Por conta da construção da casa, assisti muitos vídeos do engenheiro civil e professor da UnB Dickran Berberian. Muito experiente e pragmático, um dos bordões dele é: na engenharia, o quadrado da hipotenusa nunca é a soma dos quadrados dos catetos.
Outra recomendação do Dickran para pedreiros e mestres de obras é pegar o projeto de fundação do engenheiro e "dobrar tudo" e.g. se as sapatas têm 70cm de lado, fazer com 100cm de lado, o que dobra sua área, e dobra a segurança da obra contra recalques. Isso porque ele mesmo é engenheiro...
Outra frase dele me marcou, esta no contexto da dinâmica (o ramo da Física que estuda as causas do movimento dos corpos): É difícil para o ser humano entender o que é força porque nós não sentimos forças. Nós sentimos pressão, torque, aceleração, que são efeitos colaterais de forças.
Não é novidade que as pessoas têm dificuldade com física, na escola e na vida afora. No caso específico da dinâmica, pode ser que seja porque ensinam conceitos como força, trabalho e potência, que não estão acessíveis aos sentidos, sem um esforço sistemático de proporcionar a "organoléptica" desses conceitos.
Isso, e os professores de escola que geralmente ensinam mal porque eles mesmos não aprenderam de verdade. Eles decoraram os conceitos e as fórmulas, e passam para frente do mesmo jeito. Mas não sabem relacionar os conceitos aprendidos a qualquer objeto na vida real, mesmo quando a relação é óbvia. Bem, o físico Feynman já disse tudo que havia para ser dito a esse respeito.
Existe uma diferença entre "aprender" e aprender de verdade, "aprender com o coração" (me falta uma expressão melhor neste momento). Quando se aprende de verdade, profundamente, você começa a ver reflexos do que aprendeu em tudo à sua volta, o que é um bonus point, porque reforça o aprendizado e a memória de longo prazo.
Para mim, é assim que funciona. E, diferente do que alguns conhecidos podem imaginar, também levo tempo (às vezes décadas) para aprender de verdade certos conceitos. Não tenho como saber quantos % das pessoas são capazes de "aprender com o coração". Talvez 100%, com o professor certo? Talvez apenas os 2% de superdotados? Talvez 50%?
Ainda sobre professores que fingem ensinar e alunos que fingem aprender, nada sugere que seja diferente em matérias que não matemática e física. É sequer do interesse dos professores que os alunos realmente aprendam? É permitido divergir do pensamento do Partidão em ciências humanas? Ok, ok, vou evitar esse caminho, prometi que não escreveria mais sobre política no meu site.
Tenho assistido aulas dos professores Ramamurti Shankar (Yale) e Jorge de Sá (UFF) (*) que me fazem pensar quão mais longe podia ter ido se tivesse tido uma educação de maior qualidade.
Ou talvez a mente esteja mais receptiva agora do que na adolescência. Os professores acima usam cálculo liberalmente como ferramenta de demonstração, que um estudante de ensino médio não domina. Isso reforça outra velha opinião minha, a de que educação formal de base deveria ser "espalhada" ao longo da vida, prolongando-se pela vida adulta, porque a pessoa vai adquirindo mais experiências de vida que ressoam com a aula e potencializam o aprendizado.
Mas é notório que bons professores de boas instituições conseguem explicar os conceitos de uma forma natural e mansa, com uma linguagem tão agradável e acessível que dá até a ilusão de que o assunto é fácil.
Na minha época de colegial (**), foi difícil entender porque pode existir uma força sem existir um gasto de energia fixo para produzir aquela força. Por exemplo, um helicóptero gasta querosene para se manter parado no ar (situação em que, em tese, não está subindo, portanto não está realizando trabalho), enquanto um avião mantém altitude gastando (proporcionalmente ao peso) menos querosene que um helicóptero. E um contrapeso pendurado por um cabo produz força sem gastar nada.
Mas na prova de dinâmica eu ainda tirei nota boa. Onde eu me ferrei mesmo (minha primeira nota abaixo de 5 em dez anos de escola!) foi em termodinâmica, que simplesmente não me entrou na cabeça num primeiro momento. E neste caso não foi culpa do professor, porque de termodinâmica o Prof. Guido realmente manjava.
Outra coisa que o currículo escolar falha em abordar, é como esses conceitos também foram descobertos e refinados aos poucos. Não são conceitos óbvios para nós, e também não eram para gente muito mais inteligente e dedicada ao assunto. Por exemplo,
Sendo assim, a quem interessar possa, vou abordar alguns tópicos de dinâmica que me causaram embaraço e certamente embaraçam a outros.
Momento é simplesmente massa × velocidade. É uma grandeza que nossos sentidos conseguem perceber. Jogos como bilhar ou bocha demonstram, de forma quase didática, diversas propriedades do momento.
No currículo do ensino médio, aprendemos cinemática imediatamente antes da dinâmica. Talvez por isso, aprendemos que força é igual a massa × aceleração. Porém, força é algo que nossos sentidos não podem perceber diretamente (fora que uma parcela dos alunos vai chegar neste ponto ainda sem ter aprendido 100% a tal da aceleração).
Me parece que seria melhor aprender primeiro o que é momento, que é algo mais palpável, e ainda por cima é composto por massa e por velocidade, grandezas que todo mundo conhece instintivamente. É então aprender a definição alternativa de força: a coisa que provoca uma variação do momento.
Um helicóptero se mantém no ar porque ele empurra uma certa massa de ar para baixo, com uma certa velocidade. Ou seja, ele imprime uma variação de momento ao ar, portanto exerce uma força para baixo. Mas a 3ª lei de Newton diz que a toda força corresponde outra igual e oposta, e o próprio helicóptero experimenta uma força para cima, que finalmente cancela a força da gravidade.
Sendo que a 3ª lei de Newton existe por conta da conservação do momento: se o helicóptero imprime momento para baixo sobre o ar, haverá um saldo de variação de momento para cima, que tem de ir parar em algum lugar, no caso a própria aeronave.
A força pura mais "próxima" dos nossos sentidos é a gravidade. Uma vez que ela imprime uma aceleração fixa a qualquer objeto (na Terra, g=9,8m/s2), a definição clássica de força (massa × aceleração) é mais fácil de aceitar, neste caso.
Um contrapeso suspenso por um cabo produz uma força perfeitamente proporcional à sua massa. E é uma força estática, não precisa haver variação de momento em lugar nenhum para sustentar a "produção" dessa força. Só ocorre variação de momento na medida em que o contrapeso se move.
Suponha uma locomotiva cujo empuxo (*3) seja de 150.000N, que é aproximadamente igual a 15.000kgf. O que isto significa? Significa que ela puxa um trem com a mesma destreza que um contrapeso de 15 toneladas puxaria. (Imagine esse contrapeso pendurado na beira de um abismo, com uma roldana e o cabo amarrado ao primeiro vagão.)
A definição teórica de trabalho é força × distância. Colocado dessa forma crua, o trabalho é altamente contraintuitivo.
Mas a nossa amiga gravidade nos dá uma noção empírica do que é o tal do trabalho. Todo mundo sabe que carregar peso morro acima "dá trabalho".
É algo observado desde tempos imemoriais que fazer subir 100kg por 10m dá o mesmo trabalho que fazer subir 50kg por 20m, ou 200kg por 5m. Isso pode ser facilmente comprovado por um sistema de contrapesos e roldanas, que também são dispositivos conhecidos há milhares de anos. Se uma roldana reduz o esforço pela metade, o contrapeso é capaz de puxar o dobro do peso, porém pela metade da distância.
Este é o primeiro vislumbre da lei da conservação da energia — de que não existe almoço grátis.
Então, se equipararmos força a peso, e distância a altitude, a definição de trabalho torna-se "peso × altura", que é bem mais próxima de nossos sentidos, com que todo mundo pode concordar pois coincide com o senso comum.
O que (pelo menos para mim) é realmente difícil visualizar é o trabalho realizado no sentido horizontal, ou seja, uma força acelerando uma massa no plano, ao longo de uma certa distância. Por que força × distância? Por que não força × tempo?
Quando se carrega peso morro acima, está claro para onde vai nosso trabalho: ele se transforma em energia potencial, que pode ser recuperada mais tarde, nem que seja rolando morro abaixo.
No plano, o trabalho empregado em acelerar um objeto converte-se em energia cinética, o "momento vivo", proporcional à massa e ao quadrado da velocidade. Como dito antes, muitos cientistas farejaram que essa grandeza mv2 era importante, mas a compreensão absoluta demorou a chegar.
Um primeiro sinal veio da fórmula de Torricceli, que aprendemos em cinemática, infelizmente sem maiores esclarecimentos do porquê ela é importante:
v2 = v02 + 2.a.d
Brincando um pouco com a fórmula, e substituindo aceleração por força sobre massa, temos
mv2/2 - mv02/2 = F.d
Simplificando um pouco mais, considerando velocidade inicial igual a zero,
F.d = mv2/2
Em bom português: aplicar uma força "F" por uma certa distância "d" produz uma quantidade certa de "momento vivo", que sabemos ser a energia cinética, mas vamos fingir por um momento que estamos no século XVII e não sabemos ainda do que isso se trata.
Sabemos que, pelo menos no sentido vertical, F.d representa trabalho, que é "armazenado" num contrapeso que sobe, e "devolvido" quando ele desce. E a "carga" do contrapeso pode ser usada para provocar uma aceleração horizontal, como no exemplo do peso de 15.000kgf rebocando um trem.
Portanto, o "momento vivo" de um objeto (que é energia cinética) pode ser equiparado ao trabalho armazenado no contrapeso (que é energia potencial). Acelerar um objeto no plano também "dá trabalho".
Realizar trabalho exige fazer força, porém uma força pode existir sem que seja realizado trabalho. Por exemplo, um helicóptero e um avião gastam combustível quando empurram o ar para baixo. Quanto combustível? No mínimo a energia cinética impressa ao ar.
Supondo um avião e um helicóptero com o mesmo peso, ambos precisam imprimir a mesma variação de momento ao ar para manter a altitude. Porém, a asa fixa do avião desloca uma massa de ar maior, imprimindo-lhe uma velocidade menor. A energia cinética impressa pelo avião é menor, e o avião gasta menos combustível.
Em resumo, não há uma exigência de realizar "x" de trabalho para obter "y" de força. No outro extremo, um contrapeso parado ou uma mola pressionada produzem uma força contínua sem nenhum gasto de energia.
Para o ser humano, ou pelo menos para mim, é contraintuitivo haver força sem esforço/trabalho, porque nossos músculos gastam energia continuamente para gerar uma força estática. (Fique segurando os braços para cima por mais de 1 minuto para descobrir o quanto.)
Mencionei aqui que o ser humano tem uma enorme dificuldade natural em compreender processos quadráticos ou exponenciais. Uma vez que a energia cinética de uma massa é proporcional à velocidade ao quadrado, o mesmo problema se repete aqui. Momento é intuitivo: você vê a massa e vê a velocidade. Energia cinética, que é quem realmente faz o estrago, não.
Não é intuitivo pensar que um automóvel a 80km/h tem quatro vezes mais energia cinética que um a 40km/h. Isso significa: 4x mais danos ao colidir, 4x mais distância de frenagem (porque o atrito gera trabalho negativo proporcionalmente ao tempo, não à velocidade), 4x mais combustível para acelerar até a velocidade de cruzeiro, e assim por diante.
Todo mundo já ouviu falar que energia não é criada nem destruída, apenas se transforma. A contabilidade da energia sempre fecha, débito igual a crédito. Isso é verdade, mas há alguns detalhes:
O que também aprendemos no colegial é a conservação do momento. De certa forma, é uma lei mais "forte" que a conservação de energia, porque momento só existe em um sabor. Além disso:
a) Momento é uma grandeza vetorial, portanto a contabilidade é feita usando somas vetoriais. Isso é facilmente observável no bilhar (compare o que acontece quando uma bola atinge outra parada, versus quando atinge outra bola vindo na direção oposta).
b) O momento é conservado mesmo quando a energia cinética é dissipada como energia térmica. O exemplo clássico é o tiro de revólver que atinge um bloco de material macio, que absorve o impacto e começa a se movimentar. O bloco adquire um momento igual ao peso × velocidade da bala, porém a energia cinética do bloco será uma fração minúscula da energia cinética da bala, o grosso da energia sendo dissipado na deformação e aquecimento do bloco.
A energia potencial (como a do contrapeso e da mola) e a energia cinética têm a característica de serem conservativas. O trabalho investido para acelerar uma massa ou erguer um contrapeso sempre pode ser recuperado. Converter energia cinética em potencial e vice-versa também não causa perdas. Por isso, as duas são chamadas coletivamente de "energia mecânica".
O mesmo não acontece com a energia térmica. A energia mecânica convertida em calor por conta do atrito não pode ser facilmente recuperada. Transformar energia térmica em energia mecânica é possível, mas exige uma máquina térmica que é inerentemente ineficiente.
De um ponto de vista matemático ou fundamental, o que distingue energia conservativa de não-conservativa? É a independência de caminho. Para subir uma montanha de 1000m, o trabalho despendido para vencer a gravidade será o peso do escalador multiplicado por 1000, não interessa se o caminho percorrido é mais íngreme e curto, ou suave e longo.
Por outro lado, a energia térmica gerada por atrito não é independente de caminho. Quanto mais longo e tortuoso o caminho, mais atrito é gerado.
Torque é uma força aplicada a uma alavanca. É calculado como força × comprimento da alavanca. A confusão já começa por aí, pois isto se parece com a definição de trabalho (força × distância).
Torque também é chamado de binário ou binário-motor pelos nossos patrícios portugueses. Alguns materiais chamam-no de conjugado, momento de torque ou momento de força. E na engenharia civil ele é denominado momento, como se não houvesse confusão suficiente!
Por outro lado, o torque é mais intuitivo que a força. Por exemplo, quando abrimos ou fechamos uma porta, todo mundo sabe que é mais leve empurrá-la pelo lado mais distante da dobradiça, pois com isso obtemos mais torque com a mesma força. E muita gente sabe que não é uma boa ideia enfiar o dedo entre a porta e a dobradiça, pois se a porta fechar sozinha, ela esmaga facilmente o dedo.
Em geral, o torque é transmitido por um eixo rotativo. O torque é muito importante porque as máquinas rotativas (motores a combustão, motores elétricos) transformam internamente força em torque, e entregam esse torque através de um eixo rotativo. E é este número que terá de ser usado para compatibilizar o motor com a carga.
O torque é o motivo pelo qual uma viga de construção precisa ter uma altura mínima em relação a seu comprimento, pois forças moderadas no meio da viga produzem torques enormes em outros pontos da viga. Analogamente, um suporte estilo mão-francesa suporta muito melhor uma prateleira que um simples suporte em L, pois o elemento diagonal da mão-francesa reduz muito o torque produzido pelo peso da prateleira.
Existem dispositivos que transformam torque em força? Claro que sim. O pneu de um carro faz exatamente isso: ele pega o torque fornecido pela transmissão e transforma numa força linear, que é quem realmente empurra o automóvel para frente.
Potência é a taxa de trabalho produzido por unidade de tempo. No sistema SI, temos o Watt, que é definido como 1 Joule por segundo. Outra unidade muito popular é o cavalo-vapor, cavalo de força ou CV, definido como 75kgm (i.e. o trabalho de erguer um contrapeso de 75kg por 1 metro), o que é aproximadamente 736W.
Portanto, potência é igual a força × distância / tempo. Isto autoriza uma definição alternativa de potência: força × velocidade (pois distância / tempo é a definição de velocidade).
Logo acima, dissemos que as máquinas rotativas fornecem torque, não força. Elas tampouco fornecem distância ou velocidade; a "velocidade" de um motor é a RPM do eixo. Como calcular a potência neste caso?
Se considerarmos uma alavanca de 1m acoplada ao eixo, a força fornecida na ponta da alavanca é numericamente igual ao torque (e.g. se o torque é 50 N.m, a força na ponta da alavanca é simplesmente 50N). Temos a força. A alavanca possui velocidade angular de RPM/60 voltas/s, e a ponta da alavanca descreve um círculo de 2πm ou 6.28m a cada volta, numa velocidade de 2π.RPM/60 m/s. Temos a velocidade. Juntando tudo,
Potência = torque × 6.28 × RPM / 60
Se o torque fizer uso da antiga medida kgf.m (comum em automobilismo), podemos converter para N.m, calcular tudo e depois dividir por 736 se desejarmos a potência em cavalo-vapor (também mais comum em automobilismo).
Por exemplo, o motor do Opala 250-S fornece 32.5 kgf.m de torque a 2600 RPM. Que potência o motor está fornecendo nesta rotação? Primeiro, temos de converter o torque de kgf.m para N.m, o que dá 381 N.m. Então,
Potência = 381 × 6.28 × 2600 / 60
Potência = 86762W = 117 cavalos
Uma vez que potência é proporcional a torque × RPM, o que faz o carro andar é realmente a potência, não o torque. Pois o torque pode ser multiplicado pela transmissão conforme necessário. Para o usuário do automóvel, o torque máximo só é relevante quando considerado em conjunto com a RPM em que esse torque é entregue.
Em geral, energia elétrica é cobrada por kiloWatt-hora. Esta é uma medida de trabalho, o que pode parecer confuso porque Watt é uma medida de potência.
Uma vez que potência é a taxa de trabalho por unidade de tempo, se a multiplicarmos pelo tempo, estaremos "cancelando" o tempo e obtendo novamente uma unidade de trabalho. Parece um esforço estúpido, porém podemos criar unidades de trabalho mais ergonômicas desta maneira.
É mais fácil para o leigo (e na verdade para qualquer pessoa) entender que o 1 kWh que ele paga na conta de luz equivale ao trabalho realizado por um aparelho de 1 kW funcionando por uma hora. Imagine se a fatura viesse cobrando 3600000 Joules... As pessoas mal sabem que Joule existe, mas têm uma noção aproximada do trabalho que 1 kWh representa.
Aproveitando o ensejo, também vemos por aí a unidade "VA" ou "kVA", que mede potência aparente: volts × amperes. Nós analisamos o conceito de fator de potência aqui e aqui, mas o resumo executivo é o seguinte: potência aparente (VA) é calculada pelo pico de corrente, enquanto potência (W) é calculada pela média da corrente.
No mundo do ar condicionado ainda é costume usar BTU como unidade. A maioria das pessoas "entende" o que ela significa: um aparelho de 9000 BTU atende um quarto, 12000 BTU um quarto grande, 18000 BTU uma sala de estar e assim por diante.
Porém, a unidade correta é Btu/h. O "t" e o "u" são minúsculos, Btu é uma unidade de trabalho, portanto Btu/h é uma unidade de potência. Btu é uma antiga unidade imperial de energia térmica, e fiel à sua origem, nem mesmo tem uma definição exata... fica em torno de 1055 Joules. Ela ainda é usada no mercado de gás natural (que é negociado pelo seu poder calorífico, não por peso ou volume).
Acredito que o Btu/h é usado em ar condicionado por ser um número "ergonômico". É mais fácil engolir 9000 Btu/h que 2637 W. O uso de Watts também criaria confusão porque as pessoas relacionam Watts com consumo de energia elétrica, sendo que um ar condicionado de 9000 Btu/h transfere calor a uma taxa de 2637 W, porém consome apenas 700 a 900W de eletricidade.
Ainda sobre unidades imperiais de refrigeração, temos a "TR", "Tonelada" ou "Ton", utilizada em aparelhos grandes, de ar condicionado central. Corresponde ao poder de refrigeração de 1 tonelada curta (2000 libras ou 907kg) de gelo, que passa de 0ºC no estado sólido a 0ºC no estado líquido no lapso de 24 horas. Essa é remanescente de uma era em que as pessoas compravam pedaços de geleiras no inverno e enterravam num buraco para conservar comida.
Uma vez que TR é uma quantidade de trabalho realizada num lapso de tempo, é uma unidade de potência. A definição original faz com que 1 TR seja quase igual a 12000 Btu/h, e a unidade foi modernizada para que 1 TR seja exatamente igual a 12000 Btu/h (que por sua vez não tem definição exata, como vimos).
É, eu sei, estou saindo da dinâmica e entrando na seara da termodinâmica. Mas estou tão feliz de redimir a posteriori aquela nota abaixo de 5...
Entropia é uma medida de desordem, "inutilidade" ou indisponibilidade da energia. O conceito é difícil de compreender, mas é interessante. E a história dele também.
Há muita coisa no mundo que poderia acontecer, que não viola nem a conservação da energia nem a conservação do momento, e mesmo assim não acontece (de forma espontânea). O café dentro da xícara não começa a girar sozinho, esfriando um pouco no processo. O calor não vai de um corpo frio para um corpo quente. Os esotéricos discordam (*4) mas o resto de nós aceita isso como regra.
Também é fato que algumas formas de energia são mais úteis, ou disponíveis, que outras. Uma bateria carregada e um litro de água quente podem conter a mesma energia, porém a energia da bateria é mais útil, para quase toda definição plausível de utilidade. Assim como 1L de água quente e 1kg de gelo são, separadamente, mais úteis que se combinados para formar 2L de água morna.
O engenheiro militar Sadi Carnot, famoso pela "máquina de Carnot", descobriu já no início do século XVIII que uma máquina térmica não pode ser 100% eficiente. Sempre haverá calor rejeitado da "fonte quente" para a "fonte fria", um calor que é perdido para sempre. Nada mau para uma época em que não se sabia que calor é uma forma de energia, nem se sabia que um gás é composto de partículas discretas.
Rudolf Clausius batizou a entropia de entropia e deu-lhe uma definição palpável: calor dividido pela temperatura, ou Joules por Kelvin, em unidades modernas. Isto significa que, numa máquina térmica, uma caloria rejeitada para a fonte fria "vale mais" que uma caloria extraída da fonte quente. Se dois corpos, um quente e um frio, entram em equilíbrio térmico, a entropia do Universo aumentou, pois o ganho de entropia do corpo frio supera a perda de entropia do corpo quente.
A máquina de Carnot, mesmo possuindo eficiência menor que 100%, é um caso extremo cuja entropia é zero — o calor rejeitado para a fonte fria tem exatamente a mesma entropia do calor extraído da fonte quente, lembrando que parte do calor da fonte quente é convertido em trabalho. No mundo real, o aumento de entropia é inexorável, e as máquinas térmicas em geral são muito menos eficientes que a de Carnot. (E isso é naturalmente mais uma prova que a máquina de Carnot é um máximo teórico, não pode haver outra melhor.)
Boltzmann deu uma dimensão estatística à entropia, demonstrando que ela é proporcional (*5) ao número de estados microscópicos possíveis que concordam com a observação macroscópica.
O exemplo clássico é um gás que preenche metade de um recipiente, e a outra metade é vácuo. Removendo-se a barreira entre as duas metades, naturalmente o gás ocupa todo o espaço e sua pressão cai à metade. Mas como não há troca de calor com o ambiente, nem o gás realiza trabalho sobre um pistão nem contra a atmosfera, sua temperatura não muda, portanto sua energia interna não muda.
("Ah, mas um gás sempre esfria na expansão livre; o regulador de gás esfria quando uso o fogão!" Isso é conseqüência do efeito Joule-Thomson para gases não-ideais. Dependendo da temperatura e pressão, um gás pode até esquentar na expansão livre. Este é um caso em que a observação empírica não conta a história toda. Um gás ideal *não* esfria ao expandir.)
Se não há ganho nem perda de calor, não haveria mudança de entropia, pela definição de Clausius. Porém é natural pensar que o gás expandido é um estado "mais desorganizado", menos útil, portanto com maior entropia. É só pensar no trabalho que daria comprimir o gás para devolvê-lo ao volume original.
Podemos escolher descrever o estado microscópico de forma bem simples, de forma binária (*7), determinando apenas se cada partícula de gás está do lado esquerdo (L) ou do lado direito (B) do recipiente. Antes de remover a barreira, todas as partículas são L. Depois de remover a barreira, em média 50% das partículas serão L e outras tantas B.
Pode acontecer de todas partículas serem L, ou todas B, o que permitiria reinserir a barreira e "comprimir" o gás sem realizar esforço? Ou mesmo que haja uma diferença palpável entre L e B que permitiria restaurar pelo menos um vácuo parcial, de graça? Até pode acontecer, mas é altamente improvável. Qualquer configuração que desvie de 50/50, por pouco que seja, é praticamente impossível.
Se houver apenas 2 partículas de gás, é plausível que, por 50% do tempo, o estado seja LL ou BB. Se forem 4 partículas, a chance de LLLL ou BBBB é de apenas 12,5%. Se forem 10 partículas, 0,2%. Se forem 100 partículas, a chance é um número próximo de zero com 30 casas decimais, portanto já absurdamente improvável. (Lembrando que a ordem de grandeza do número de partículas num sistema da vida real é o número de Avogadro.)
Esta é a interpretação estatística da entropia. Todo sistema tende a descambar de forma espontânea para o seu estado mais desorganizado possível, porque infelizmente coincide que esse é o estado mais provável.
Tanto a Constante de Boltzmann quanto o Número de Avogadro foram homenagens póstumas. Nenhum dos dois calculou tais números em vida, nem tiveram em vida o reconhecimento que mereciam.
Amedeo Avogadro era advogado (*6) e tinha um interesse em matemática e física que acabou virando sua ocupação principal. Sua famosa hipótese era que a) os gases eram compostos por partículas e b) que se duas amostras de gás têm a mesma temperatura, pressão e volume, elas também têm o mesmo número de partículas, seja qual for sua composição química.
Note que a massa dessas amostras de gás pode ser diferente. O que Avogadro disse é que as propriedades do gás dependem do número de partículas, não do peso molecular. A primeira estimativa do "mol" ou Número de Avogadro, que é o número de partículas contida numa amostra de "n" gramas, onde "n" coincide numericamente com o peso molecular, foi feita 50 anos depois, e com precisão razoável apenas 100 anos depois.
Diversos outros cientistas, culminando com Clausius e Boltzmann, hipotetizaram a "teoria cinética dos gases": que a pressão de um gás é devido ao momento das partículas; que a energia contida num gás ideal (conhecida como entalpia) é proporcional à sua temperatura; e que essa energia é armazenada nas partículas, unicamente na forma de energia cinética.
Isso equivale a dizer que temperatura é apenas a manifestação macroscópia da energia cinética em nível microscópico. (Compare isto com a velha teoria do fluido calórico.) Dessas hipóteses, que hoje são teorias provadas, vem a fórmula que todo vestibulando conhece (PV=nRT) onde "R" é a "constante universal dos gases". Ou seja, conhecendo "n" (número de moles) e a temperatura "T" do gás, podemos prever o binômio pressão × temperatura.
Outra fórmula equivalente e menos conhecida é PV=NkT, onde "k" é a constante de Boltzmann e "N" maiúsculo é o número total de partículas.
O número de Avogadro tem conseqüências para além dos gases. Neste texto, mostro que o tempo que se leva para misturar as duas partes do Durepox, ou mesmo bater uma massa de bolo, depende desse número.
Na termodinâmica do ensino médio, até onde lembro, tudo que aprendemos vale para o "gás ideal". Conforme o nome sugere, gases reais têm comportamento diferente do ideal, embora seja uma aproximação muito boa para a atmosfera, a mistura de gases com que temos contato mais freqüente.
Também aprendemos um ponto de "quebra" do modelo de gás ideal: quando ele condensa e vira um líquido. Embora seja um desvio do ideal, é um fenômeno indispensável para a vida diária, desde o botijão de gás até o funcionamento de geladeiras e aparelhos de ar-condicionado.
Outra falha do modelo é convenientemente omitida do ensino médio: a expansão livre do gás, como a que ilustrou o aspecto estatístico da entropia. Aprendemos expansão isotérmica e adiabática, mas não a expansão livre. Que pelo modelo de gás ideal não mudaria a temperatura, mas muda em gases reais.
A maioria das pessoas presume que uma expansão livre sempre faz o gás esfriar. E de fato é o que acontece com a maioria dos gases com que lidamos no dia-a-dia. Porém o efeito Joule-Thomson pode inclusive esquentar o gás, a depender do tipo de gás, temperatura e pressão.
Às vezes, o "gás" esfria porque nem era gás em primeiro lugar. Um botijão de gás ou uma lata de aerosol esfriam durante o uso porque o butano está no estado líquido lá dentro, e a evaporação realmente absorve calor. Já o esfriamento do regulador de gás de cozinha se deve ao efeito Joule-Thomson.
A energia de um gás ideal depende unicamente da temperatura. O efeito Joule-Thomson é um dos muitos casos em que a energia total de um gás real pode desviar consideravelmente do ideal.
A energia total de um gás é denominada entalpia. Sua fórmula é
H = U + P.V
onde H é a entalpia, P.V é a energia térmica (tal qual um gás ideal), e U é a energia interna "extra" (que só existe para um gás real). Na verdade, H não é um valor absoluto, porque a energia interna U não tem um zero absoluto. Elege-se uma condição de "entalpia zero" e as demais são relativas.
É um conceito meio abstrato, porém muito importante. Por exemplo, a entalpia de vaporização da água (também conhecida por calor latente) é de 540cal/g. Isto significa que é preciso fornecer 540 calorias por grama de água para transformá-la em vapor, isso se ela já estiver a 100ºC. Para onde vai toda essa energia?
Quase toda a energia de vaporização é aplicada em quebrar a ligação entre as moléculas de líquido. Esta parte corresponde ao "U" da fórmula. Uma pequena parte (7,5%) é utilizada para exercer trabalho contra a atmosfera, a fim de abrir espaço — afinal 1 grama de água ocupa quase 1,7 litros na forma de vapor. Esta última parte corresponde ao "P.V" da fórmula da entalpia.
Portanto, se considerarmos que a entalpia do líquido é o nosso "ponto zero" (U=0 e P.V desprezível), a entalpia do vapor é muito grande, e muito maior que simplesmente P.V.
Na condensação, o processo inverte: a atmosfera exerce trabalho sobre o gás para diminuir seu volume, e a energia interna U que mantém as moléculas separadas também é liberada, ambas na forma de calor latente de condensação.
Por aí concluímos que a entalpia de um gás é muito maior que a entalpia de um líquido, por unidade de massa; e que a mudança de fase proporciona um enorme salto de entalpia a temperatura constante, o que é largamente explorado em refrigeração e em bombas de calor.
Num gás ideal, o mesmo salto só poderia ser obtido trabalhando-se com enormes diferenças de temperatura. É possível fabricar um refrigerador cujo fluido seja apenas gás, mas ele seria mais caro e menos eficiente, sendo viável/interessante apenas em alguns nichos.
(*) Esta aula do professor Jorge de Sá eu cito inclusive no meu livro sobre opções.
(**) Termo obsoleto para ensino médio, porque sou velho.
(*3) O termo correto seria "esforço de tração". Empuxo é a força produzida pela reação contra um líquido ou gás, como a que é produzida por uma hélice ou turbina de avião.
(*4) Um fantasma poderia extrair calor do ambiente para fazer suas diabruras, e de fato os sensitivos dizem que o esfriamento súbito de um ambiente é sintoma da presença do sobrenatural.
(*5) Na verdade, proporcional ao logaritmo do número de microestados possíveis.
(*6) Não sei se o sobrenome é coincidência, ou se realmente era função da profissão, visto que ele descendia de uma longa dinastia de advogados.
(*7) Para quem é da profissión, note que isto permite representar o estado das particulas do sistema como um número binário.