Já circundei algumas vezes o perímetro da região do Contestado, principalmente ao longo das ferrovias que delimitam a região ao norte, a leste e a oeste, e também as rodovias e cidades que a cercam pelo sul. Mas nunca tinha trespassado a região; fui uma vez até Santa Cruz do Timbó, que ainda é perto de Porto União, e não me animei a prosseguir.
No centro desta região, está a cidade de Timbó Grande. A poucos km da sede da cidade, está o Vale Sagrado de Santa Maria, o último reduto dos jagunços do Contestado, e seu território contém muitos outros sítios de importância histórica.
Para contrabalançar a importância histórica, Timbó Grande é literalmente longe de tudo: em linha reta, está a 57km de Canoinhas, 46km de Santa Cecília, 40km de Caçador e 51km de Fraiburgo. Se considerarmos a distância por asfalto, os números pioram bastante: 120km até Canoinhas ou até Caçador. Adicione mais 30km para chegar nas lojas Havan mais próximas, em Mafra ou Videira (mas o careca prometeu uma loja em Caçador para breve).
O principal problema é que o único acesso asfaltado vai na direção SE, para Santa Cecília, que dá acesso direto à importante BR-116 porém vai na direção oposta das cidades vizinhas economicamente relevantes. Há estradas interioranas que tentam ir em linha mais reta, porém são extremamente sinuosas mercê do relevo. Como diz o inglês, pick your poison.
Não foi por acaso que os jagunços escolheram o local para se esconder. Se é longe de tudo hoje em dia, imagine em 1910. O relevo é extremamente difícil, com altitudes oscilando entre 800m e 1400m, muitos rios, nascentes formando banhados nas áreas mais altas, clima úmido no verão e congelante no inverno. A única via de trânsito rápido era a então novíssima Ferrovia do Contestado, que na verdade passa bem longe.
A região faz parte da Serra Geral, que aqui e ali assume o nome de Serra da Esperança e corta a região Sul no sentido NW-SE. É uma serra sobre um planalto, uma grande e bela barreira natural para todas as estradas que correm no sentido leste-oeste. Mas também é a nossa grande e generosa fonte de água, e vem terminar quase no litoral, na Serra do Rio do Rastro, onde a famosa rodovia tem de vencer as declividades do planalto e da serra num só lance.
Como se não bastasse, temos a leste o belo vale dos rios Hercílio e Iraputã, extremamente acidentado e de preservação ambiental, cortando qualquer possível relação econômica com o próspero Vale do Itajaí. Até naquelas fotos noturnas da NASA esse território catarinense entre o Médio Vale do Itajaí e o Meio-Oeste aparece notoriamente escuro.
Percorri a região saindo de Canoinhas, seguindo na direção sul até Timbó Grande, e fui embora indo para leste, pela estrada asfaltada. Apesar do isolamento e da inexistência de cidades grandes, a região não é desabitada. Pelo contrário, há casas e chácaras quase sem intermitência ao longo de todo o caminho. A terra é quase toda cultivada ou reflorestada. Sobram pouquíssimas araucárias, bem menos que em cidades prósperas próximas do litoral. As estradas de terra são bem sinalizadas, com placas indicativas a cada cruzamento ou bifurcação importante.
A estrutura social reflete a velha questão do Contestado. Os chácaras apresentam casas bem-cuidadas e automóvel, não raro uma picape. Não há porteiras feitas de ouro, mas quem é estabelecido, consegue tocar a vida. Por outro lado, há os aglomerados de casas feias e pequenas na beira da estrada — os descendentes dos caboclos e indígenas, que provavelmente não possuem terra e ganham a vida nos poucos e mal-pagos empregos rurais que se pode encontrar no entorno. O PIB per capita de Timbó Grande é menor que um salário mínimo.
A sede da cidade é pequena mas bem-cuidada. No domingo em que estive lá, estava bem movimentada até, o que foi uma surpresa. Como bom turista, gastei um pouco na cidade — enchi o tanque do carro. Teria gastado mais se houvesse café no posto.
Porém não me demorei, o interesse era visitar o totêmico local onde a Guerra do Contestado terminou.
Para minha surpresa, não havia placas indicativas para os principais sítios históricos! Logo lembrei da velha teoria da conspiração, de que o Contestado é ativamente esquecido. Eu não teria problemas de orientação pois estava munido dos mapas do IBGE e meu tosco porém funcional app de GPS, mas o local exato do Quadro Santo não está marcado no mapa. A pouca porém apaixonada literatura a respeito do assunto também esqueceu de incluir um mapa detalhado, limitando-se a plotar toda a mesorregião.
O que eu sabia, é que o Quadro Santo estava na confluência do ribeirão Faxinal ou Xaxinal com o Santa Maria. O rio Santa Maria está no mapa e tem comprimento limitado, visto que nasce perto e logo deságua no Rio Caçador. Já o Faxinal não está anotado. Os textos também mencionam morros altos alteando o vale, bons pontos de vantagem para vigilância. Considerando as descrições do relevo, os locais marcados com o nome "Santa Maria" no mapa, marquei dois lugares como os mais prováveis.
A estrada de acesso é nova e boa, bem melhor e mais curta que os caminhos sugeridos pelo velho mapa.
Num dos locais candidatos, tive uma surpresa positiva: o X marcava onde estava o tesouro. Fora isso, nada sugeria a enorme relevância do local. Apenas um fundo de vale com umas casinhas, não havia um monumento ou área aberta à visitação.
A bandeira ficou aberta e visível apenas o tempo necessário para que eu a visse, quando subi a estrada. Ao voltar ela estava meio caída, dobrada sobre si mesma, novamente invisível. Tive de ajeitá-la para que a cruz verde aparecesse na foto. Tão fugaz é a marcação do Quadro Santo...
Hoje as estradas são boas e subir o vale do (candidato a) rio Faxinal até o divisor de águas (para oeste, o rio chama-se Tigre) é tranquilo, embora naturalmente íngreme. Mas dá pra ver que, em 1910, seria quase impossível chegar ali. O relevo do entorno é ainda mais convoluto, fora os banhados a sudoeste que bloqueavam o caminho direto a Caçador.
No vale do provável Faxinal, uma surpresinha positiva: várias araucárias jovens num campo, claramente alguém dignou-se a plantá-las.
Para desencargo de consciência, subi o vale do Santa Maria na direção sul, para ver se havia algum outro local candidato a Quadro Santo. Mas me pareceu que a subida era muito mais suave, não oferecia a legendária dificuldade de acesso, nem havia um rio tributário a formar confluência.
Dali, fui embora na direção da BR-116. No caminho, achei uma estação ferroviária do Tronco Sul e uma ponte ferroviária. Curiosamente, é o mesmo rio Timbó quem passa por baixo desta ponte: ele nasce a 3km dali, corta em diagonal o Contestado inteiro, e desagua no Iguaçu.
Isto também tem seu significado; esta ferrovia existe porque o Exército achava que teria de voltar a combater "fanáticos" por ali, e precisaria de um caminho ferroviário mais próximo e mais eficiente que a ferrovia do Contestado para despejar as tropas. É a estaca de Caxias cravada neste chão, para que não ressuscite São João Maria.
De fato, o Tronco Principal Sul foi pensado muito mais em termos militares que econômicos, tanto que é subutilizado até hoje. Enquanto isso, a Ferrovia do Contestado cruza regiões economicamente interessantes, porém não recebeu quase nenhuma melhoria, e acabou obsoleta e abandonada. (A Ferrovia do Frango, cujo traçado seria grosso modo uma extrapolação da extinta EFSC, seria a obra que finalmente responderia às necessidades logísticas de SC.)
Para terminar, reitero minha principal queixa e surpresa negativa: o município de Timbó Grande não deveria deixar passar tão em branco um local de tamanha importância histórica. Até a economia local agradeceria; quantas cidadezinhas por aí não se fazem turísticas ao redor de uma ou duas coisas pitorescas? Rio Negrinho com o passeio de maria-fumaça, Piratuba com as águas termais, Lages com o pinhão, São Joaquim com uma nevasca magra por ano... Fica a dica.
Numa segunda oportunidade, visitei a região a S/SE de Timbó Grande, que é mais ou menos um triângulo formado pelas sedes das cidades de Caçador, Lebon Régis e Timbó Grande. Ali dentro se encontram as localidades de São Sebastião do Sul e Caraguatá, ambas também importantes no contexto da guerra.
No geral parece ser uma área ainda menos desenvolvida que aquela ao norte de Timbó Grande. Muitas estradas que constam no mapa são becos sem saída, ou quase impraticáveis. Predominam as fazendas grandes, de pastagem ou de reflorestamento, no lugar dos minifúndios observados para os lados de Canoinhas.
É uma região de grande altitude, a estrada chegando a 1300m em alguns pontos. Há muitos banhados, que é onde nascem os rios da região. Aproveitando essas minas de água, há muitos lagos artificiais e tanques de pesca na região. Em particular o lago da foto abaixo é tão grande que poderia comportar esportes náuticos.
A localidade de Caraguatá lembrou um pouco Santa Maria, também é um desfiladeiro estreito, com um banhado no fundo do vale. Devia ser o pesadelo dos eventuais transeuntes numa época em que não havia estradas ensaibradas.
A paisagem não é realmente muito bonita, talvez por ser uma área grande e alta, então não há acidentes geográficos a observar. Fica aquela sensação opressiva de estar no meio de lugar nenhum. O desmatamento praticamente total completa a desolação. A primeira paisagem realmente bonita, apareceu no caminho de saída, indo para Lebon Régis na estrada que leva deste município a Timbó Grande. O morro inteiramente plantado com pinus lembrou uma paisagem alpina, e talvez lembre mais ainda num dia bonito com geada.
De um ponto de vista logístico, essa estrada deveria ser asfaltada, pois ligaria Timbó Grande ao município mais próximo em linha reta, e encurtaria muito a distância até Caçador.