Site menu Segunda peregrinação pela Ferrovia do Contestado (2 de 3)

Segunda peregrinação pela Ferrovia do Contestado (2 de 3)

Este artigo é dividido em três partes. Esta é a segunda parte. Clique aqui para retornar à parte anterior.

Segundo dia

No segundo dia a intenção era passar em revista ao resto da Ferrovia do Contestado, e andar no Trem das Termas, uma composição turística a vapor que vai de Piratuba a Marcelino Ramos. Se sobrasse tempo, daria uma olhada nas usinas hidrelétricas próximas: Itá e Machadinho.

Meu plano era sair pelas 6:00 pois a distância até Piratuba/SC é considerável e as estradas não são exatamente autobahns. O caminho sugerido pela Internet em geral era a BR-153.

Cometi dois erros: fiquei com preguiça e saí apenas às 7:30, e ignorei o caminho sugerido. A distância linear entre Porto União e Piratuba é de uns 210km, e o caminho sugerido era de 310km. Achei que poderia fazer melhor, indo pelas estradas estaduais.

De fato o caminho ficou um pouco mais curto (uns 40km) mas levei mais de 4h para chegar à Piratuba. Margeando o Rio do Peixe você tem de passar por dentro de um monte de bonitas cidadezinhas.

Figura 1: Estação ferroviária preservada em Rio das Antas/SC
Figura 2: Pátio da estação ferroviária preservada em Rio das Antas/SC

A paisagem é agradável mas o tempo foi escoando e o trem partia às 13:30... Em Joaçaba havia congestionamento (que me custou 40 minutos), nem sempre as placas indicativas são 100% claras e dei umas perdidas, e/ou tive de parar algumas vezes para conferir se estava mesmo no caminho certo.

O congestionamento que quase custou o passeio de trem me fez lembrar por que meu "wizard" (**) de São Bento, o Henry, faz estes passeios exploratórios de moto: entre outras vantagens, torna fácil escapar deste tipo de imbróglio.

A propósito, mais ou menos 50% das estradas estaduais estavam em más condições. Se liga, Raimundo Colombo!

Cheguei bem a tempo para o trem, mas não deu tempo de ir às usinas hidrelétricas. Mesmo que tivesse chegado mais cedo, acredito que não haveria tempo, o planejamento inicial tinha sido meio otimista.

Conforme avançava para o sudoete, de Caçador em diante, me afastando da região mais sangrenta do Contestado, as cidades foram parecendo mais e mais pujantes e livres daquela "opressão" que senti no primeiro dia ao visitar o Timbó. Não acredito em fantasmas, mas que eles existem...

Figura 3: Área das termas e hotéis em Piratuba/SC

Me hospedei em Capinzal/SC, não em Piratuba, porque na primeira os hotéis são bem mais baratos. Não que sejam "um roubo"; apenas não valia a pena para mim naquela situação, pois só usaria o hotel para dormir sem aproveitar nenhuma amenidade. Foi outra coisa que deu errado: pretendia me hospedar em Capinzal e então ir para Piratuba, mas devido ao atraso tive de passar direto.

Figura 4: Igreja em Capinzal/SC

Trem das Termas

O Trem das Termas é mais um "museu dinâmico" da ABPF, nos moldes do Trem da Serra do Mar (de Rio Negrinho/SC). Até pelo fato de Piratuba viver em função do turismo, o esquema do Trem das Termas é ainda mais organizado. O preço do bilhete é R$ 60 por pessoa. Os passeios ocorrem todo sábado, e também durante a semana se houver procura.

Video: Partida do Trem das Termas em Piratuba/SC

A locomotiva 235 que traciona o trem é bem mais antiga e menos potente que as marias-fumaças de Rio Negrinho, o que não constitui problema já que o trecho ferroviário é praticamente plano. A ABPF pratica "de-rating" nas locomotivas, diminuindo a pressão da caldeira para poupar as velhas máquinas e incrementar a segurança.

Figura 5: Locomotiva 235 na estação de Piratuba/SC

A ferrovia em si, apesar de comercialmente abandonada, está razoavelmente bem conservada. De modo geral, mesmo os trechos sem passeio turístico também apresentam conservação razoável, tirante algumas invasões de mato aqui e ali. Há dormentes novos aguardando instalação em diversos pontos. "Gladiador defunto, porém intacto." Ainda resta um fio de esperança de reativação no consciente coletivo da região.

Figura 6: Trem das Termas em viagem

Os quilômetros finais até a fronteira com a Gaucholândia são os mais bem conservados e lastreados, mas isto tem um motivo: foram construídos há poucos anos. A usina hidrelétrica de Itá elevou o nível do Rio do Peixe até bem acima da sua foz, e a ferrovia foi realocada, ainda beirando o rio porém três metros mais alta. Ainda se vêem muitos resquícios do leito original e construções auxiliares.

Figura 7: Rio do Peixe na área de influência da represa de Itá

Note na Figura 7 como é liso o reflexo na água, não há mais correnteza pois já está no nível d'água da represa.

De maneira geral, toda a terra ao longo do rio é ocupada, muitos pomares e plantação de verduras. Em muitos trechos há uso agropastoril inclusive na faixa estreita entre rio e trilho, não exatamente uma coisa boa para a mata ciliar.

Figura 8: Trem e ferrovia sempre margeando o Rio do Peixe

Aliás, a ferrovia segue rigorosamente o leito do Rio do Peixe desde as imediações de Calmon até a foz do rio, apesar dos muitos volteios do rio, naturalmente visando uma construção mais barata. O trilho está relativamente baixo na barranca do rio, tanto que muitas pontes rodoviárias vencem o rio e a ferrovia num só lance.

Figura 9: Ferrovia e barranca do Rio do Peixe

O mapa mostra tudo isto muito bem, mas fiscalizar isto de dentro do trem é mais interessante:

Video: Trem das Termas a caminho de Marcelino Ramos

A grande atração deste passeio de trem é atravessar a ponte para Marcelino Ramos. Quase 500m de ponte metálica sobre o Rio Uruguai, obra da engenharia de 1910. Assim como a ferrovia, a ponte também teve de ser elevada em alguns metros por conta da represta de Itá, neste caso tiveram a feliz idéia de preservar a estrutura original, levantando-a com macacos hidráulicos e construindo pilares mais altos.

Video: Trem percorrendo a ponte sobre o Rio Uruguai, fronteira SC-RS

Marcelino Ramos/RS também é um pólo turístico de águas termais, embora o balneário esteja um pouco afastado da estação. São ofertados dois passeios adicionais, de ônibus, dentro de Marcelino Ramos: ao santuário de N. Sra. de Salette e ao balneário. São muito baratos (R$ 6), e são opcionais.

O mesmo trem oferece um passeio mais curto para os turistas da cidade gaúcha, executado durante o tempo que os turistas vindos de Piratuba (provavelmente) estão passeando de ônibus.

É perfeitamente possível ficar na estação de Marcelino Ramos em vez de passear dentro da cidade, mas é uma espera de uma hora e meia, e não há muitos atrativos no local. Há algumas pessoas vendendo umas coisinhas, nada mais. Mesmo eu, fanático por trens, não fiquei por ali para filmar o trem atravessar a ponte.

Figura 10: Trem percorrendo a porte sobre o Rio Uruguai, sentido RS-SC

Ainda notei, na volta, um ou dois pedintes na plataforma, mas pessoalmente não fui assediado em nenhum momento. Acho que isto já foi um problema: o passeio chegou a ser suspenso e as razões tergiversadas pela ABPF sugerem assédio ao turista. Espero que os gaúchos não deixem a peteca cair de novo.

Figura 11: Santuário de N.Sra. de Sallete em Marcelino Ramos/RS

Optei pelo passeio ao santuário basicamente por ser um local alto, visível de longe a partir do trem, mas lá em cima não há muito ângulo para fotos. Na volta o ônibus pára num mirante, aí sim dá pra fazer aquela batidíssima foto da ponte.

Figura 12: Ponte sobre o Rio Uruguai, fronteira RS/SC

De qualquer forma serviu para aprender que "Salette" é o nome de uma vila da França, onde Maria teria aparecido para umas crianças. (Salete também é um nome feminino razoalvelmente comum em SC, além de ser um município aqui da terrinha.)

Findo o passeio, retornei a Capinzal/SC para finalmente descansar os ossos.

Piratuba

Tempos depois, voltei à Piratuba como turista "convencional", com a família. Ficamos no Thermas Piratuba Park Hotel, com excelentes instalações, bom preço, boa comida inclusa na diária, e bom atendimento. Deu vontade de ficar lá pelo resto da vida.

Há hotéis ainda mais próximos (literalmente ao lado) das piscinas térmicas a céu aberto, mas estas não nos interessavam tanto. Este hotel também tem piscinas aquecidas, em ambiente fechado. Desta vez foi possível apreciar a beleza da cidade e simpatia do povo.

Naturalmente, andamos na maria-fumaça, o único problema é que a enchente recente no Rio do Peixe tinha danificado a ferrovia, de modo que o trem foi apenas até a localidade de Maratá. (No final de 2014, o trem já estava indo até Marcelino Ramos, passando pela famosa ponte, para deleite dos turistas.) Também visitamos muitas cidades próximas, como Concórdia e Joaçaba.

Considerando os atrativos e a tranquilidade local, Piratuba é um dos melhores destinos turísticos do Brasil. Não se trata apenas de um resort ou atrativo singular ilhado. A região é atraente como um todo.

Este artigo é dividido em três partes. Esta é a segunda parte. Clique aqui para abrir a próxima parte.

Notas

(**) Piada interna do #d00dz: um puxa-saco chamou o Maragato de "meu bruxo" para em seguida pedir-lhe um emprego. Daí surgiu a saudação e as variantes como "meu brusho", "meu wizard" e "my brush".