Este texto está dividido em cinco partes: 1, 2, 3, 4 e 5. Esta é a segunda parte.
Como vimos, todo dinheiro tem de ter uma origem. Uma entidade só consegue aumentar seu ativo de três formas: faturando (tendo receita), emprestando dinheiro (aumentando o passivo), ou recebendo investimento de sócio. Esta última origem de recursos é o capital.
Muitos contadores classificam o capital como uma espécie de passivo não-exigível, ou exigível num prazo indefinidamente longo. Isso é bem comum na contabilidade brasileira. Assim como o passivo, o capital tem natureza credora — seu saldo aumenta quando é usado como origem de dinheiro.
Num balanço fechado, ou numa empresa que acabou de abrir, vale a igualdade
ATIVO = PASSIVO + CAPITAL
Se o capital faz parte do passivo, como é comum no Brasil, a igualdade reduz-se a
ATIVO = PASSIVO
Se o passivo exigível for maior que o ativo, o capital tem de ser negativo para fechar a conta — uma situação não muito confortável.
O capital também pode ser considerado o preço conservador pelo qual uma empresa seria vendida. Isso poderia ser verdade se o rendimento sobre o capital (mais conhecido como lucro) for semelhante à taxa-base de juros da economia. Uma empresa saudável oferece rendimento superior ao juro-base, e seu preço de venda provavelmente será bem maior que o valor do capital.
É por isso que todo mundo grita quando o juro básico da economia aumenta. Se o juro aumenta, ele alcança ou ultrapassa a lucratividade média de milhares de empresas, e os potenciais investidores vão querer pagar menos por elas — do contrário, é melhor deixar o dinheiro numa aplicação financeira.
A contabilidade pública (a brasileira, ao menos) tem a interessante característica de não possuir ativo e passivo. Isso justifica-se em parte porque municípios, estados e União "possuem" certos bens, como ruas, rios, espaço aéreo etc. mas que são inalienáveis, e seu valor é difícil de determinar. Por outro lado, isso também ajuda a explicar porque o patrimônio público é tão mal administrado.
A receita é a criação de recursos na entidade. Essa "criação" não é dinheiro caído do céu, mas sim a conversão de trabalho humano em renda. Esse trabalho pode ser serviço prestado, juros, lucro na venda, aluguel, etc.
Na contabilidade pública, a venda de um bem é considerada como receita de capital. Já numa contabilidade convencional, tal transação é uma simples conversão de um ativo para outro. Se houver lucro (se o valor recebido for maior que o valor do ativo na contabilidade) essa diferença é receita não-operacional.
Despesa é a destruição de um recurso da entidade.
Note que a despesa não ocorre exatamente quando você despende recursos em um objeto, mas sim quando esse objeto está exaurido, e deixa de ter valor de revenda. Enquanto ele tiver valor de revenda, permanece no ativo.
Exemplo extremo: você compra um rolo de papel higiênico por R$ 2. Ele passa a fazer parte do seu ativo. Na medida em que ele for usado (vá medindo quantos centímetros) a parte proporcional vai sendo debitada em despesa e creditada do ativo. Quando o rolo acabar, todos os R$ 2 terão ido para despesa, pois o ativo está todo na lixeira, e num estado exaurido.
É óbvio que, na prática, ninguém vai fazer cada rolo de papel higiênico transitar pelo Ativo, pois seu único destino possível é a lata de lixo, e não sem antes... bem, deixa pra lá. É mais racional contabilizar tal despesa pelo regime de caixa, logo no momento da compra.
Compra de serviços em geral, por serem completamente imateriais, não têm a menor chance de transitar pelo ativo: vão direto para a despesa. Será mesmo? Um serviço que é prestado ao longo de muito tempo, mas pago à vista, sobrecarregaria o balanço do mês de pagamento. Para evitar essa distorção, existe o Ativo Diferido (vide discussão na parte anterior, onde citei o exemplo do seguro de automóvel).
A rigor, existe uma diferença entre custo e despesa.
Custo é apenas o que se gasta diretamente na fabricação ou obtenção de um produto vendável; ou na prestação de um serviço. Se eu fabrico latas de alumínio para vender, a energia elétrica gasta para derreter o alumínio é custo, o valor/hora do operário também é.
Já se eu for um atacadista de latas, meu custo é o que eu paguei para o fabricante de latas. A energia que manteve acesas as luzes do escritório, papel higiênico, conta telefônica, etc. são despesas, porque não entraram diretamente na composição do produto ou serviço.
Nem sempre é fácil distinguir custo de despesa. O salário do operário da fábrica de latas é um custo fixo, porque não varia conforme a produção. Mas é custo. Como fracionar este salário de modo a descobrir o custo unitário de cada latinha? Contabilidade de custos é algo bastante complexo, praticamente uma ciência em separado.
Na contabilidade pública, que não possui patrimônio, a compra de um bem é considerada como despesa de capital.
Muitas vezes, a receita não é gerada exclusivamente por trabalho humano, mas envolve a entrega de um bem. Se eu compro algo por R$ 100 e revendo por R$ 150, qual é minha receita? 150 ou 50?
A pessoa que comprou o bem por R$ 150 não quer saber do custo de produção. Ela pagou 150, portanto a despesa dela é 150.
Se você comprou um bem por 100, você apenas aumentou seu estoque em 100, e aliviou sua conta bancária no mesmo montante. Você transformou um ativo em outro ativo. Ainda não houve nem custo nem despesa.
O mesmo acontece se você fabrica este bem. Se o custo de fabricação for 100, seu estoque (que faz parte do ativo) aumenta em 100 a cada unidade fabricada. Por isso a determinação do custo é importante, porque ele dita o valor contábil do seu estoque, que reside no Ativo.
No momento em que este bem é vendido, ele foi exaurido — o objeto foi levado embora, não pode ser vendido duas vezes. Aí sim ocorreu o dispêndio do custo de 100, exatamente no mesmo instante em que ocorreu a receita de 150.
O resultado líquido aparece da diferença entre receita e despesa, mas isso é uma consideração gerencial posterior. Os lançamentos são mutuamente "cegos" — consideram-se receita e custo de forma completamente desvinculada, embora ocorram exatamente ao mesmo tempo.
É claro, podemos elaborar um demonstrativo de resultados colocando as duas contas "pertinho" uma da outra, de modo que as pessoas que vão ler o demonstrativo, talvez leigas em contabilidade, consigam enxergar que existe um lucro bruto de 50 por venda.
Colocando a coisa assim, a receita bruta parece algo irrelevante, mas não é. Suponha duas empresas: ambas lucram 50 por unidade vendida, mas uma vende o produto a 150, e a outra a 10.000. A primeira tem margem de lucro maior, e mais folga para absorver aumentos de custo. Porém a segunda empresa gera mais caixa, com todas as vantagens que isto acarreta. Cada situação tem suas benesses e desafios.
Interessante notar que o valor final de um bem ou direito é composto exclusivamente do trabalho humano aplicado nele. Compare o preço de 10g de ouro bruto com o preço de uma jóia de 10g — o ouro bruto é muito mais barato. E mesmo o preço do ouro corresponde à dificuldade de extração e conseqüente empenho humano envolvido no processo. Não existem etiquetas de preço na Natureza. Bens prontamente disponíveis na Natureza não têm preço, mesmo quando essenciais. Exemplo: ar e luz solar. Tais bens não podem ser contabilizados, pois não são avaliáveis.
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