os mesmos. Isto vale para coeficientes de qualquer grau.

(Nessa história, Viète é personagem coadjuvante, porém importante. Advogado de profissão, acreditava que suas descobertas matemáticas eram simples e óbvias, que outros já teriam feito. Por esse motivo, nunca se preocupou muito em publicá-las, nem assegurar a primazia.)

Com um pouco de esforço, podemos calcular os coeficientes da equação de terceiro grau a partir das raízes x1, x2, x3. E constatar que as fórmulas também são imunes a permutações:

x3 + bx2 + cx + d = 0

−b = x1 + x2 + x3
c = x1.x2 + x1.x3 + x2.x3
−d = x1.x2.x3

Existe um paradoxo aqui. Achar os coeficientes em função das raízes é fácil. O resultado é obtido com fórmulas simples, simétricas, e puramente aritméticas. Por outro lado, o processo inverso — achar as raízes em função dos coeficientes — não pode se basear em fórmulas simétricas, já que há diversas raízes para encontrar. A fórmula final acaba sendo assimétrica, complicada e irracional, envolvendo raízes.

O estudo das equações polinomiais foca naquelas cujos coeficientes são racionais, É o caso do teorema de Abel-Ruffini. As raízes dessas equações podem ser irracionais, mas quando as raízes são combinadas para formar os coeficientes, usando as fórmulas de Viète, a irracionalidade tem de "desaparecer".

Portanto, as raízes não podem ter qualquer valor irracional. Por exemplo, não podemos fazer as raízes de uma equação de 2º grau iguais a 21/2 e 31/2, pois neste caso os coeficientes seriam 21/2+31/2 e 61/2. Para que os coeficientes sejam racionais, os valores das raízes têm de se encaixar. Por exemplo, 21/2 e −21/2 produzem os coeficientes 0 e 2, que são racionais.

Quem estudou álgebra básica talvez lembre daquela regrinha: se houver soluções complexas para uma equação polinominal, elas têm de vir em pares conjugados. Por exemplo: se houver uma raiz 2+i, tem de haver outra 2−i. O motivo é o mesmo: impedir que os coeficientes tenham parte imaginária. (A propósito, "i" também é considerado um número irracional.)

Assim como raízes complexas têm de vir em pares conjugados para que "i" acabe cancelado dentro das fórmulas de Viète, outras irracionalidades contidas nas raízes também exigem a formação de grupos casados. Se uma raiz é 21/2, outra raiz tem de ser −21/2, para que na hora de calcular os coeficientes o irracional desapareça, seja por soma (21/2+(−21/2) = 0), seja por multiplicação (21/2.(−21/2) = −2).

Esses grupos casados nem sempre serão pares. Se o número irracional for, digamos, a raiz cúbica de 2, é preciso uma trinca conjugada para obter o cancelamento. Como as raízes de uma equação cúbica podem ser formadas de raízes cúbicas de raízes quadradas, há duas conjugações (pares e trincas) que devem funcionar simultaneamente.

No fundo, este é o porquê da equação de 5º grau não ter solução em fórmula. Não há como fazer tantos números irracionais (de graus 2, 3, e 5) "encaixarem" para produzir coeficientes racionais. Pelo menos não se esses números irracionais forem expressos com aritmética e radiciação.

Uma versão mais moderna da impossibilidade, desenvolvida por Kronecker, diz o seguinte: se for possível expressar as raízes por fórmula de radicais, haverá exatamente 1 ou 5 raízes reais. Ou seja, as raízes complexas, se houverem, devem vir em pares de pares conjugados. Porém, é fácil achar equações de 5º grau com 3 raízes reais.

Lagrange

Ao sistematizar as soluções para equações quadráticas, cúbicas e quárticas, a fim de tentar encontrar um padrão construtivo (e com ele tentar resolver graus maiores), Lagrange criou o método dos resolventes: fórmulas intermediárias que "geram" as raízes irracionais.

A ideia básica dos resolventes é reduzir, um grau por vez, a equação. Por exemplo, o resolvente da equação quártica é uma equação cúbica, que por sua vez tem resolvente quadrático, que por sua vez tem resolvente trivial.

Colocando de outra forma: numa equação com "n" raízes, se soubermos n−1 raízes, a raiz faltante é fácil de calcular, pois os valores das raízes são interrelacionados, visto que as irracionalidades contidas nelas têm de se cancelar dentro das fórmulas de Viète, a fim de que os coeficientes sejam racionais.

Sendo assim, a parte "dura" da resolução de, por exemplo, uma equação de 4º grau, é achar 3 raízes. Portanto, o resolvente será um polinômio do 3º grau com 3 raízes. Claro que as 3 raízes desse resolvente não serão as mesmas 3 raízes da equação original. Será necessário operar as 3 raízes do resolvente para finalmente chegar nas 4 raízes da equação original.

No caso da familiar equação quadrática, o resolvente é Δ1/2. Lagrange notou que os resolventes também eram funções racionais das raízes, assumindo diversos valores conforme as raízes eram permutadas. No caso da equação quadrática, Δ1/2 é igual a (x1−x2) ou (x2−x1).

Este foi o primeiro sintoma que estudar as permutações de raízes era a chave do problema.

Do ponto de vista da resolução de equações, o resolvente como função dos coeficientes é mais importante. De nada adianta saber que o discriminante é a diferença das raízes, se não sabemos as raízes.

Porém, de um ponto de vista abstrato, interessa saber que o resolvente é função racional das raízes, e que as permutações de raízes geram os diferentes valores que esperamos obter.

Lagrange não achou uma fórmula para a equação quíntica, e desconfiava que não existia tal fórmula. Porém não prosseguiu nesta linha, porque não confiava plenamente que seu método de resolventes era o único possível.

Ruffini

Ruffini levou a ideia adiante, praticamente completando a prova da impossibilidade de haver fórmula de 5º grau.

Um conceito-chave introduzido por Ruffini foi a "ordem" das fórmulas, hoje conhecido como torre de radicais. Por exemplo, uma fórmula f0 de ordem zero

f0(a, b, c, ...) = f0(x1, x2, x3...)

Assim como os resolventes de Lagrange, f0 é ao mesmo tempo uma função irracional dos coeficientes e uma função racional das raízes. Porém, enquanto Lagrange considerou o problema de cima para baixo (obter resolvente mais fácil que a equação original), Ruffini analisou o problema de baixo para cima (obter equação original a partir de uma torre de resolventes).

f0 pode retornar "n" valores irracionais diferentes — mas se qualquer um deles for elevado á n-ésima potência, o resultado é um mesmo valor racional. Portanto, f0 é a raiz n-ésima de algum número.

Se considerarmos f0 como função dos coeficientes, não podemos usar permutações, então os diferentes valores de f0 são gerados multiplicando-se o resultado principal pelas diversas raízes n-ésimas de 1 (aprofundaremos isso mais adiante). Por exemplo, na fórmula de Báscara, multiplicamos Δ1/2 por +1 e −1, que são as raízes quadradas de 1.

Se considerarmos f0 como função das raízes, os diferentes valores de f0 são gerados por permutações. Então tem de haver uma relação entre número de raízes e de permutações. Por exemplo, se há 3 raízes, há 6 permutações possíveis; não é possível que a função retorne 4 valores diferentes, pois 4 não divide 6.

Já uma fórmula f1, de ordem um, tem o seguinte formato:

f1(x1, x2, x3..., f0(x1, ...))

A função f1 também existe em função dos coeficientes, mas colocamos apenas a versão que é função das raízes, pois é ela que vai nos levar a uma conclusão mais adiante.

f1 recebe como argumento uma ou mais funções de ordem zero. Se f1 retorna "m" valores diferentes, elevar qualquer um deles à m-ésima potência resulta num mesmo valor, que pode ser irracional, mas usando apenas a irracionalidade introduzida por f0.

Por exemplo, a solução da equação quadrática possui apenas uma fórmula f01/2, que introduz apenas um número irracional ao campo dos racionais. Já a solução da equação cública possui uma função f0, que gera uma raiz quadrada, e uma função f1 que gera uma raiz cúbica da raiz quadrada vinda de f0, contendo portanto duas "camadas" de irracionalidade.

Em existindo esta cadeia de funções, é possível desenvolver o processo inverso i.e. achar resolventes. Porém, Ruffini notou que uma função de 5 parâmetros permutáveis não poderia retornar 3 ou 4 valores diferentes. Por este raciocínio, ele concluiu que não existe solução em radicais para equação do 5º grau.

Abel

Ruffini cometeu o erro oposto de Lagrange: presumiu sem provar que toda fórmula irracional (ou seja, que produza valores irracionais) poderia ser expressa como uma fórmula racional das raízes. Tanto assim que os valores produzidos por tais funções foram chamados de "irracionais de Ruffini".

Esta omissão, entre outras, foi sanada por Abel.

Abel provou que, se existe uma fórmula aritmética para calcular as raízes, ela tem de seguir a padronagem proposta por Ruffini de funções aninhadas, modernamente conhecida por torre de radicais.

Uma leitura super-simplificada da prova de Abel-Ruffini é a seguinte. Uma cadeia de funções aninhadas que resolva a equação de 5º grau teria no mínimo quatro ordens:

f0(x1, x2, x3, x4, x5) ⇒ retorna 2 valores diferentes
f1(x1, x2, x3, x4, x5, f0) ⇒ retorna 3 valores diferentes
f2(x1, x2, x3, x4, x5, f0, f1) ⇒ retorna 4 valores diferentes
f3(x1, x2, x3, x4, x5, f0, f1, f2) ⇒ retorna 5 valores diferentes

O problema é que uma função com 5 parâmetros permutáveis não pode retornar 3 ou 4 valores diferentes. Segundo Cauchy, tal função só poderia retornar 1, 2 ou 5 valores. Desta forma, as funções f1 e f2 não podem existir. Portanto não pode haver uma solução neste formato, portanto não há solução baseada em aritmética e radicais.

É importante ressaltar que qualquer equação do 5º grau (ou superior) sempre tem raízes. Uma raiz quíntica pode ser expressa por uma fórmula no estilo série infinita, pois ela pode ser calculada por aproximação. O que o raciocínio acima provou, é que

a) tais raízes não podem ser expressas por uma quantidade finita de operações de aritmética e radiciação; e/ou

b) não é possível desenvolver uma fórmula fechada com aritmética e radiciação que calcule tais raízes.

Vamos agora revisitar as equações de grau menor que 5 e constatar por que elas são solúveis, começando pela equação quadrática.

f0(x1, x2) ⇒ retorna 2 valores diferentes

Nenhum problema aqui, pois uma função com "n" parâmetros permutáveis sempre pode retornar "n" valores diferentes.

Equação cúbica:

f0(x1, x2, x3) ⇒ retorna 2 valores diferentes
f1(x1, x2, x3) ⇒ retorna 3 valores diferentes

Também não é problema pois sempre há função que retorna exatamente 2 valores diferentes, não importa o número de parâmetros permutáveis.

Um exemplo notório de função com 2 e apenas 2 resultados é o discriminante. Em qualquer grau (não apenas em Báscara) o discriminante é zero se há raízes repetidas. Se há apenas raízes simples, ele tem valor absoluto fixo, cujo sinal é trocado pela comutação de 2 raízes quaisquer.

Equação quártica:

f0(x1, x2, x3, x4) ⇒ retorna 2 valores diferentes
f1(x1, x2, x3, x4, f0) ⇒ retorna 3 valores diferentes
f2(x1, x2, x3, x4, f0, f1) ⇒ retorna 4 valores diferentes

Segundo Cauchy, uma função com "n" parâmetros permutáveis pode retornar "m" resultados, onde "m" é o maior primo que divide m!. No caso, 3 é o maior primo que divide 24, então f1 é possível, assim como já sabíamos possíveis f0 e f2.

Galois

Abel provou a impossibilidade da fórmula quíntica para o caso geral, porém há equações quínticas solúveis com fórmulas aritméticas, por exemplo

x5 − 2 = 0

pode ser facilmente resolvida, obtendo-se o resultado 21/5.

O trabalho de Galois explica porque algumas equações quínticas (ou até de graus maiores) podem ser resolvidas com fórmulas, e outras não. Em passant, ele criou diversos conceitos que hoje são a base da álgebra abstrata: campos, grupos, morfismos, etc.

Mais à frente, voltaremos ao "chez Galois" de explicar a impossibilidade de resolver a equação quíntica geral. Antes, precisamos introduzir o conceito de

Raízes primitivas da unidade

A equação quíntica

x5 − 2 = 0

é solúvel com aritmética, como vimos. A cadeia de funções de Ruffini que resolve esta equação é

f0(x1, x2, x3, x4, x5) ⇒ retorna 2 valores diferentes
f1(x1, x2, x3, x4, x5, f0) ⇒ retorna 2 valores diferentes
f2(x1, x2, x3, x4, x5, f0, f1) ⇒ retorna 5 valores diferentes

Na verdade, é muito mais fácil definir f2 diretamente com base no único coeficiente da equação:

f2 = 21/5

Esta é apenas uma das 5 soluções possíveis, embora seja a única solução real. As demais soluções são obtidas multiplicando-se pelas raízes quintas complexas de 1.

Pela última definição, f2 é autossuficiente. Onde foram parar as funções f0 e f1? Bem, elas ainda são necessárias, mas para introduzir as tais raízes quintas complexas de 1.

Vamos começar devagar. Como você sabe, (+1)2=(−1)2=1. Portanto, +1 e −1 são ambas raízes quadradas da unidade. Porém, apenas −1 é uma raiz primitiva, pois ela gera as outras raízes, visto que (−1)x(−1)=(+1). A raiz +1 é denominada trivial, pois não é capaz de gerar as outras.

Conforme elevamos a raiz primitiva ao quadrado, ao cubo, etc. ela gera alternativamente −1 e +1, portanto a multiplicação sucessiva da raiz primitiva forma um ciclo fechado.

As três raízes cúbicas de 1 são: +1, (−1−i.31/2)/2 e (−1+i.31/2)/2, sendo que as duas últimas são primitivas. Qualquer das raízes primitivas gera todas as outras conforme é elevada ao quadrado, ao cubo, etc. A curiosidade aqui é que, apesar de serem raízes cúbicas, as raízes primitivas ostentam uma raiz quadrada. Pode isso, Arnaldo?!

Bem, as três raízes cúbicas da unidade satisfazem a seguinte equação cúbica:

x3 − 1 = 0

Obviamente x=1 satisfaz a equação acima (1 sempre é a raiz trivial n-ésima de 1), logo podemos fatorá-la para

(x − 1)(x2 + x + 1) = 0

O polinômio direito é uma equação quadrática, cujas raízes serão as raízes cúbicas primitivas da unidade. Esta é a evidência que tais raízes terão uma raiz quadrada na sua composição. O polinômio quadrático também nos diz que a soma das 3 raízes é zero e que uma raiz primitiva é igual ao quadrado da outra.

Qualquer equação na forma

xn − 1 = 0

pode ser fatorada para

(x − 1)(1 + x + x2 + ... + xn−1) = 0

Ou seja, a raiz n-ésima primitiva da unidade sempre tem grau inferior a "n". Esse rebaixamento automático é uma poderosa ferramenta na álgebra. As raízes quínticas de 1 satisfazem a equação

x5 − 1 = 0

que pode ser fatorada para (x − 1)(1 + x + x2 + x3 + x4) = 0

As raízes quintas primitivas são soluções de uma equação quártica. Portanto, elas possuem duas raízes quadradas em sua composição, e precisamos definir f0 e f1 para a equação quíntica.

f0(x1, x2, x3, x4, x5) = φ ("razão de ouro") e sua conjugada
f1(x1, x2, x3, x4, x5, f0) = raízes quadradas de a+b.f0

Note que, nos casos acima, f0 e f1 não são funções dos coeficientes. Elas produzem 2 e 4 valores constantes, e as permutações das raízes apenas provocam a comutação.

Dentro do paradigma de Abel-Ruffini, a equação

x5 − 2 = 0

é solúvel com uma sequência de funções aritméticas porque não foi necessário achar uma função com 5 parâmetros permutáveis que tivesse de retornar 3 valores diferentes.

Ainda sobre raízes primitivas, na álgebra abstrata nos interessam mais as raízes n-ésimas onde "n" é primo. Quando "n" não é primo, haverá raízes que não são nem triviais nem primitivas.

Por exemplo, as raízes quartas da unidade são {+1, i, −1, −i}. A raiz −1 não é primitiva, mas também não é trivial. Suas potências geram apenas duas raízes (+1 e −1).

Prova topológica

Uma prova bem mais recente da impossibilidade de resolver uma equação geral de 5º grau foi desenvolvida por Arnold em 1963, e envolve "girar" os valores dos coeficientes em torno da origem do plano complexo.

A ideia básica é simples e genial. Supondo a equação

x2 − 4 = 0

É óbvio que uma das raízes é 2, nem precisamos de números irracionais para resolver essa equação. Mas vamos usar Báscara assim mesmo. Uma vez que só existe o coeficiente "c", a fórmula fica simplificada:

x = (−4c)1/2 / 2 = (−c)1/2

x = (−(−4))1/2 = 41/2 = 2

A raiz trivial de 4 é 2. Também sabemos que a "outra" raiz é −2. É algo que nos fazem decorar na escola. Tudo bem que (−2) ao quadrado dá 4, mas sempre fica aquela sensação de que não nos contaram a história toda. Será que essa raiz negativa é mesmo legítima?

Agora, vamos mostrar um argumento convincente de que as raízes não triviais emergem das propriedades dos números complexos.

Todo número complexo pode ser escrito na forma a+bi. Também pode ser escrito na forma polar a.e. Por exemplo, 4.e0=4, 4.eiπ/2=4i, 4.e=−4.

Em particular, 4.ei2π=4, e o ângulo 2π parece inócuo. Porém, na hora de extrair a raiz quadrada desse número, o ângulo deixa de ser inócuo:

x = (4.ei2π)1/2
= 41/2.ei2π.1/2
= 2.e
= −2

Lembrando que o valor 4 ou 4.ei2π é o coeficiente "c" de uma equação quadrática. Ou seja, girar "c" em 360º (que em tese não modifica seu valor) faz a raiz da equação girar em 180º. A raiz só fica inalterada se o giro do coeficiente for um múltiplo de 720º (2×360). A raiz gira com metade da velocidade do coeficiente, e isto não é coincidência: deriva do fato de ser uma equação de 2º grau.

Numa raiz cúbica, girar o argumento em 360º provoca um giro de 120º na raiz. A raiz fica inalterada apenas quando o giro do argumento for um múltiplo de 1080º (3×360).

Girar um coeficiente em 360º efetivamente provoca uma permutação das raízes da equação. No caso da equação cúbica, a solução é composta por raízes quadradas e cúbicas, cada raiz girando a uma velocidade diferente (180º e 120º). Para não permutar as raízes, o giro do coeficiente deve ser um múltiplo de 6×360º, que é múltiplo tanto de 720º quanto e 1080º.

Teoria de Galois

Conforme dito antes, Abel provou que não há solução geral em radicais que funcione para todas as equações quínticas. Fica a pergunta: quais equações quínticas são amigáveis a uma solução com radicais? Abel não trabalhou nesta questão pois morreu aos 26 anos — e nessa ocasião seu interesse já estava focado em outros problemas matemáticos. Não há como saber se, tivesse desfrutado de uma vida mais longa, Abel teria conquistado os galardões que couberam a Galois.

A grande obra de Galois foi transladar o problema das soluções dos polinômios para o estudo de grupos de permutações. O polinômio é convertido para um grupo. Quanto mais "problemático" for o polinômio, maior o grupo relacionado a ele. Quando o grupo atinge um certo tamanho, ele não é mais solúvel, o que significa que a respectiva equação polinominal não tem solução em radicais.

O caso é que, naquela época, grupos não eram objetos matemáticos amplamente conhecidos e estudados como hoje em dia. Galois teve de inventar ad-hoc esse ramo da álgebra abstrata.

Como sempre, vamos tentar começar de leve. Considere a equação de 1º grau

ax + b = 0

Se os coeficientes forem números racionais, a solução x=b/a também será um número racional. Em linguagem técnica, o campo Q é o campo separador de todos os polinômios de 1º grau em Q[x].

O que é um campo? É uma estrutura algébrica, composta de um conjunto de elementos, mais duas operações comutativas. Por exemplo, o conjunto dos racionais Q é um campo, pois podemos somar e multiplicar quaisquer frações, e o resultado sempre será outra fração, que também pertence a Q.

Um contra-exemplo é o conjunto de matrizes quadradas 3×3, pois multiplicação de matrizes não é comutativa. Tal conjunto não pode suportar um campo, mas pode suportar um anel. Esta página lista muitas outras estruturas algébricas.

Campo separador é o campo que nos permite fatorar completamente um polinômio. Em outras palavras, é o campo que contém todas as raízes de um polinômio.

Faltou esclarecer o que é Q[x]. É o conjunto de todos os polinômios cujos coeficientes pertençam a Q, ou seja, polinômios com coeficientes racionais. Obviamente existem polinômios com coeficientes irracionais e complexos, que pertencem aos conjuntos R[x] e C[x], respectivamente.

Diz o Teorema Fundamental da Álgebra: todo polinômio tem pelo menos uma raiz complexa. O conjunto C[x] tem a distinção de ser o seu próprio campo separador, afinal ele também contém todos os números complexos (um número é um polinômio de valor constante, sem "x").

Agora, vejamos a equação quadrática

x2 − 3 = 0

As raízes dessa equação não pertencem ao campo Q, portanto Q não é o campo separador. Precisamos estender o campo dos racionais com um número irracional, que sabemos ser 31/2.

Em notação técnica, o campo Q(31/2) é o campo dos racionais estendido de 31/2. Este novo campo contém todos os racionais, mais os irracionais na forma a+b.31/2 (onde "a" e "b" são racionais).

Mas procure abstrair-se do real valor de 31/2. Coloque-se no lugar do campo Q, que só tem frações. Ou então pense como um matemático da Grécia antiga, que não aceitava a existência dos números irracionais.

Desse ponto de vista tacanho, a raiz da equação é uma "coisa" C, que existe, mas não se mistura com os números "de verdade". O campo separador é Q(C). Uma vez que a equação tem duas raízes, temos na verdade duas "coisas": C e Ĉ. Será que precisamos de duas extensões de campo?

Essas "coisas" aparecem de forma mais escrachada em campos finitos. Por exemplo, no campo GF(2n), muitíssimo comum em computação, só existem os números 0 e 1, cuja aritmética é a seguinte: 1+1=0 e 0−1=1. Num campo desses, a equação

x2 + x + 1 = 0

parece não ter raízes, pois nem x=0 nem x=1 funcionam. Porém, o teorema fundamental da álgebra garante que ela tem três raízes. E aí? Aí que essas raízes existem, mas são "coisos" cuja natureza transcende os números comuns. (Para encurtar a história, essas raízes serão outros polinômios.)

Mas deixemos os campos finitos e voltemos para o campo infinito Q.

Nem toda extensão de campo é algébrica. Por exemplo, Q(π) é uma extensão mas não é algébrica, pois π não é raiz de nenhuma equação polinomial com coeficientes racionais. Em linguagem técnica, Q(π) não tem polinômio mínimo em Q[x].

Para uma extensão ser considerada algébrica, ela precisa ter um polinômio mínimo em Q[x], ou seja, ela deve conter pelo menos uma raiz de um polinômio simples, com apenas um "x" (elevado a alguma potência) e uma constante. Por exemplo, Q(31/2) é algébrica pois contém ao menos uma raiz de

x2 − 3 = 0

Note que podemos reescrever esta equação como

x2 = 3

Na forma acima, é mais fácil constatar uma propriedade do número irracional 31/2: ao ser elevado ao quadrado, resulta num número racional (3). Números transcendentais como π ou "e" não fazem isso. Esta é outra definição de extensão algébrica: Q(C) tal que C não pertence a Q, mas Cn pertence.

Se Cn pertence a Q, dizemos então que o grau da extensão C é exatamente o número "n". No exemplo, C é a raiz de uma equação quadrática, logo é uma extensão de grau 2. Muitas outras características do campo estendido podem ser inferidas com base no grau.

Voltemos à situação em que consideramos C e Ĉ "coisas" sem valor palpável, aceitando apenas que C e Ĉ são raízes da equação

x2 − 3 = 0

Do ponto de vista do campo dos racionais Q (ou de um grego antigo) tanto faz substituir C por Ĉ. Nem um nem outro tem valor racional. Mas existe uma relação matemática entre C e Ĉ? Podemos substituir C por qualquer outro valor irracional, como 51/2?

Aqui introduzimos o conceito de automorfismo. Automorfismo de campo é uma transformação organizada e reversível dos elementos do campo, que respeita as seguintes relações:

A(x+y) = A(x) + A(y)
A(xy) = A(x)A(y)

Brincando um pouco com as definições acima, constatamos que um automorfismo não modifica números racionais. Um possível automorfismo seria substituir C por Ĉ e vice-versa:

A(x): C ⇔ Ĉ

Um número composto por parcelas racionais e irracionais também é irracional, portanto tal número é afetado pelo automorfismo:

A(2.C + 0.5) = A(2).A(C) + A(0.5) = 2.Ĉ + 0.5

Porém um número, ou fórmula, puramente racional não é:

A(2 + 0.5) = A(2) + A(0.5) = 2 + 0.5

Será que esse automorfismo é mesmo válido? Uma vez que C e Ĉ são extensões algébricas de grau 2 com o mesmo polinômio mínimo, vale a seguinte igualdade:

C2 = Ĉ2 = 3

De um lado temos irracionalidades, de outro um número racional. Mesmo assim, um automorfismo não desbalanceia a equação:

A(C2) = A(3)
A(C)A(C) = 3
Ĉ.Ĉ = 3
Ĉ2 = 3

A equação abaixo, quase óbvia,

C2 = (−C)2 = 3

mostra que −C também é raiz do polinômio mínimo. Porém, sendo o polinômio de 2º grau, só há 2 raízes. Logo, −C tem de ser igual a C ou a Ĉ.

C=−C só seria válido se C=0. Mas zero é um número racional, e C é irracional, logo C não é zero nem é igual a −C. A conclusão necessária é que Ĉ=−C. Não é difícil então concluir que C=−Ĉ.

Mesmo num paradigma onde C ou Ĉ são "coisos" sem valor definido, conseguimos estabelecer uma relação aritmética entre eles. Se temos C, podemos chegar a Ĉ multiplicando por -1. Assim sendo, apenas uma extensão de campo — Q(C) ou Q(Ĉ), tanto faz — é suficiente para separar a equação

x2 − 3 = 0

Um automorfismo B(x) que transformasse 31/2 em 51/2 não seria aceitável porque ele não sobrevive ao simples teste a seguir:

B(31/2)2 = B(3)
(51/2)2 = 3
5 = 3 (falso)

Voltando ao automorfismo A(x) válido, note que se ele for aplicado duas vezes em seguida, é o mesmo que nada:

A(A(C)) = A(Ĉ) = C

O grupo de automorfismos da equação

x2 − 3 = 0

é composto por duas operações: A(x) que substitui C⇔Ĉ, e E(x) que não faz nada. É um grupo cíclico pois A.A = E. Grupos de 2 elementos são tecnicamente denominados S2 ou C2.

A seguinte equação quadrática possui um grupo de automorfismos composto de apenas uma operação, a identidade E(x) que não toca em nenhum número:

x2 − 4 = 0

Isto acontece porque as raízes da equação são racionais (+2 e −2), portanto o campo Q já é separador, não são necessárias extensões irracionais.

Importante sobre os automorfismos: eles existem enquanto consideramos um número irracional como "coisa", sem valor definido. Assim que admitimos C via extensão de campo, ele passa a ser tratado como um número de verdade, e seu valor não pode mais ser mudado.

Em linguagem técnica, o grupo de automorfismos de C sobre Q é S2, mas o grupo de automorfismos sobre Q(C) é S1, este último com apenas um elemento, a identidade.

Vejamos agora uma equação um pouco menos trivial:

x2 − 4x + 13 = 0

Esta equação tem raízes complexas 2+3i e 2−3i. Neste caso, qual é a "coisa" C com que devemos estender o campo Q, para resolver a equação? Seria 2+3i, 2−3i, 3i, ou i?

Resposta: qualquer um serve. Todas as possibilidades têm uma "anti-coisa" (2−3i, 2+3i, −3i e −i, respectivamente), e a partir de qualquer um desses valores, podemos obter os outros usando aritmética.

É fundamento da teoria de Galois que automorfismo de raiz também é raiz. Se adotarmos o campo Q(i) como extensão, o automorfismo é −i, que alterna corretamente entre as duas raízes 2+3i e 2−3i. Se adotássemos Q(3i), o automorfismo seria −3i, e continuaria funcionando.

Esse fundamento é fácil de provar. Supondo o automorfismo A(x) e um polinômio f(x) de grau "n" com raízes x1..xn,

f(x) = xn + c1xn−1 + ... cn

Se xi é raiz, então

0 = xin + c1xin−1 + ... cn

Aplicando o automorfismo a esta equação,

A(0) = A(xin + c1xin−1 + ... cn)
A(0) = A(xin) + A(c1xin−1) + ... A(cn)
A(0) = A(xi)n + A(c1)A(xi)n−1 + ... A(cn)
0 = A(xi)n + c1A(xi)n−1 + ... cn

Pelo desenvolvimento acima, concluímos que A(xi) também deve ser raiz da equação.

Para um polinômio com coeficientes racionais, sempre podemos construir um campo separador, que contenha todas as raízes, estendendo Q com uns poucos valores irracionais. Isso vale para polinômios de qualquer grau.

Um método é estender Q com as próprias raízes. É meio tautológico (é óbvio que um campo estendido com as raízes conterá as raízes) mas é de grande importância estabelecer que esse caminho está sempre disponível.

Para equações abaixo do 5º grau, podemos sempre escolher irracionais mais "simples" que as raízes para estender o campo, atingindo o mesmo resultado. Num exemplo visto há pouco, tivemos as opções Q(2+3i), Q(3i) ou Q(i). Evidentemente, é mais simples e elegante usar Q(i), ou pelo menos Q(3i), em vez de estender o campo com a própria raiz Q(2+3i).

O polinômio mínimo da extensão Q(i) é

x2 + 1 = 0

porém Q(i) também é capaz de separar as raízes da outra equação cuja raiz era 2+3i; e de muitas outras.

Agora, vejamos a equação

x2 + 3 = 0

cujas raízes são 31/2i e −31/2i. Temos duas "coisas", poderíamos estender o campo duas vezes para obter o campo separador Q(31/2)(i), mas para resolver esta equação basta uma extensão Q(i.31/2).

Note que o número irracional i.31/2, apesar de conter i, não é capaz de separar a equação

x2 + 1 = 0

pois, no campo Q(i.31/2), o valor i não existe isoladamente. "Ah, mas basta dividir por 31/2". Mas 31/2 também não existe isoladamente nesse campo; todo número dentro dele tem a forma a + b.i.31/2, sendo "a" e "b" racionais. Se quisermos que nosso campo separe ambas as equações abaixo:

x2 + 1 = 0
x2 + 3 = 0

então realmente precisamos de uma extensão dupla Q(31/2)(i), em que os números do campo têm a forma

a + b.i + c.31/2 + d.i.31/2

A fórmula acima é a representação do campo estendido como um vetor. Os elementos (1, i, 31/2, i.31/2) constituem a base desse vetor. Enquanto a,b,c,d forem racionais, os elementos desse vetor são linearmente independentes, o que significa que cada vetor possível corresponde a um único quarteto (a,b,c,d).

Um exemplo de vetor com elementos linearmente dependentes é

a + bω + cω2

onde ω é a raiz cúbica primitiva da unidade. Note que se a=b=c, o valor total do vetor será zero. Um mesmo vetor (zero) pode ser expresso por inúmeras trincas diferentes (a=b=c=0, a=b=c=1, a=b=c=2, ...). Isto acontece porque ω2=−1−ω, então ω2 está redundante na base.

Agora, vamos analisar uma equação do 3º grau, que torna as coisas mais interessantes:

x3 − 7 = 0

As raízes são 71/3, ω71/3 e ω271/3. Obviamente precisamos estender o campo dos racionais Q com o número irracional 71/3 para acomodar as raízes. Será uma extensão de grau 3, pois (71/3)3=7. Mas será que Q(71/3) basta para separar o polinômio?

A resposta é não; também precisamos estender Q com ω, que como vimos antes, também é a raiz de uma equação quadrática, portanto tem grau 2, apesar de ser raiz cúbica de 1. Os campo separadores da equação podem ser Q(71/3)(ω) ou Q(ω)(71/3).

Assim sendo, Q(71/3) é uma extensão algébrica cujo polinômio mínimo é a equação mais acima (pois contém ao menos uma raiz dela), porém esta não é uma extensão normal pois ela não contém todas as raízes da equação.

Q(71/3)(ω) e Q(ω)(71/3) são extensões normais, pois contêm todas as raízes da equação. Porém, apenas Q(ω)(71/3) é uma série normal, pois tanto Q quanto Q(ω) quanto Q(ω)(71/3) são normais, para algum polinômio.

As extensões normais são desejáveis, pois elas têm os automorfismos de que falamos antes. O campo Q(71/3) não tem automorfismos válidos — o cubo de 71/3 é 7, enquanto o cubo de (−71/3) é −7.

Lembrando novamente que sempre podemos estender o campo com as 3 raízes da equação, a fim de obter o campo separador. Sempre funciona, mas é força bruta, é uma possibilidade que não nos interessa aqui, tanto por ser excessiva (vimos que 2 extensões bastaram) tanto porque o objetivo final é justamente calcular as raízes quando não as sabemos.

A extensão Q(ω)(71/3) é um exemplo de "torre de radicais", e Galois provou que a existência dessa torre de radicais equivale à possibilidade de haver uma fórmula aritmética para achar as raízes.

Toda torre de extensões algébricas pode ser convertida para uma extensão simples. No caso, Q(ω)(71/3) é equivalente a Q(i.31/271/3). Se elevarmos i.31/271/3 ao quadrado, ao cubo, etc. obtemos todos os números irracionais necessários (lembrando que ω contém i.31/2 em sua composição). Este número mágico é chamado elemento primitivo da extensão. Conferindo:

(i.31/271/3)2 = -3.72/3
(i.31/271/3)3 = -21.i.31/2 = 21.(2ω+1)
(i.31/271/3)4 = 63.71/3
(i.31/271/3)5 = 441.i.31/2.72/3 = -441.(2ω+1).72/3
(i.31/271/3)6 = -1323

Uma vez que ele substitui uma torre de radicais de graus 2 e 3, o grau deste elemento primitivo será 6, cujo polinômio mínimo será de 6º grau:

x6 + 1323 = 0

Vamos agora analisar os automorfismos relacionados à equação

x3 − 7 = 0

Do ponto de vista de Q, temos dois "coisos" irracionais ω e B, que não têm valor definido em Q. O coiso ω admite dois automorfismos:

E(x) = V0(x): identidade
V(x): ω ⇒ ω2

Já o coiso B admite três, com uma ajudinha de ω:

E(x) = R0(x): identidade
R(x): B ⇒ ωB
R2(x): B ⇒ ω2B

Para verificar se esses automorfismos são mesmo bons, você pode fazer o mesmo procedimento de antes, checando se as igualdades ω3=1 e B3=7 se mantém depois das substituições.

Os automorfismos V(x) e R(x) têm efeitos diferentes sobre as raízes da equação. V(x) permuta apenas as duas raízes complexas. Já R(x) rotaciona as três raízes. Também é importante notar que a composição desses automorfismos não é mais comutativa. V(R(x)) dá um resultado, enquanto R(V(x)) dá outro. A propósito, R(R(V(x)))=V(R(x)).

O grupo de automorfismos da equação cúbica do exemplo tem 6 elementos, pois há 6 possibilidades distintas de embaralhar as 3 raízes: R, R.R, V, R.V, V.R, E (identidade) — lembrando que R.R.V=V.R. Não é coincidência que a ordem de V(x) seja 2 (porque tem 2 elementos), a ordem de R(x) seja 3. A contagem de todas as combinações é 3×2=6. Grupos com esta característica são conhecidos por S3.

Afirmamos antes que automorfismo de raiz também é raiz. Sabemos que uma equação é do 3º grau tem apenas 3 raízes. Então se aplicarmos todos os 6 automorfismos a uma raiz qualquer (digamos 71/3, que é igual a B) só devemos obter 3 valores distintos. A saber:

E(B) = B
R(B) = ω.B
R(R(B)) = R(ω.B) = R(ω)R(B) = ω.ω.B = ω2B
F(B) = B
R(F(B)) = R(B) = ω.B
F(R(B)) = F(ω.B) = F(ω)F(B) = ω2B

Testando com outra raiz (ω.B), acontece o mesmo:

E(ω.B) = ω.B
R(ω.B) = R(ω)R(B) = ω.ω.B = ω2B
R(R(ω.B)) = R(ω.ω.B) = ω3B = B
F(ω.B) = F(ω)F(B) = ω2B
R(F(ω.B)) = R(ω2B) = ω2R(B) = ω3B = B
F(R(ω.B)) = F(ω.ω.B) = F(ω)F(ω)F(B) = ω4B = ω.B

Quando nós estendemos o campo Q com ω, formando Q(ω), nós fixamos ω. Ou seja, ele agora tem valor líquido e certo, não é mais um "coiso". Os automorfismos válidos sobre Q(ω) preservam o valor de ω (e continuam preservando os racionais em Q).

Dada esta nova restrição, o grupo de automorfismos restante tem apenas os 3 elementos de R(x). Este grupo de ordem 3 é comutativo e cíclico. Note que, apesar de R(x) fazer uso de ω, ele não altera o valor de ω; ele afeta apenas números irracionais que levam B em sua composição.

E finalmente, ao estender novamente o campo para Q(ω)(71/3), o único automorfismo aceitável é a identidade, pois não sobrou nenhum "coiso". As raízes dos polinômios — e quaisquer derivados de raízes como discriminantes, resolventes, etc. — têm valor líquido e certo. Existe uma relação inversa entre os campos e os grupos de Galois:

Q ........... S3
Q(ω) ........ C3
Q(ω)(B) ...... C1 (grupo trivial)

Portanto, aumentar a altura da torre de radicais equivale a reduzir o tamanho do respectivo grupo de Galois.

Um fato interessante: para um polinômio de grau "n", o grau máximo da extensão necessária para conter as raízes é n!. Isto vale inclusive para equações insolúveis como as de 5º grau, onde o único jeito de criar o campo separador é adicionando as próprias raízes.

O motivo é o seguinte: suponha uma equação do 5º grau cujas raízes sejam x1..x5. Assim que adicionamos uma raiz qualquer xa ao campo Q, formando o campo Q(xa), que é uma extensão de grau 5, xa passa a ser um número de pleno direito. Podemos então dividir o polinômio original por (x−xa), restando um polinômio equivalente a

(x−xb)(x−xc)(x−xd)(x−xe)

Neste ponto, xb..xe são raízes de uma equação de 4º grau. A extensão Q(xa)(xb) tem grau 4 em relação a Q(xa), Q(xa)(xb)(xc) tem grau 3 em relação a Q(xa)(xb), e assim por diante. O grau da extensão total Q(x1..x5) em relação a Q, é 120 (5×4×3×2×1).

É curioso notar que, apesar de podermos estender o campo com as raízes em qualquer ordem, aquelas que entram primeiro "valem mais". Isto acontece porque todas as raízes são inter-relacionadas (para que as fórmulas de Viète produzam coeficientes racionais). Assim que uma raiz é conhecida, as demais tornam-se um pouco mais fáceis de achar.

No final do processo, a última raiz adicionada ao campo tem grau 1, ou seja, não estende o campo. Q(xa,xb,xc,xd) é o mesmo campo que Q(x1..x5). Isto significa que, numa equação de n-ésimo grau, se conhecermos n−1 raízes, a última é facilmente calculada.

Um estudo cuidadoso das fórmulas das equações de 2º, 3º e 4º grau mostra que cada fase de cada fórmula corresponde a uma extensão do campo, que corresponde a uma contração do grupo de Galois. E assim sendo, o problema pode ser abstraído, estudando-se apenas os grupos.

O grupo de Galois de um polinômio expressa a dificuldade em achar uma fórmula para as raízes, usando apenas aritmética e radiciação. A característica do grupo de Galois de um polinômio ser solúvel (ou não) equivale à existência (ou não) da almejada fórmula das raízes. A definição de grupo solúvel será dada mais adiante.

A equação cúbica geral tem grupo de Galois S3. Mesmo que só possua raízes reais, os passos intermediários do cálculo das raízes têm de usar números complexos, e o ω é ingrediente obrigatório. O único caso em que o grupo de Galois é C3, é quando o discriminante é um quadrado perfeito, o que significa que a raiz quadrada da fórmula de Cardano é racional.

As equações quárticas podem ter, no máximo, um grupo S4, cuja série normal pode ser

S4 ⊳ A4 ⊳ V4 ⊳ C2 ⊳ C1

Os grupos da série normal acima contêm, 24, 12, 4, 2, e 1 elementos, respectivamente. Observe que 24/12=2, 12/4=3, 4/2=2, 2/1=2, todos números primos. Note ainda que a série só termina em C1, o grupo trivial de 1 elemento.

A definição de "subgrupo normal" será dada mais adiante, mas ela está relacionada à extensão normal de campo — aquela que possui todas as raízes de um polinômio qualquer, e cujos automorfismos formam um grupo.

Os quocientes entre grupos são importantes porque são, eles mesmos, grupos. O grupo S4 tem ordem 24, e o grupo A4 tem ordem 12. Mas o quociente entre eles é o pequeno grupo C2, e isto é importante pois ele representa um automorfismo de campo de 2 elementos, por exemplo aquele que inverte o sinal de uma raiz quadrada.

No processo de resolver uma equação quártica, nós começamos estendendo o campo Q com uma raiz quadrada, cujo grupo de automorfismos é C2. Porém, ao fazer isso, um "coiso" cujo valor era desconhecido passou a ter valor líquido e certo. Assim, o grupo de permutações de raízes S4, de ordem 24, sofre uma contração, sendo "dividido" por C2. O resultado é o grupo A4 de ordem 12.

Outra série normal possível para equações quárticas mais simples, por exemplo as biquadradas, é

D4 ⊳ V4 ⊳ C2 ⊳ C1

D4 tem 8 elementos, é subgrupo de S4 mas não é subgrupo normal, o que indica que resolver equações com este grupo de Galois pede ferramentas diferentes das outras. Mas o final da série normal de umas e outras termina igual. Equações biquadradas com soluções reais têm grupo de Galois ainda menor, V4, sendo ainda mais fáceis de resolver.

Um grupo é solúvel quando todos os quocientes da série normal são grupos abelianos. Grupos que possuem um número primo de elementos são forçosamente cíclicos e abelianos. Todos os quocientes da série normal de S4 são números primos e pequenos, então S4 é folgadamente solúvel.

Todo subgrupo (normal ou não) de um grupo solúvel é ele mesmo solúvel, por exemplo D4 é forçosamente solúvel, pois é subgrupo de S4.

Quociente entre grupos só existe se o "divisor" é um subgrupo normal do "dividendo". Para decidir se um grupo é solúvel, precisamos analisar todos os quocientes da série, e para que esses quocientes existam, cada subgrupo deve ser normal em relação a seu grupo-pai, formando uma série normal. (Sim, existem séries não-normais.)

A série normal da equação quíntica geral é

S5 ⊳ A5 ⊳ C1

Os quocientes são 120/60=2 e 60/1=60. O grupo A5 é um grupo simples, sem subgrupos normais fora C1, o que torna esta série insolúvel.

Em linguagem popular, o grupo A5 é intrincado demais para ser analisado. A impossibilidade de reduzir o grupo A5 de forma gradual corresponde à impossibilidade de construir um campo contendo as raízes por meio de extensões algébricas, o que corresponde à impossibilidade de achar uma fórmula aritmética para as raízes.

O único jeito de construir o campo com as raízes da equação quíntica é adicionar os valores de 4 raízes ao campo, de uma vez só. (Adicionar 1, 2, 3 raízes não constitui uma extensão normal. Ela só se torna normal quando entram ao menos 4, pois então a 5ª raiz pode ser calculada em função das outras.) Isto corresponde ao fato de que toda equação quíntica tem 5 raízes, mas não nos ajuda a calcular que raízes são essas...

Por outro lado, o quociente 120/60=2 indica que pelo menos um passo de uma hipotética fórmula nós podemos dar. Toda série normal de uma equação polinomial começa com um quociente 2. Este quociente corresponde ao discriminante.

Para qualquer grau, existe uma fórmula racional para o discriminante com base nos coeficientes, e a raiz quadrada do discriminante sempre faz parte do campo das raízes. O discriminante fornece muita informação sobre a natureza das raízes, e.g. um discriminante igual a zero indica a presença de raiz repetida.

Uma equação quíntica solúvel tem grupo de Galois F20, cuja série normal é

F20 ⊳ D5 (10 elem.) ⊳ C5 > C1

Observe que 20/10=2, 10/5=2 e 5/1=5. Os dois primeiros quocientes correspondem ao cálculo das raízes quínticas da unidade, que como vimos têm grau 4 (2×2), e o último quociente corresponde à raiz quíntica de um número racional.

F20 é um subgrupo de S5, mas não é um subgrupo normal, e não figura em nenhuma série normal de S5. Isto corresponde ao fato das equações quínticas solúveis serem fundamentalmente diferentes das equações não-solúveis, e as ferramentas utilizadas para resolver umas não servem para atacar as outras.

Indo mais fundo

O grupo F20 é gerado por dois automorfismos:

H(x): ω ⇒ ω2
R(x): B ⇒ ωB

onde ω é uma raiz quinta primitiva de 1, e, no caso da equação quíntica

x5 − 3 = 0

que estamos a usar como exemplo, "B" é a raiz quinta real de 3.

Com pouco esforço, vemos que o automorfismo H(x) joga ω para ω2, este para ω4, este para ω3, e este finalmente para ω, formando um ciclo de 4 elementos. Em linguagem de grupos, o grupo de Galois de H(x) tem elemento gerador (1243). Mais adiante neste artigo, explicamos como trabalhar com essa sintaxe de permutações.

Aplicando o automorfismo H(x) repetidamente sobre o campo separador da equação de exemplo, nós embaralhamos as raízes complexas, mas deixamos a raiz real intocada, obtendo um máximo de 4 permutações.

Já o automorfismo R(x) rotaciona as 5 raízes, formando 5 possibilidades diferentes. Seu elemento gerador é (12345). Combinando R(x) e H(x), obtemos um "baralho" de 20 combinações diferentes.

Um outro automorfismo possível é trocar os números complexos pelos seus conjugados. Chamemos este automorfismo de C(x). Seu elemento gerador seria (14)(23), formando apenas 2 combinações. Como ele se encaixaria entre H(x) e R(x)? Usando a notação de grupos de permutação, descobrimos que

(1243)(1243) = (14)(23)

Ou seja, C(x) é um subgrupo de H(x). Sabemos que se trata de um subgrupo normal, pois H(x) tem apenas 4 elementos, é portanto obrigatoriamente abeliano, e grupos abelianos só têm subgrupos normais.

Mais sobre a notação de permutações

A teoria dos grupos é fortemente baseada no estudo de grupos de permutações. Por exemplo, a palavra ABC tem 6 anagramas ou permutações possíveis: ABC, BCA, CAB, ACB, CBA, BAC. O grupo isomórfico é S3 onde "3" é o número de letras. O número de elementos é 6=3×2×1=3! Um grupo Sn possui n! elementos.

Os grupos de permutação são os "reis dos grupos". Além de terem sido os primeiros a serem estudados, por representarem permutações de raízes na teoria da Galois, foi determinado que absolutamente todo grupo, de qualquer tipo ou forma, é subgrupo de algum grupo de permutação.

Na literatura, as permutações são expressas usando a notação de ciclos. Por exemplo: (12) significa "elemento 1 vai para a posição 2, e elemento 2 vai para a posição 1". Os parênteses delimitam um ciclo. A palavra ABC atuada por (12) fica BAC. As permutações (12) e (21) são iguais, mas o costume é começar pelo dígito menor.

(132) significa "mova elemento 1 para posição 3, elemento 3 para posição 2, e elemento 2 para posição 1". ABC.(132) = BCA. Um ciclo com apenas um número como (1) não faz nada ("mova elemento 1 para posição 1") e é o elemento neutro de qualquer grupo de permutação. O símbolo "id" também é usado para o elemento neutro.

Concatenações de permutações podem ser disjuntas ou não. Por exemplo, (12)(34) é disjunta, pois um ciclo não interfere no outro, e são inclusive comutativos. ABCD.(12)(34) = ABCD.(34)(12) = BADC.

Por outro lado, (12)(13) e (13)(12) não são disjuntas e não são comutativas. V.g. ABC.(12)(13) = CAB mas ABC.(13)(12) = BCA.

Muitas concatenações de permutações podem ser simplificadas. Exemplo trivial: (12)(12)=(1)=nulo. Também pode-se constatar que (12)(13)=(123) e (13)(12)=(132). Vamos descrever a regra prática para calcular/simplificar a concatenação, usando o exemplo abaixo:

(12)(23)

Comece com o elemento 1, se ele existir em alguma parcela, e escreva-o:

(12)(23)=(1

A primeira parcela joga 1 para 2, e a próxima parcela joga 2 para 3, então

(12)(23)=(13

Agora considere o 3. Ele só aparece na última parcela, e é jogado para 2, então

(12)(23)=(132

Como prova real, vemos que 2 é jogado para 1 na primeira parcela, provando que o ciclo fechou corretamente.

(12)(23)=(132)

Num caso como (23)(23), 2 é jogado para 3 e 3 é jogado para 2. Quando isto acontece, podemos escrever (2), ou (1), ou simplesmente eliminar, pois o resultado final da permutação não move esse elemento de lugar.

É muito fácil confundir a ação de grupo com a posição final dos elementos permutados. Por exemplo, a palavra ABC não corresponde à ação (123), mas sim à ação neutra (1). Se expressarmos a palavra usando dígitos e.g. 123 em vez de ABC, a confusão é ainda mais fácil de acontecer. Como explicar que a palavra 123 não corresponde à permutação (123)?

A correspondência entre anagramas e permutações da palavra-base ABC é a seguinte:

ABC   (1)
BAC   (12)
CBA   (13)
ACB   (23)
CAB   (123)
BCA   (132)

Por ser um grupo de permutações, a contagem de anagramas é exatamente igual à contagem de ações de permutação. Qualquer permutação em S3 que não figure na lista acima é passível de simplificação ou rearranjo.

Para evitar confusão, e concentrar a atenção na estrutura do grupo, é costume expressar os próprios elementos usando a sintaxe de permutações. Isto é possível por existir uma relação 1:1 entre anagramas e ações de permutação.

Em vez de dizer BAC, dizemos (12). Para expressar a permutação (123) sobre o elemento BAC, não fazemos BAC.(123), mas sim (12)(123), que é facilmente simplificado para (13), correspondente a CBA.

Uma forma ainda mais compacta de expressar um grupo ou subgrupo é usando apenas os geradores, ou seja, aqueles elementos que, se combinados entre si, produzem todos os outros. No caso de S3, os geradores são (123) e (23), então

S3 = <(123),(23)>

Uma última definição interessante: existem permutações "pares" e "ímpares". Permutação par é aquela que pode ser representada por um número par de transposições. Por exemplo, no grupo S3, (132) é igual a (12)(23), então (132) é uma permutação par. A permutação (12) isolada é, obviamente, ímpar. A permutação neutra (1) é considerada par.

Na literatura, os grupos An são os subgrupos das permutações pares de Sn. O grupo A3 corresponde ao subgrupo <(123)> de S3. Por outro lado, as permutações ímpares não podem formar um subgrupo, pela falta do elemento neutro, que é par.

A composição de permutações é análoga à soma aritmética: combinar duas permutações pares dá resultado par, duas permutações ímpares também resultam em par, e um número ímpar de permutações ímpares resulta ímpar.

O que é subgrupo normal?

Dentre as muitas definições de subgrupo normal, vamos usar hC = Ch. Ou seja, combinar um elemento h do grupo-pai H com todos os elementos do subgrupo C, pela esquerda ou pela direita, deve resultar num mesmo conjunto, o coset.

Um exemplo mais fácil é o grupo S3, cujos elementos geradores são (123) e (23), formando seis combinações possíveis. Considerados isoladamente, <(23)> é um grupo de comutativo de 2 elementos, enquanto <(123)> é comutativo de 3 elementos. Mas apenas <(123)> é um subgrupo normal:

(23)(1) = (23)
(23)(123) = (12)
(23)(132) = (13)

(1)(23) = (23)
(123)(23) = (13)
(132)(23) = (12)

A "multiplicação" por (23) não é comutativa: (123)(23) dá resultado diferente de (23)(123). Porém o conjunto coset obtido pela combinação de (23) com o subgrupo <(123)> inteiro, pela esquerda ou pela direita, é igual: {(12),(13),(23)}. Lembrando que conjuntos não têm ordem interna.

Chegaríamos à mesma conclusão repetindo o procedimento com todos os elementos de S3, mas basta fazê-lo com o gerador (23) para provar o ponto.

Note ainda que um conjunto coset é uma fatia de um grupo, mas não é (necessariamente) um subgrupo!

Já o subgrupo {(1),(23)} não é normal:

(123)(1) = (123)
(123)(23) = (13)

(1) (123) = (123)
(23)(123) = (12)

A combinação do subgrupo {(1),(23)} pelo gerador que ficou de fora (123) produziu cosets diferentes.

Outra definição muito compacta de subgrupo normal é h−1Ch=C, onde C é o subgrupo e "h" é qualquer elemento do supergrupo H. Considerando o subgrupo {(1), (123), (321)} de S3,

(23)−1(123)(23) = (23)(123)(23) = (12)(23) = (132)

(132) ainda está no subgrupo <(123)>. A conta acima foi facilitada pelo fato de (23) ser o inverso dele mesmo.

Considerando agora o subgrupo {(1), (23)}, e testando com h=(123),

(123)−1(23)(123) = (321)(23)(123) = (12)(123) = (13)

(13) não pertence ao subgrupo <(23)>, logo o subgrupo não é normal.

Aprofundando o conceito de quociente de grupo

Antes, afirmamos que o grupo-quociente só existe quando o divisor é subgrupo normal. Vamos colocar esta definição à prova. Há pouco, vimos que C3 e C2 são subgrupos de S3, porém apenas C3 é um subgrupo normal.

A "divisão" de S3 por C3 é obtida pela "multiplicação" de cada elemento de S3 pelo subgrupo C3 inteiro, pela esquerda e pela direita, e depois contar quantos cosets obtemos:

(1) . {(1),(123),(132)} = {(1),(123),(132)} = A
(12) . {(1),(123),(132)} = {(12),(13),(23)} = B
(13) . {(1),(123),(132)} = {(13),(23),(12)} = B
(23) . {(1),(123),(132)} = {(23),(12),(13)} = B
(123) . {(1),(123),(132)} = {(123),(132),(1))} = A
(132) . {(1),(123),(132)} = {(132),(1),(123)} = A

{(1),(123),(132)} . (1) = {(1),(123),(132)} = A
{(1),(123),(132)} . (12) = {(12),(23),(13)} = B
{(1),(123),(132)} . (13) = {(13),(12),(23)} = B
{(1),(123),(132)} . (23) = {(23),(13),(12)} = B
{(1),(123),(132)} . (123) = {(123),(132),(1)} = A
{(1),(123),(132)} . (132) = {(132),(1),(123)} = A

Obtivemos dois cosets, A e B, que ocorrem com a mesma frequência e igualmente espalhados nas operações canhotas e destras. Podemos estabelecer analogias com a aritmética (6/3=2).

Podemos formar um grupo M(x), com dois elementos (1) e (23), que atua sobre os cosets, comutando-os e.g. M(A)=B, M(B)=A e M(M(A))=A. A propósito, M(x) é justamente o grupo-quociente de que falamos antes.

Por outro lado, se tentarmos o mesmo com o subgrupo C2 gerado por (23)...

(1) . {(1),(23)} = {(1),(23)} = A
(12) . {(1),(23)} = {(12),(132)} = B
(13) . {(1),(23)} = {(13),(123)} = C
(23) . {(1),(23)} = {(23),(1)} = A
(123) . {(1),(23)} = {(123),(13)} = C
(132) . {(1),(23)} = {(132),(12)} = B

{(1),(23)} . (1) = {(1),(23)} = A
{(1),(23)} . (12) = {(12),(123)} = D
{(1),(23)} . (13) = {(13),(132)} = E
{(1),(23)} . (23) = {(23),(1)} = A
{(1),(23)} . (123) = {(123),(12)} = D
{(1),(23)} . (132) = {(132),(13)} = E

Obtemos cinco cosets diferentes, com frequências diferentes e espalhamento irregular (por exemplo, D só aparece nas operações destras). Não é possível formar um grupo comutador com todos eles. Portanto não há quociente.

Se o grupo gerado por (23) fosse normal, as operações "destras" gerariam os mesmos cosets A,B,C das operações canhotas. Aí teríamos três cosets com ocorrência uniforme, e o gerador (123) poderia comutar entre esses cosets de forma cíclica.

Um grupo de 6 elementos divisível por 2 é o Z6 (adição módulo 6). Isto é possível pois adição é comutativa, logo todo subgrupo é normal. Os subgrupos de (0,1,2,3,4,5) são (0,1) e (0, 2, 4). Fazendo o teste dos cosets:

(0, 1) + 0 = (0, 1) = A
(0, 1) + 2 = (2, 3) = B
(0, 1) + 4 = (4, 5) = C
0 + (0, 1) = (0, 1) = A
2 + (0, 1) = (2, 3) = B
4 + (0, 1) = (4, 5) = C

Agora sim, obtemos 3 cosets uniformemente espalhados, e respeitando a analogia 6/2=3. Aqui o quociente funcionou porque Z2 é subgrupo normal de Z6, enquanto não era subgrupo normal de S3.

O grupo Z6 pode ser gerado pelo produto direto dos grupos Z2 e Z3:

Z2 = (0, 1, 2)
Z3 = (0, 1)
Z6 = (0, 1, 2) × (0, 1) = (0:0, 0:1, 1:0, 1:1, 2:0, 2:1)
Substituindo a:b por 2a+b,
Z6 = (0, 1, 2, 3, 4, 5)

Produto direto é o simples produto cartesiano ou "cruzamento" de dois grupos, e ambos os constituentes serão subgrupos normais do resultado. Ou seja, existe um quociente entre um produto direto e qualquer dos seus constituentes. Se G=A×B, então A=G/B e B=G/A.

Isso nem sempre vale na direção oposta: suponha H subgrupo normal de G, e G/H também seja subgrupo normal de G. Isto não significa que G=H×(G/H). Por exemplo, o grupo Z4 não é isomórfico a Z2×Z2. Para reconstruir Z4 a partir de Z2, precisamos adicionar informação extra. (Z6 é isomórfico a Z2×Z3 porque 2 e 3 são relativamente primos.)

O produto semidireto é cruzamento de dois grupos, sendo que apenas um deles será subgrupo normal do resultado. É o caso da formação de S3:

C3 ~= {(1), (123), (132)}
C2 ~= {(1), (23)}
S3 = {(1)(1), (123)(1), (132)(1), (1)(23), (123)(23), (132)(23)}
S3 = {(1), (123), (132), (23), (13), (12)}

Expressamos os grupos C3 e C2 como subgrupos de S3, para que fique mais clara a formação de S3. Apesar dos ingredientes serem comutativos, o resultado final não é comutativo. Existe quociente entre S3 e C3 porque o último é subgrupo normal do primeiro, porém não existe S3/C2.

Um produto direto de dois grupos abelianos também seria abeliano. Como S3 não é abeliano, jamais poderia ser produzido pelo produto direto de C2 e C3. Para definir um produto semidireto, é preciso definir "algo mais" além dos subgrupos envolvidos.

Esse "algo mais" é uma ação de automorfismo do grupo "não-normal" sobre o grupo normal. Isso soa mais complicado do que parece. No caso do exemplo acima, se considerarmos os geradores r=(123) e f=(12), sabemos que r.f é diferente de f.r. Precisamos definir uma fórmula para r' tal que r'.f = f.r, que nos permita jogar 'r' para o lado esquerdo.

No caso de S3, a única alternativa viável é definir f.r = r2.f. Se os ingredientes fossem grupos maiores, o produto semidireto deles poderia gerar múltiplos resultados, a depender dos automorfismos disponíveis.

Todo grupo de permutações Sn pode ser construído por um produto semidireto de An (grupo de permutações pares) e C2. Resta a pergunta se An pode ser construído por um produto semidireto. A resposta é "não" para "n" maior ou igual a 5.

Os grupos simples, que não têm subgrupos normais, são análogos aos números primos, pois uns e outros não podem ser construídos por produtos.

Qual a importância dos quocientes para Galois?

Conforme dito antes, para uma equação polinomial ter solução com aritmética e radicais, seu grupo de Galois precisa ser "solúvel". Denominamos solúvel o grupo em que todos os quocientes de grupos adjacentes na série normal sejam grupos abelianos.

Mas por que essa exigência, e qual a relação dela com as extensões de campo?

Conforme mostrado antes, o campo estendido que contém todas as raízes de uma equação de grau "n" tem grau de, no máximo, n!. Se n=5, n!=120. Uma forma de construir esse campo estendido é adicionar as raízes, portanto é garantido que esse campo existe.

Se não sabemos as raízes, mas queremos resolver a equação com aritmética e radiciação, vamos estender o campo adicionando raízes quadradas, cúbicas, etc. Uma raiz n-ésima, cujo "n" é primo, produz um grupo cíclico de automorfismos. Voltando uma vez mais ao exemplo

x2 − 3 = 0

As raízes 31/2 e −31/2 são intercambiáveis do ponto de vista do campo Q, formando o automorfismo C2. Assim que estendemos o campo para Q(31/2), o automorfismo encolhe para C1, pois agora aceitamos 31/2 como um número de pleno direito, e não podemos mais ficar mexendo no seu valor.

Pensando agora no sentido contrário: Q(31/2) é o campo separador da equação acima, pois contém suas raízes. Se removermos 31/2 do campo, estaremos aumentando o número de automorfismos possíveis de 1 para 2, pois o valor que era certo, passou a ser uma incógnita C, e essa incógnita pode valer +C ou −C, e ambas satisfazem a equação.

Supondo agora a equação cúbica

x3 − 5 = 0

Seu campo separador é Q(ω, B) onde ω é a raiz cúbica primitiva de 1, e B é a raiz cúbica real de 5. O grupo de Galois deste campo é {(1)}, sem automorfismos. O objetivo é remover extensões até chegar ao grupo S3 com 6 automorfismos.

Removendo ω do campo, ficamos com Q(B). Este não é um bom campo intermediário, pois ele não é uma extensão normal. Mas por que isso é ruim? Porque, das três raízes da equação (B, ωB e ω2B), duas passaram a ser incógnitas (pois ω foi abstraído) porém uma continua tendo valor certo (B). Em linguagem técnica, este grupo de automorfismos não é transitivo, pois não podemos mover a raiz B para outra posição, nem podemos mover outra raiz para a posição de B.

Ou, pensando de baixo para cima: o campo Q(B) é Q adicionado de uma raiz da equação. Essa é justamente a forma tautológica de criar o campo separador da equação: adicionando as raízes da equação. Ora, se já sabemos as raízes da equação, não há porque perder tempo com Galois, grupos, etc. Nosso objetivo aqui é encontrar um método de resolver equações quando as raízes são desconhecidas!

No caso da equação de exemplo, é óbvio que B=51/3, mas em equações cúbicas com mais termos, não será nem de longe tão fácil achar B, e nem cogitaríamos adotar Q(B) como campo intermediário.

A outra opção é remover B do campo Q(ω, B), ficando com Q(ω). Esta é uma boa opção, pois agora B virou uma incógnita com 3 automorfismos, e todas as 3 raízes viraram incógnitas. Na seara dos grupos, nós fizemos o produto direto de (1) por <(123)> obtendo <(123)>. Este grupo é transitivo. Além do mais, o valor de ω é conhecido, ou no mínimo fácil de calcular, independente da complexidade da equação cúbica.

O passo seguinte é remover ω de Q(ω), ficando apenas com Q. Agora, ω também é uma incógnita com 2 automorfismos: (1) e (23), um subgrupo não-normal de S3. Na seara dos grupos de Galois, estamos fazendo um produto semidireto:

<(123)> × <(23)> = S3 inteiro.

Numa equação solúvel por radicais, o grupo de Galois é construído desta forma, por uma seqüência de produtos semidiretos entre um subgrupo normal (que representa as extensões já removidas) e um subgrupo abeliano (que representa a extensão de campo sendo removida agora, que é uma raiz p-ésima). Esta seqüência de construção vai formando uma série normal, de (1) até o grupo final.

Para recuperar os grupos abelianos das raízes p-ésimas a partir do grupo final, executamos a operação inversa ao produto semidireto: tomamos os quocientes dos grupos adjacentes da série normal. Por exemplo, S3/<(123)> obtém o "quociente" <(23)>, e <(123)>/(1) = <(123)>.

Resta um último esclarecimento. Tanto o grupo de ω quanto de B são abelianos, isomórficos a C2 e C3 respectivamente. Por que o produto deles é S3, e não C6, de que C2 e C3 são ambos subgrupos normais? Seria até mais fácil, poderíamos usar produto direto em vez de semidireto, e teríamos duas séries normais para escolher.

Resposta: o grupo S3 é o nosso objetivo final, pois é um grupo de permutações, que abstrai as permutações das raízes de uma equação cúbica. É verdade que C6 também tem 6 elementos, mas ele não representa o que acontece num sistema de permutações. Também é verdade que um polinômio de n-ésimo grau pode ter um grupo de Galois menor que Sn; mas neste caso será forçosamente um subgrupo de Sn. C6 não é subgrupo de S3, então não há a menor chance dele servir.

Sendo assim, para combinar C3 e C2 de modo que o resultado seja S3 ou um subgrupo de S3, precisamos converter os elementos de C3 e C2 para elementos de S3. Quando falamos de C3 ou C2, na verdade não estamos falando exatamente deles; estamos falando de grupos isomórficos a eles, mas que existem como subgrupos de S3 e portanto podem ser construídos com elementos de S3. Verbi gratia: C3=<(123)> e C2=<(23)>=<(13)>=<(12)>

O único subgrupo de S3 de ordem 3 é <(123)>. Aliás, esta é outra característica de um subgrupo normal: ele é o único subgrupo do seu tamanho. Por outro lado, existem três subgrupos em S3 de ordem 2: <(12)>, <(13)> e <(23)>. Fazendo o produto de qualquer um deles por <(123)>, obtemos a totalidade de S3.

O grupo A5, subgrupo normal de S5, não possui subgrupos normais além do trivial (1). O "quociente" é o próprio grupo A5. Este grupo não é abeliano, portanto não corresponde a uma extensão de campo na forma de raiz 60-ésima. Sendo simples (sem subgrupos normais), este grupo não pode ser construído por uma seqüência de produtos semidiretos, portanto não pode ser relacionado a uma seqüência de extensões de campo envolvendo raízes p-ésimas.

Uma possibilidade seria a equação quíntica geral corresponder a outro subgrupo de S5 que não o problemático A5. Vimos que equações do 5º grau solúveis têm grupo de Galois F20. Quem garante que não é o caso de todas as equações quínticas?

Suponha uma equação quíntica com 3 soluções reais e 2 complexas, de que existem muitos exemplos em materiais didáticos. Neste caso, o automorfismo C(x) que substitui números complexos pelos seus conjugados corresponde à transposição de dois elementos — que pode ser (12), (23), (34) ou (45) — pois envolve apenas 2 raízes.

Por outro lado, absolutamente toda equação quíntica admite alguma permutação de rotação de todos os elementos e.g. (12345) em seu grupo de Galois, pois a extensão de campo Q(xi) (onde xi é qualquer raiz) é de grau 5. Assim, solúvel ou não, o grupo de Galois sempre terá ordem múltipla de 5.

Ora, uma transposição e uma rotação são suficientes para gerar o grupo S5 inteiro. Então, pelo menos no caso de polinômios com 3 soluções reais, o grupo de Galois é esse mesmo, e o polinômio é insolúvel por radicais.

Já uma equação quíntica com 1 solução real e 4 complexas pode ter um grupo de Galois menor. A permutação (1243) alterna as raízes complexas segundo um ciclo em forma de X, e (12345) é a rotação onipresente. Estas duas permutações geram um subgrupo de apenas 20 elementos. Neste caso, o automorfismo de conjugados seria (14)(23) e está incluso no pacote pois equivale a (1243)2.

Uma explicação mais técnica

Partindo do princípio que já possuímos todo o ferramental da teoria dos grupos, e dominamos os conceitos de subgrupo, subgrupo normal, etc. podemos formular uma explicação mais enxuta e técnica da impossibilidade de resolver equações do quinto grau ou acima.

Suponha três campos, K, L e M que fazem parte de uma torre de radicais. L é extensão de K e M é extensão de L. Pelo menos M é uma extensão simples, ou seja, M=L(a) onde "a" é um número irracional.

O supergrupo de automorfismos G=Aut(M/K) fixa K, ou seja, mantém intocados quaisquer valores que existam no campo menor K. Semelhantemente, N=Aut(M/L) fixa L. Em particular, N também fixa K, pois K está contido em L. Disto, concluímos que N é um subgrupo de G.

Para um automorfismo "g" que pertence a G, um automorfismo "n" que pertence a N, e um número "l" que pertence a L, considere a seguinte fórmula:

g.n.g-1(l) = ?

Ora, todo automorfismo "n" contido em N=Aut(M/L) fixa L, ou seja, deixa "l" intocado, portanto ele é inócuo e a fórmula pode ser reescrita como

g.g-1(l) = ?

Uma operação de grupo combinada com sua inversa também é inócua, então o resultado é simplesmente "l", e temos que

g.n.g-1(l) = l

Já mencionamos antes a fórmula acima, quando tratamos de subgrupos normais. Quando ela é verdadeira, significa que N é subgrupo normal de G.

Se N=Aut(M/L) é subgrupo normal de G=Aut(M/K), existe o quociente de grupos G/N, que é isomórfico ao grupo H=Aut(L/K). Ou, analisando a torre de baixo para cima, o supergrupo G é o produto semidireto entre H e N, sendo que apenas N é (obrigatoriamente) subgrupo normal de G, então G/H não (necessariamente) existe, mas G/N existe e G/N=H.

Tudo isto que afirmamos até aqui é sempre verdadeiro. G pode corresponder a qualquer equação de qualquer grau, seja ela solúvel em radicais, ou não.

Se quisermos restringir a discussão às equações solúveis em radicais, e lembrando que M=L(a), então então temos de assumir que "a" é um radical, ou seja, ou raiz primitiva n-ésima da unidade (para "n" primo) ou raíz n-ésima de um elemento do campo menor (para "n" primo).

Se a extensão de campo é um radical, é garantido que o grupo N=Aut(M/L) seja cíclico, portanto abeliano. (O supergrupo G=Aut(M/K) não é garantidamente abeliano.)

A definição de grupo solúvel, que corresponde a uma equação polinomial solúvel em radicais, é a seguinte:
a) G possui um subgrupo normal cíclico N;
b) O grupo quociente G/N é, por sua vez, solúvel.

Trata-se de uma definição recursiva. G/N é por sua vez desmembrado em outro subgrupo normal cíclico e outro quociente, até atingir o grupo "1" com apenas um elemento.

A equação quíntica insolúvel corresponde ao grupo S5, que pode ser desmembrado em C2 e A5. O primeiro é cíclico e faz o papel de N; o segundo faz o papel de G/N. Temos que A5 não é cíclico nem possui um subgrupo normal próprio. Portanto, A5 não é solúvel, e S5 não é solúvel.

Uma equação quíntica solúvel corresponde ao grupo F20, desmembrável em C2 e D5 (10 elementos). O primeiro é cíclico, então prosseguimos desmembrando o segundo. O resultado é C2 e C5, ambos cíclicos. A análise termina concluindo que F20 é solúvel.

Referências

MAS 442, Galois Theory, Algebra I. Notes by A. F. Jarvis, with some reworking by K. Mackenzie and A. Weiss.
A classical introduction to Galois Theory. Newman, Stephen C. Wiley: 2012.
http://fermatslasttheorem.blogspot.com.ar/2008/10/abels-impossibility-proof.html
http://fermatslasttheorem.blogspot.com.br/2008/08/cauchys-theorem-on-permutations-of.html
Visual group theory, YouTube playlist do prof. Matthew Macauley
Why you can't solve quintic equations (Galois theory approach) #SoME2 (YouTube)