Site menu Princípios de Contabilidade (parte 1 de 5: débito, crédito e patrimônio)

Princípios de Contabilidade (parte 1 de 5: débito, crédito e patrimônio)

Este texto está dividido em cinco partes: 1, 2, 3, 4 e 5. Esta é a primeira parte.

Não deixe de conferir a parte final do artigo onde é exibido um exemplo completo de escrituração contábil e relatórios.

Débito e crédito

Em todo evento economicamente relevante, o dinheiro não cai do céu — sempre há uma origem (crédito) bem definida, assim como há uma aplicação (débito) para onde foi o dinheiro. Todo evento contábil tem débitos e créditos em igual montante.

Este é o método das partidas dobradas. Seu grande mérito é permitir a demonstração perfeita das origens e aplicações de recursos. Ele é auto-verificante, pois o total do débito sempre tem de ser igual ao total do crédito.

Pelo menos na minha cabeça, origem sempre vem antes de aplicação, e especificar débito e crédito nesta ordem soa "invertido". Provavelmente o Frei Luca Pacioli (o inventor das partidas dobradas) partiu da presunção que a maioria das pessoas primeiro pensa em que vai gastar, para depois procurar as origens de recursos.

Existem outros esquemas "pernetas", mais simples, de manter as contas em ordem. O mais usado é o livro-caixa. Nesta modalidade, todo lançamento envolve o caixa, a débito ou a crédito. Desta forma, tem-se ao menos um controle rigoroso do dinheiro e valores contidos no caixa.

Devido à ausência de outras contas, o caixa contém de tudo: dinheiro, cheques pré-datados, vales, promissórias, enfim, tudo que represente valor agora ou no futuro. Controlar o dinheiro desta forma pode ser o suficiente para um boteco ou lojinha.

Outro esquema de contabilidade parcial é o controle exclusivo das contas de patrimônio. Em vez de haver apenas um caixa, há uma rubrica para cada conta bancária, contas a receber, contas a pagar, etc.

É possível assim controlar investimentos e dívidas em separado. Mas as contas de resultado, ou seja, receitas e despesas, continuam sem controle. Softwares de gerenciamento de contas pessoais como MS-Money e assemelhados adotam esta tática.

A propósito, patrimônio é tudo quanto a entidade possua, seja bens, direitos, ou dívidas. Já as contas de resultado controlam despesas e receitas.

Ativo

Ativo é a parte "positiva" do patrimônio: bens e direitos. Não é muito difícil imaginar isso — dinheiro, conta no banco (com saldo no azul), terrenos, prédios, automóvel.

Num balanço, as contas do ativo são listadas em ordem inversa de liquidez. Por exemplo, é mais fácil sacar dinheiro de uma conta bancária do que vender um terreno, portanto a conta bancária aparece antes. Por tradição, dinheiro em mão sempre aparece em primeiríssimo lugar, embora costume ser uma conta pouco movimentada em empresas maiores.

Quando se aplica dinheiro em uma conta ativa, ela cresce, portanto ela possui natureza devedora. Saldo positivo em conta bancária é saldo devedor.

Na medida em que descemos o balanço em direção às contas menos líquidas, a avaliação dos reais valores fica progressivamente mais difícil.

No fundo do balanço, fica um grupo de contas fantasmagórico chamado Ativo Diferido. Diferir significa postergar. Tratam-se de valores já gastos, mas que eu não quero reconhecer ainda como despesa, então eles passam um tempo no purgatório do Diferido.

Um bom exemplo é o seguro de um carro. Você paga um ano inteiro antecipadamente, mas não seria correto considerar isso como despesa no mês do pagamento, pois ele vale por todo o ano. O correto é lançar:

e a cada mês descarregar 1/12 avo como despesa:

Ao fim de 12 meses, a conta de Diferido não tem mais saldo relativo ao seguro, pois ele está exaurido e já foi completamente reconhecido como despesa.

A liquidez do Diferido é praticamente nula: não é fácil receber seu dinheiro de volta se cancelar o seguro do carro. Por ser uma conta meio opaca, o Ativo Diferido é "boa" para cometer fraudes contábeis, tipo esconder prejuízos, ou despesas vultosas e embaraçosas. (Outra fraude bastante comum é inchar as contas a receber com duplicatas frias.)

A propósito, já que mencionamos a apropriação mensal da despesa de seguro, temos de citar os regimes de competência e de caixa.

No regime de competência, obrigatório por lei no Brasil, as receitas e despesas são assim consideradas no momento de competência. Exemplo: a receita é contabilizada no momento da venda.

Já o regime de caixa considera o momento do desembolso para as despesas, e as receitas são contabilizadas no momento do recebimento efetivo. O regime de caixa é popular nos EUA.

Qual dos dois regimes é melhor? O regime de caixa é menos burocrático (evita por exemplo aquele controle mensal do seguro do carro), mas o regime de competência produz balanços com resultados mais estáveis, e mais facilmente comparáveis com períodos anteriores. É quase impossível fazer um balanço mensal decente em regime de caixa (imagine o prejuízo no mês onde se paga 13o), embora isso seja comum em regime de competência.

O regime de caixa tem o mérito do conservadorismo: se houver uma hecatombe de calotes por parte de seus clientes, seu balanço não estará "inchado" com uma receita que acabou não se concretizando.

Passivo

Passivo é o patrimônio negativo, ou seja, tudo quanto a entidade deve a outras.

Não é muito difícil imaginar dívidas e contas a pagar. O passivo é fácil de entender. O passivo é listado no balanço por ordem inversa de exigibilidade — itens com prazo mais longo ficam mais para baixo.

(Os nomes "ativo" e "passivo" são ao meu ver pouco esclarecedores, e inspiram conotações sexuais pouco lisonjeiras à classe contábil. Em inglês, passivo é liabilities que significa simplesmente "ônus" ou "dívidas". Os acadêmicos justificam os nomes dizendo que ativo é tudo que circula, enquanto passivo apenas aumenta ou diminui sem circular. Não me convence, mas a nomenclatura é essa aí.)

Se você toma dinheiro emprestado para comprar um carro, então a origem (crédito) do dinheiro é a conta do seu credor, e a aplicação (débito) é um ativo permanente. Os lançamentos a crédito fazem o saldo passivo crescer, portanto as contas do passivo têm natureza credora.

Na medida em que a dívida cresce por conta dos juros, o lançamento é: débito na conta de resultado "despesas com juros", crédito na conta passiva do credor. Este lançamento faz ambas as contas aumentarem de saldo.

Para pagar a dívida, a origem será um ativo disponível — dinheiro ou conta bancária — e a aplicação será o credor, que fica assim zerado.

A propósito, quando você deposita dinheiro num banco, o dinheiro não fica lá descansando no cofre; ele é emprestado a outras pessoas. O dinheiro vai embora, mas permanece a dívida do banco para com você. Se o banco não quebrar, você pode reclamar essa dívida a qualquer momento, simplesmente fazendo um saque.

É por isso que uma conta com saldo positivo aparece com "CR" no extrato, pois o extrato é um pequeno relatório contábil de uma conta passiva, do ponto de vista do banco. Do nosso ponto de vista, no nosso balanço, saldo positvo em conta bancária é um ativo e é devedor.

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